A destruição ou fragmentação de florestas para dar lugar a pastagens e lavouras, o turismo em algumas áreas de preservação, a caça ilegal, o avanço da urbanização e a prospecção para a mineração de calcário têm contribuído para colocar em risco de extinção muitas espécies de animais da Caatinga. Segundo dados do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (SALVE), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), das 2.133 espécies estudadas no bioma, 171, ou 8%, estão sob algum nível de perigo.
Lançado em agosto de 2023, o SALVE é uma plataforma online, que reúne cerca de 15 mil espécies avaliadas quanto a seu risco de extinção. Desse total, 5.513 possuem uma ficha com todos os seus dados publicada, entre as quais 1.253 estão em alguma categoria de ameaça. O objetivo do projeto é facilitar a avaliação do risco de extinção e tornar essas informações mais acessíveis, contribuindo para aumentar o conhecimento sobre as espécies e a criação de políticas públicas para conservação da biodiversidade do país.
Ação humana transformou 89% da Caatinga
O levantamento do SALVE mostra que das 171 espécies ameaçadas da Caatinga, 33 estão na categoria de Criticamente em Perigo, 72 na de Em Perigo e 66 na de Vulnerável. De acordo com o biólogo Eduardo Marques Santos Junior, analista ambiental do ICMBio, entre as principais causas do risco que correm esses animais está a conversão de áreas de vegetação natural em terras para a agricultura. “O histórico na Caatinga era de retirada de madeira para lenha, para conversão em carvão e outros usos”, diz. “Hoje há outras frentes de expansão.”
Marques explica que em algumas regiões do Nordeste, como o sul do Maranhão, por exemplo, está ocorrendo uma expansão muito grande do cultivo da soja. Isso acontece, por que fica perto do Porto de Itaqui, em São Luís, o que torna mais fácil a exportação. Outra razão é que, por volta de 2010, houve crescimento econômico do país, o que levou à abertura de novas áreas agrícolas no bioma. “Isso ocorreu principalmente na Chapada Diamantina, com o estabelecimento de agricultura mecanizada, principalmente com o cultivo de café e morango”, conta.
Como exemplo de espécie afetada por essa expansão agrícola, Marques cita o macaco guigó-da-caatinga (Callicebus barbarabrownae), também genericamente conhecido como guigó e sauá, entre outros nomes populares. Esse primata já foi amplamente distribuídos nas florestas ao sul do Rio São Francisco, mas atualmente ocorre apenas em regiões do interior na Caatinga e existem apenas 250 indivíduos em liberdade. “A espécie está criticamente em perigo”, lamenta Marques, que a estudou no âmbito do Projeto Primatas da Caatinga. “Ela foi descrita em 1997 e desde então vem perdendo habitat no bioma.”
Ele explica que durante o projeto, a equipe percebeu que houve um grande avanço da fragmentação da vegetação natural. “Havia locais que tínhamos visitado em 2005 e que em 2016 não possuíam mais aquelas manchas de mata que havíamos visto”, conta.
“Por isso, tinha áreas em que o guigó estava localmente extinto. Como contraponto, descobrimos alguns lugares em que a espécie ainda permanecia. E outros que controlamos mais e conseguimos mapear o tamanho da população atual. O problema com que sempre nos deparamos, no entanto, foi uma expansão da conversão da vegetação natural em áreas de agricultura ou outras atividades.”
Além dessa fragmentação das matas, outro problema, que apareceu mais recentemente, também está colocando as espécies animais em risco na Caatinga. Trata-se da instalação de parques eólicos e solares, para explorar essas duas formas de produção de energia, os ventos e sol.
“Embora se pense que as usinas eólicas não têm impactos ambientais, elas possuem muitos”, diz Marques. “De dez anos para cá, essa forma de produção de energia aumentou abruptamente. Apesar de não se conhecer bem quais são os impacto sobre biodiversidade – pesquisadores ainda estão em campo estudando – sabemos que há animais que morrem com a pressão daquelas pás girando, como morcegos e aves, por exemplo.”
A essa ameaça, se soma outra. Nos últimos dois anos está havendo também a expansão da instalação de usinas fotovoltaicas em grandes extensões da Caatinga, principalmente nas mais planas. São terrenos mais baratos, com florestas de baixa estatura, que estão sendo convertidas em grandes áreas de exploração da energia do Sol. “Um das principais animais afetados por isso é o tatu-bola ou tatu-bola-da-caatinga (Tolypeutes tricinctus), uma espécie icônica do Nordeste”, explica Marques. “Os painéis solares ocupam exatamente as mesmas áreas em que a espécie vive.”
Ele conta que um colega pesquisador viu, durante uma expedição de estudo, mais de 30 desses animais correndo por não ter onde se abrigar. “Seria necessário resgatá-los e transferi-los para outro lugar”, diz. “Mas não sabemos quantos tatus vivem numa nova área escolhida. Seria um risco para os animais. Quando se faz uma translocação dessas, pode-se estar só colocando o bicho para morrer em outro canto. Tem que ter muito cuidado.”
Além disso, Marques diz que um novo ingrediente entrou no jogo: as mudanças climáticas, que estão levando ao aquecimento global, o que agrava o quadro do processo de desertificação da região. “Havia um cenário desse fenômeno com uma temperatura x e com a vegetação y”, explica. “Hoje existe menos vegetação e menos rios e água. Estamos perdendo esses elementos no sertão. Então, eu diria que o cenário não é tão bom para o futuro da região, porque não existe nenhum programa para reflorestar, para recuperar as matas que foram perdidas.”
Fonte: Um Só Planeta.
Foto: Pixabay.