Rochas formadas por plástico são descobertas em ilha no Espírito Santo

Last updated on 13/02/2023

O aumento da produção e do consumo de novos materiais, a partir do desenvolvimento tecnológico, tem ampliado a capacidade de os seres humanos influenciarem o ciclo geológico da Terra, tornando-nos capazes de alterar irreversivelmente esses processos. A poluição, encontrada especialmente no ambiente marinho e ocasionada, em grande parte, pelos materiais plásticos, pode alterar até mesmo os cenários de fauna e de flora do ambiente terrestre.

Cientistas e pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) encontrou uma nova consequência da poluição de ambientes costeiros e marinhos, rochas com plástico em sua formação na Ilha da Trindade, um paraíso quase inabitado que fica a 1.140 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo. Esta é a ilha brasileira mais distante do continente.

O arquipélago que abriga Trindade pertence a uma cadeia de montanhas submarinas do Atlântico numa linha reta que vai do Estado do Espírito Santo em direção à África e possui uma área de 9,2 quilômetros quadrados. A Ilha surgiu há aproximadamente 3 milhões de anos depois de uma série de explosões vulcânicas.

O acesso à ilha é controlado e restringido pela Marinha, o que mostra que a ação do homem começou a influenciar processos que antes eram considerados essencialmente naturais, como a formação de rochas.

De acordo com o artigo publicado pelos cientistas no periódico especializado Marine Pollution Bulletin, rochas idênticas às naturais, porém com plástico em sua composição, foram encontradas na região do Parcel das Tartarugas. Como sugere o nome, essa área, localizada na ilha, abriga inúmeros ninhos de tartarugas-verdes.

Fernanda Avelar Santos, doutoranda em Geologia na UFPR, afirma que a equipe encontrou diferentes tipos de detritos plásticos, análogos às rochas convencionais. Entre elas estão os plastiglomerados — assim como as rochas sedimentares, são formados pela deposição gradual de minerais e plásticos — descobertos no Havaí, em 2014. Outra formação é a dos plastitones, rochas ígneas — formadas pelo resfriamento de lava vulcânica — com incrustações de plásticos.

“Além disso, observamos piroplásticos, descritos pela primeira vez na costa da Inglaterra”, relata a pesquisadora. Estes objetos não são rochas de fato, e sim plástico derretido e ressolidificado que assumiu aparência semelhante a das pedras. Análises de laboratório revelaram que os materiais possuem, no máximo, duas décadas de existência.

“Identificamos quatro tipos de formas de detritos plásticos, distintos em composição e aparência. Os depósitos plásticos na plataforma litorânea recobriam rochas vulcânicas; sedimentos da atual praia compostos por cascalhos e areias; e rochas praiais com superfície irregular devido à erosão hidrodinâmica”, descreve a pesquisadora.

Décadas de existência

Os plastiglomerados, análogos às rochas sedimentares, foram relatados pela primeira vez no Havaí, em 2014. Outro material identificado na ilha brasileira foi o plastistone, similar às rochas ígneas e com composição predominantemente plástica. O elemento foi encontrado recobrindo rochas vulcânicas existentes na região, que registram o último episódio de vulcanismo ativo no Brasil.

Os materiais retratados no artigo foram visualizados em campo em 2019 e possuem, no máximo, duas décadas de existência.

O homem como agente geológico

A principal contribuição do artigo é o reconhecimento de que os seres humanos estão se comportando como agentes geológicos e influenciando os depósitos sedimentares. Com base nas intervenções humanas, os autores alertam que é necessário questionar o que é verdadeiramente natural.

Para a pesquisadora e coautora Giovana Diório, mestranda em Geologia na UFPR, o atual comportamento das pessoas em relação à poluição marinha está provocando uma mudança de paradigma da Geologia clássica, que possui uma perspectiva pré-antropocênica, ou seja, que entende os processos antigos da história da Terra a partir de uma concepção baseada no período anterior à interferência significativa do ser humano nos processos naturais.

“As ocorrências mostram que o impacto humano, assim como os seus resíduos, estão tão presentes no meio ambiente que começaram a influenciar processos antes considerados essencialmente naturais, a exemplo da formação de rochas”, pondera Giovana.

“Ao longo do tempo geológico, os principais agentes transformadores dos registros da Terra eram naturais. Por exemplo, processos tectônicos e mudanças climáticas. No entanto, a ação humana nos tempos atuais está tão penetrante que está modificando o planeta de forma mais acelerada do que os processos naturais”, declara a autora principal do artigo, que exemplifica: “ao destruirmos montanhas para exploração mineral ou realizarmos a construção de estradas, em semanas ou poucos anos essa montanha pode ser aplainada. Em um contexto de erosão natural, esse processo levaria milhares ou milhões de anos”.

Necessidade de preservação

O processo de formação de uma rocha a partir da poluição marinha, por exemplo, é rápido e depende de três etapas, nas quais o ser humano atua como principal agente geológico: disponibilidade de lixo plástico no ambiente marinho ou costeiro; arranjo e deposição do lixo em um local da praia, que ocorre quando as pessoas juntam o lixo a fim de descartar ou fazer fogueira; e aumento da temperatura do ambiente por meio de fogo, que derrete o plástico e interage com os sedimentos da praia formando cimento plástico e, consequentemente, essas rochas.

Para o geólogo Carlos Conforti Ferreira Guedes, professor do departamento de Geologia da UFPR e colaborador no artigo publicado, é necessário preservar estratigraficamente o impacto humano na Terra. A análise sedimentar e estratigráfica é o estudo e a descrição dos sedimentos e rochas sedimentares para interpretar como eles foram formados.

Ele explica que, com os materiais não naturais, como lixo e plásticos, ocorrendo de forma indiscriminada na natureza, eles passaram a participar dos processos sedimentares e a se acumularem junto às rochas clássicas, ficando preservados no que se chama de registro geológico. “Quando os geólogos do futuro forem analisar as rochas deste período, poderão reconhecer o impacto humano na Terra pela identificação desses materiais não naturais junto aos materiais naturais”, reflete.

Antropoceno: o impacto humano na Terra

“Atualmente, os conceitos clássicos da geologia consideram apenas os fatores naturais como preponderantes para definir termos, como a definição de rocha. Em uma perspectiva do Antropoceno, esses critérios precisam ser atualizados e integrar a ação humana como aspecto fundamental. Dessa forma, poderemos entender de que modo estamos impactando o sistema terrestre atual e buscar soluções para amenizar e construir um futuro geológico em harmonia com os sistemas naturais”, alerta a cientista.

O impacto humano no planeta Terra é o campo de estudos dos pesquisadores do Antropoceno, perspectiva que representa o tempo em que a humanidade está se tornando o agente geológico ativo dos processos geológicos atuais.

O tempo geológico, que embasa importantes teorias fundamentais da ciência moderna – como a Teoria da Evolução –, representa o reconhecimento de uma escala cronológica que subdivide os 4,5 bilhões de anos de história da Terra e é crucial para o entendimento da evolução do planeta, desde o seu início até como o conhecemos hoje.

Fontes: Revista Planeta, Revista Ciência UFPR, G1,Canaltech.
Foto: Fernanda Avelar Santos/Reprodução.