40 milhões de crianças brasileiras já sofrem com riscos ambientais, segundo Unicef

De aulas interrompidas por desastres ambientais a problemas respiratórios por conta da poluição, são muitos os cenários desoladores que as crianças e adolescentes enfrentarão nas próximas décadas em meio às mudanças climáticas.

Falar em “próximas décadas” não quer dizer que estes sejam problemas apenas do futuro. Segundo um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgado nesta quarta-feira (09/10), 40 milhões de meninos e meninas no Brasil já estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental, o que corresponde a 60% das crianças e adolescentes brasileiros.

O Unicef estima, por exemplo, que 13,6 milhões de meninos e meninas no país estão sob risco de ondas de calor; 8,6 milhões podem sofrer com a falta d’água; e mais de 7,3 milhões com enchentes de rios.

“A crise climática é uma crise dos direitos das crianças e dos adolescentes. É uma crise para a garantia do acesso das crianças à saúde, ao desenvolvimento, à educação, à proteção contra a violência, à proteção social, à água, ao esgotamento sanitário…”, enumera Danilo Moura, oficial de monitoramento e avaliação Unicef no Brasil.

O relatório publicado nesta quarta-feira — em meio à COP27, a Conferência das Nações Unidas para o Clima, que ocorre no Egito — combina vários dados de pesquisas científicas novas e anteriores, sobre a situação ambiental do Brasil e as vulnerabilidades das crianças às mudanças climáticas.

Em relação à saúde, por exemplo, o documento afirma que dois em cada cinco brasileiros estão expostos a níveis de poluição do ar externa acima do recomendado pela Organização Mundial para a Saúde (OMS). Considerando apenas as crianças e adolescentes, o número vai para três em cada cinco.

A poluição, que no Brasil é agravada pelas queimadas florestais e pelos combustíveis fósseis em áreas urbanas, tem efeitos cientificamente comprovados na saúde. Para crianças, longos períodos de exposição a poluentes altamente concentrados podem afetar o desenvolvimento cerebral e pulmonar, além de enfraquecer o sistema imunológico e agravar infecções respiratórias — às quais elas já são tipicamente mais frágeis.

“Alguns dos fatores que compõem a má qualidade do ar, por exemplo a falta de árvores, são piores em áreas de periferia ou em áreas onde moram as populações mais pobres”, explica Moura. “E as crianças e adolescentes são proporcionalmente muito mais pobres no Brasil do que os adultos. A nossa rede de proteção social é muito mais eficiente em garantir que você não vai ter adultos e idosos pobres do que crianças e adolescentes.”

Outra perspectiva preocupante na saúde é a proliferação de doenças transmitidas por vetores, como os mosquitos, devido às mudanças nos padrões de chuvas e temperaturas. Citado no relatório do Unicef, um estudo de 2020 mostrou que o aquecimento global torna mais propícia a disseminação da febre amarela no Norte e no Centro-Oeste. Essa e outras doenças, como dengue e zika, tendem a ser mais graves e mortais para crianças pequenas.

Outro estudo citado, de 2018, quantificou a fragilidade das escolas brasileiras diante dos desastres ambientais — não especificamente no cenário de mudanças climáticas. Foi calculado que 721 escolas no país estão em áreas de risco hidrológico e 1.714 em risco geológico.

Crianças mais vulneráveis

O relatório, intitulado Crianças, Adolescentes e Mudanças Climáticas no Brasil, alerta que as mudanças climáticas já afetam “desproporcionalmente” crianças e adolescentes negros, indígenas e quilombolas; migrantes e refugiados; crianças e adolescentes com deficiência; e as meninas.

“Todos os fatores de vulnerabilidade que estão associados a esses marcadores de gênero, raça e etnias, de pertencimento a grupos excluídos, são potencializados quando você coloca os riscos de climáticos em cima de outras vulnerabilidades”, aponta Moura.

O pesquisador do Unicef detalha algumas vulnerabilidades agravadas no cenário de mudanças climáticas, como as necessidades de adaptação do ambiente físico para crianças com deficiência; a responsabilização das meninas pelo cuidado e até sustento de outras crianças; e a falta de acesso ao saneamento básico, que tende a ser pior para crianças e adolescentes negros.

Ele também aborda a situação das crianças de povos tradicionais.

“Quando a gente está falando de crianças indígenas, quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais, existe uma questão muito específica que é o modo de vida dessas populações.”

“Se você destrói a floresta, você está destruindo literalmente o lugar onde eles vivem. Quando há uma mudança no padrão da chuva e as enchentes ficam mais frequentes, são as comunidades ribeirinhas que são inundadas primeiro”, exemplifica.

Apesar das inúmeras ameaças para os menores de idade, o relatório mostra que as principais leis e políticas do Brasil para as mudanças climáticas praticamente não fazem referência às crianças e adolescentes. Embora as prefeituras e governos estaduais tenham várias responsabilidades nesse enfrentamento, Moura afirma que é o governo federal o responsável por levar à frente uma estratégia nacional de mitigação às mudanças climáticas.

Ele não fez comentários específicos sobre como o tema pode ser tratado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito em outubro à presidência, mas deixou recomendações.

“Nossa expectativa é que, ao desenhar políticas a serem implementadas nos próximos anos, o governo brasileiro priorize as crianças e os adolescentes. A gente gosta de dizer que precisamos construir uma ponte entre os artigos 225 e 227 da Constituição. Um garante o direito ao meio ambiente e o outro, a prioridade absoluta nas crianças e adolescentes em todos os temas”, diz Danilo Moura.

Fonte: BBC News.

Foto: EPA.