São Francisco de Assis, o santo que se tornou símbolo da luta ambiental

Last updated on 05/10/2022

Nascido em 1181 ou 1182 na cidade de Assis, atual Itália, ele foi batizado como Giovanni di Pietro di Bernardone e era filho de uma família relativamente bem-sucedida.

Seu pai, Pietro di Bernardone dei Moriconi, era um comerciante têxtil que tinha bom tráfego entre a burguesia estabelecida na época. Sua mãe, Pica Bourlemont, era uma mulher de raízes francesas.

Parece não haver dúvidas é que nome  foi assumido antes da vida religiosa — ou seja, desde a tenra juventude Giovanni já era chamado de Francesco, em português Francisco, pelos seus amigos.

E teria sido uma juventude bastante agitada. Visto como excêntrico e indisciplinado, Francisco gostava de festas, bebida e não economizava o dinheiro do pai na hora de se divertir.

Por volta dos 23 anos, ele passou a ter uma série de visões místicas. Aos poucos, passou a se desinteressar pelos prazeres mundanos e convenceu-se que o melhor seria adquirir hábitos mais frugais e próximos dos pobres. Depois de um retiro em uma caverna, decidiu que não queria se casar — mas, sim, abraçar a vida religiosa.

Sonhos com mensagens avaliadas por ele como divinas passaram a ser recorrentes. E certa vez ele, ao ouvir os sinos que os leprosos eram obrigados a usar para alertar as pessoas do risco de contágio, em vez de afastar-se, aproximou-se.

A repulsa deu lugar ao cuidado: Francisco deu seu manto ao homem que sentia frio e sentiu um prazer inexplicável ao ver, em seus olhos, a gratidão.

Para os seus biógrafos, esse foi o ponto de virada em sua biografia, quando ele realmente decidiu dedicar-se aos pobres. Em seguida, Francisco pegou o estoque de tecidos do seu pai, vendeu a preços módicos no centro da cidade, e doou todo o dinheiro para a Igreja.

Renunciou a qualquer direito que teria como herança e partiu, nu, para uma vida entre os pobres. O bispo teria abençoado o jovem e admirado sua postura.

Isso teria ocorrido provavelmente em 1208. No ano seguinte, Francisco fundaria seu grupo religioso, a Ordem dos Frades Menores, com princípios claros de serviço aos pobres, humildade e uma profunda ligação com a natureza.

Essa postura de Francisco, com boas doses de rebeldia nas condutas para conseguir realizar seus ideais humanitários, faz com que muitos vejam seu papel como o de um verdadeiro reformador dos valores da Igreja Católica.

“Em minha visão, ele foi um homem estupendo que, mesmo antes de [Martinho] Lutero [(1483-1546), que rompeu com a Igreja e fundou o protestantismo] questionou a Igreja. Alguns pesquisadores dizem que ele foi um reformador sem sair da Igreja, pois questionava a riqueza e via a pobreza como algo significativo”, afirma o estudioso de hagiologias Thiago Maerki, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.

“Suas ideias vão ao encontro daquilo que geralmente se prega no mundo contemporâneo, cada vez mais capitalista, material e do ‘eu sem pensar no outro’.”

Para o pesquisador, a figura de Francisco de Assis se tornou “extremamente simbólica” justamente porque em uma “época em que muitos defendiam a riqueza, inclusive a hierarquia eclesiástica”, ele acabaria, em sua ordem, decretando que os frades tinham de habitar casas mais simples, ter uma vida mais simples. “O hábito franciscano era a roupa das pessoas pobres da época”, exemplifica.

Se hoje São Francisco é visto como o santo mais ligado ao meio ambiente, é preciso lembrar que essa noção não encontra eco nos discursos de seu tempo. “Muitas vezes ele é tomado como uma espécie de ícone para a causa ambiental mas isso é uma construção muito recente”, argumenta Maerki.

“Obviamente que essa questão ambiental não era uma preocupação, uma demanda do mundo medieval”, salienta. “O que temos nas primeiras legendas sobre São Francisco é justamente esse respeito que ele tinha para com a natureza.

Ele chamava toda a natureza de irmã, a lua era irmã, o sol era irmão, os pássaros eram irmãos, a Terra uma grande mãe. Esse respeito, mais tarde, foi interpretado com um viés ecológico.

Ele pregou aos peixes, aos pássaros. Por isso tornou-se protetor da natureza e padroeiro da ecologia. Mas não de uma ecologia unicamente utilitarista. A relação de Francisco com a natureza é fraterna, no sentido de que nós, os animais e as plantas fomos feitos por Deus e somos, portanto, irmãos.”

Em carta apostólica publicada em novembro de 1999, o papa João Paulo 2º. (1920-2005) proclamou São Francisco como “o celeste padroeiro dos cultores da ecologia”.

Por isso, hoje dia 04 de Outubro, que marca o dia de São Francisco também é comemorado o Dia Mundial dos Animais e Dia da Natureza.

Mas, isso mm um momento em que os índices de desmatamento e queimadas estão cada vez mais altos em todos os biomas, que milhares de espécies estão ameaçadas de extinção por causa da destruição do habitat, e que a sociedade, cada vez mais cedo, esgota os recursos naturais que o planeta pode regenerar no período de um ano, essas duas datas propõem uma importante reflexão: como as ações humanas estão realmente impactando o meio ambiente?

A resposta, infelizmente, não é nada boa. O Relatório Planeta Vivo 2020 da WWF apontou que as populações globais de mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes diminuíram, em média, dois terços desde 1970. Ou seja, nossa biodiversidade está em risco, e se isso acontecer, não vamos ter como voltar atrás.

Nesse contexto histórico em que a tragédia climática e ambiental parece irreversível, Papa Francisco é uma voz lúcida acerca da necessidade de proteção ecológica, do “cuidado com a casa comum”, como ele tanto clama. E num momento de crise da humanidade, ele insiste na importância do acolhimento e no fundamental da caridade e da inclusão dos mais pobres.

Papa Francisco ecoa, oito século depois, os princípios de um dos santos mais famosos da história do cristianismo: São Francisco de Assis, cuja data é celebrada pelos católicos no dia 4 de outubro — de acordo com a tradição, ele morreu na noite do dia 3 para o dia 4 de outubro de 1226.

Fonte: BBC News, WWF.

Foto: Domínio Público.