90% das estações do Inmet têm mais de 10 anos e 5 capitais enfrentam problemas de medição

Dados confiáveis são a base de qualquer sistema meteorológico preciso. Sem eles, torna-se impossível construir modelos de previsão eficazes ou antecipar eventos severos, o que é grave em um cenário de emergência climática.

Levantamento da Folha de São Paulo a partir de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) revela que as 564 estações automáticas espalhadas pelo país têm, em média, uma taxa de pane de 22,4% das horas de operação. Na prática, a cada cinco horas, elas deixam de captar dados durante uma hora.

O mapeamento das falhas demonstra que as estações mais antigas, com cerca de 25 anos de operação, enfrentam situação mais crítica, com panes em quase 30% do tempo. É o caso das estruturas localizadas nas capitais Salvador, Brasília e Manaus, onde os primeiros registros datam de maio de 2000.

A análise também revela o envelhecimento da rede de estações meteorológicas do instituto. De todas estações automáticas em operação, 497 (88,1%) têm mais de dez anos. Nos últimos cinco anos, apenas três novas estações foram instaladas e, nos últimos dois anos, nenhuma. O período de maior expansão da rede ocorreu entre 2006 e 2008, quando foram implementadas 347 das atuais 564 (61,5%).

Especialistas reconhecem que estações meteorológicas estão expostas a intempéries constantes, como chuva, granizo e vento forte, o que desgasta máquinas e sensores. Esperar zero panes em um sistema com décadas de operação seria, portanto, irreal. No caso do Brasil, o atual índice de falhas compromete a confiabilidade dos dados e, por consequência, a precisão das previsões oficiais em algumas cidades.

No Guia de Instrumentos Meteorológicos e Métodos de Observação (na tradução para o português), a Organização Meteorológica Mundial (OMM) não fixa uma data máxima para aposentar estações, mas destaca a importância da calibração e manutenção.

Várias capitais brasileiras estão praticamente “no escuro”, segundo estudo feito pelo professor Artur Jacobus, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Em Aracaju (SE), a estação automática não mede temperatura desde 17 de outubro de 2024, e a cidade não possui mais estação convencional. Recife (PE) perdeu a cobertura do Inmet: a estação convencional foi fechada em 2020 e a automática, em 2021. Em Teresina (PI), as estações pararam em 2024 e, em Palmas (TO), a automática não registra temperatura e umidade desde abril do ano passado.

Há situações mais peculiares: em Fortaleza (CE), a estação automática está inoperante desde janeiro de 2025, e a convencional não mede mais temperaturas máximas e nem funciona nos finais de semana desde junho de 2024. Segundo o pesquisador, 15 das 26 capitais têm problemas nas estações automáticas.

Além disso, a distribuição geográfica das estações apresenta clarões, principalmente longe do litoral. O principal exemplo é no Norte do Brasil, especialmente na Amazônia Legal. Ainda que seja o maior estado do país, o Amazonas tem apenas 19 estações, atrás de 13 outros estados, como Tocantins, Piauí e Santa Catarina.

“Quando a gente fala que a previsão parte de uma condição inicial, essa condição inicial tem que ser o mais próxima da realidade. Se você não tem realidade medida ou se você tem uma incerteza grande, o modelo numérico não pode adivinhar o que vai acontecer”, diz Ricardo de Camargo, professor de meteorologia no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP).

Qual a diferença entre estações meteorológicas automáticas e convencionais?

Estações automáticas operam continuamente com sensores eletrônicos que coletam, armazenam e transmitem dados meteorológicos em intervalos programados

Estações convencionais funcionam de duas formas: equipamentos básicos que dependem de leituras manuais realizadas por técnicos em horários fixos, ou sistemas com registradores mecânicos que fazem medições contínuas em papel, exigindo posterior digitalização manual dos dados.

Um dos riscos mais graves é a geração de informações incorretas. Ricardo, da USP, cita o exemplo de estações que, após anos de uso, passaram a registrar ventos mais fracos por problemas na manutenção dos componentes. “Você pode dizer: ‘ah, o vento está diminuindo nesse lugar’. Mas não era isso. Era só o rolamento [do anemômetro] que estava emperrado e registrava dados menores que os reais. Nesse caso, mais do que não existir previsão, corre-se o risco de criar uma a partir de condições irreais.”

A inconsistência na coleta de dados também compromete estudos de longo prazo. Panes de meses em estações quebram a série temporal e dificultam a comparação com dados históricos, fundamentais para entender como o clima daquela região evolui ao longo do tempo.

Satélite poderia ajudar, mas também enfrenta problemas

Embora os dados captados por satélites ajudem a calibrar as informações e preencher algumas lacunas, o Brasil também está defasado nesse aspecto.

A mensuração meteorológica conta com estações automáticas e convencionais no solo e com satélites na órbita do planeta, que registram imagens e dados processados por algoritmos.

Essa combinação permite o que o setor chama de sensoriamento remoto orbital. Os dados das estações terrestres ajudam a validar os algoritmos que processam os dados dos satélites, enquanto estes fornecem uma visão mais ampla e contínua das condições atmosféricas.

O Brasil depende substancialmente de dados fornecidos por satélites estrangeiros para monitorar seu território e oceanos adjacentes. Enquanto os Estados Unidos lançaram seus primeiros satélites do sistema GOES em 1975 e já contam com a avançada linha GOES-R desde 2016, o Brasil planeja desenvolver seu primeiro satélite meteorológico geoestacionário nos próximos anos.

Especialistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) afirmam que este projeto, já aprovado pelo governo com previsão orçamentária, é fundamental para desenvolver capacidade própria de monitoramento atmosférico. No entanto, quando estiver operacional, o satélite brasileiro estará décadas atrasado em relação aos equivalentes americanos.

“Sempre houve algum problema de manutenção das informações, mas, nos últimos meses, isso se agravou tremendamente”, afirma Jacobus. Segundo ele, o número de estações convencionais do Inmet é o mais baixo dos últimos três ciclos de medição –o ápice foi de 1981 a 2010, quando havia 334 estações.

O cenário pode se agravar diante das incertezas no panorama internacional. Há preocupação com o possível desmonte de agências como a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) e a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA), o que resultaria na cobrança por dados que hoje são compartilhados de forma gratuita com a comunidade internacional.

Fonte: Folha SP.

Imagem: Ricardo de Camargo, professor de meteorologia da Universidade de São Paulo (USP) – Infografia: Tiago Cardoso.