4 em cada 10 cientistas relatam sofrer ataques online por alertar contra a crise climática

“Entre os casos mais extremos estão comentários na linha de que eu deveria me matar dessa ou daquela forma. Ou o pior, quando eles dizem que vão me caçar e as várias coisas que vão fazer comigo. O que me desgosta ainda mais é quando se referem ao meu pai (…). Outras vezes, são apenas comentários sobre gênero, de que eu deveria deixar os homens fazerem esse tipo de pesquisa.” O depoimento sobre ataques online é da meteorologista Helene Muri, doutora em Física Planetária pela Universidade de Oxford e pesquisadora sênior na NTNU, a Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia. Muri foi uma das pessoas entrevistadas numa pesquisa da ONG Global Witness, que alerta: 40% dos cientistas climáticos consultados já sofreram algum grau de ataques online por causa de seu trabalho e 12% reportaram grande quantidade de ataques.

Os cientistas participantes da pesquisa relatam formas variadas de assédio online por parte de negadores da crise climática. Há desde formas mais brandas de ataque, como ironia, alusão a supostos interesses escusos dos cientistas e questionamento ao seu grau de conhecimento do tema, até ameaças de violência física e sexual, ameaças contra famílias, sexismo e racismo. Ondas de críticas automáticas, geradas por bots, também entram na lista do que os cientistas aguentam ao se posicionar publicamente sobre os perigos da crise climática provocada pelas ações da humanidade.

Para as cientistas mulheres, sexismo é um fator muito mais presente nos ataques online: 34% delas reportam alguma menção a gênero ou sexo nos ataques, contra apenas 3% dos cientistas homens. Os ataques a elas também incluem mais referências a violência física e questionamentos a sua experiência.

Racismo também está presente na selvageria nas redes sociais. “A maior parte do assédio que recebo é de natureza racista, em parte porque eles não podem questionar meu conhecimento”, afirma o economista Shouro Dasgupta, pesquisador no Instituto Europeu de Economia e Meio Ambiente.

As plataformas online mais mencionadas como meio dos ataques online são Twitter (por 44% dos cientistas que reportaram o problema) e o Facebook (por 31%), cujas políticas preveem que o conteúdo de muitos desses ataques não deveria ser admitido. Uma pesquisa similar anterior, feita pelo Pew Research Center em 2021, havia concluído que, embora as experiências ruins possam ocorrer por outros canais digitais, as redes sociais são, de longe, o meio mais usado pelos agressores.

Os ataques têm vários efeitos ruins. Segundo a pesquisa, há entre os cientistas relatos de ansiedade, insônia e perda de produtividade. “Os dados do levantamento mostram que as pessoas sentem menos vontade de postar em redes sociais, como resultado do abuso”, diz Henry Peck, da Global Witness.

Em 2019, o SMC (Centro de Ciências da Mídia), do Reino Unido, já havia sugerido medidas para aumentar a segurança de cientistas que compartilham descobertas pela internet, o que inclui apoio por parte das instituições onde eles trabalham. “É parte integral da ciência ser aberta”, lembra Fiona Fox, diretora do SMC. “Quando mais estridentes nos tornamos (enquanto sociedade), particularmente em relação à crise climática, menos discutimos outras questões. Não é só clima – é poluição, plásticos, desmatamento, biodiversidade. Todos os impactos da humanidade importam”, diz Mark Maslin, professor de Ciências do Sistema Terrestre na University College London.

A pesquisa foi publicada com o título “Ódio global – Como abuso online contra cientistas do clima prejudica a ação climática”. A Global Witness enviou convites a cerca de 24 mil cientistas, todos autores de artigos relacionados à crise climática ou listados em bases públicas como especialistas em clima. Dos convidados, 468 responderam completamente o questionário e, desses, 183 afirmaram receber ataques online em algum grau.

Fonte: Um Só Planeta.

Foto: dole777 no Unsplash.