Os esforços feitos pelo Brasil para coibir a extração ilegal de ouro precisam encontrar eco também nos seus consumidores internacionais, especialmente na União Europeia. O alerta é dado pelo novo estudo do Instituto Escolhas, divulgado na terça-feira (13/08). segundo o qual, em 2023, Alemanha, Itália e República Tcheca importaram 1,5 tonelada de ouro de áreas no Brasil expostas a um alto risco de ilegalidade. O Brasil é o 14º maior produtor de ouro do mundo e tem a União Europeia entre seus principais compradores.
O estudo Europe’s Risky Gold, direcionado ao público internacional, revela que o ouro comprado pela União Europeia tem origem nos estados do Pará e do Amazonas, onde predomina a produção de ouro a partir de lavras garimpeiras, e do estado de São Paulo, que não produz ouro, mas escoa o metal tirado das áreas de garimpo. Nessas regiões, há graves indícios de ilegalidade na extração e no comércio de ouro e é difícil atestar a origem lícita do metal.
“No último ano, celebramos avanços no combate ao ouro ilegal aqui no Brasil, como a adoção de notas fiscais eletrônicas e o fim do pressuposto da boa-fé no comércio do ouro dos garimpos, mas isso é só o início. Enquanto os países importadores continuarem comprando ouro de áreas sensíveis e sem ter certeza de onde ele vem, continuarão estimulando um mercado ilegal. Por isso, a responsabilidade ultrapassa as nossas fronteiras”, afirma Larissa Rodrigues, diretora de pesquisa do Escolhas e responsável pelo estudo.
Exemplos dados pelo estudo mostram que todo o ouro importado pela Alemanha – 1.289 quilos, avaliados em 78 milhões de dólares – está exposto ao risco de ilegalidade. No caso da Itália, 71% do ouro importado está exposto ao risco – 254 quilos, avaliados em 15 milhões de dólares.
“Hoje há muito ouro ilegal no Brasil e em zonas de garimpos ainda é muito difícil saber a origem exata do metal, porque não existe um sistema de rastreabilidade de origem. E, para piorar, o ouro, quando sai da área de extração, ainda circula de mão em mão, passando por muitos intermediários, antes de chegar no mercado externo. Se a União Europeia continua comprando de áreas de risco nesse contexto, como ela garante que não está comprando ouro ilegal? E mais: a União Europeia se importa com isso de verdade?”, questiona Rodrigues.
De acordo com o estudo, as respostas passam pela ação. Todos os importadores deveriam, por exemplo, disponibilizar publicamente informações sobre as minas de origem de suas compras e os nomes e as localidades de seus fornecedores. E os países precisariam adotar processos robustos de devida diligência, independentemente do país de origem do ouro e do volume importado.
O valor do ouro sob suspeita ultrapassa os R$ 507 milhões, e pode ser muito maior, pois os três maiores compradores estão fora do bloco europeu. O maior deles, o Canadá, importou mais de 30 t por cerca de US$ 1,6 bilhão (R$ 8,7 bilhões). O segundo maior comprador, Suíça, importou quase US$ 700 milhões (R$ 3,8 bilhões), e o Reino Unido, em terceiro, movimentou 7,2 t no ano analisado.
Nos últimos anos, investigações e fiscalizações de órgãos estatais apontam a lavra garimpeira como a principal forma de extração e comercialização ilegal do minério no Brasil. Nessas localidades, conforme mostraram investigações, é recorrente haver esse tipo de exploração sem autorização legal ou em área superior à permitida, assim como extração em áreas de conservação e de terras indígenas.
Lei da Europa tem brechas
O Brasil é o 14º maior produtor mundial do minério. No ano passado, o país exportou para o mundo 68 toneladas de ouro, avaliados em US$ 3,5 bilhões. Canadá, com 30,7 toneladas; Suíça, com 14,1 toneladas; e Reino Unido, com 7,2 toneladas, são os principais destinatários do ouro exportado pelo país.
A diretora do Escolhas também chama atenção para a situação específica da Suíça, segundo mercado importador do ouro brasileiro e responsável por 70% do abastecimento do minério em toda a Europa. Ela disse que o país nem sempre verifica a origem de suas aquisições do Brasil, levando a uma triangulação.
Garimpo em terra indígena
Na década 2012-2022, a mineração ilegal de ouro dentro de territórios indígenas no Brasil aumentou mais de seis vezes, afirma o relatório, que usou dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e MapBiomas. A área afetada saltou de 3,4 mil hectares para 22,6 mil hectares no período.
Os territórios mais afetados são o Kayapó (13,7 mil hectares) e o Munduruku (5,4 mil hectares), ambos no estado do Pará, e o território Yanomami, nos estados de Roraima e Amazonas (3,2 mil hectares).
Entre 2015 e 2023, o desmatamento ligado à mineração totalizou 69,3 mil hectares, tendência que está em crescimento, afirma o documento. O Brasil é o 14º maior produtor de ouro do mundo.
A diretora da entidade reconhece que houve avanços no ano passado no combate ao minério ilegal, com a adoção da nota fiscal eletrônica e com o fim da presunção da boa-fé na comercialização do ouro por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ela, houve um “choque” no comércio de ouro, com queda de 30% nas exportações. Ainda não é possível verificar se a produção realmente caiu ou se o minério estaria sendo estocado para futura venda, acrescentou.
“Enquanto os países importadores continuarem comprando ouro de áreas sensíveis e sem ter certeza de onde ele vem, continuarão estimulando um mercado ilegal. Por isso, a responsabilidade ultrapassa as nossas fronteiras”, afirma Larissa Rodrigues, diretora de pesquisa do Escolhas e responsável pelo estudo.
Fontes: Instituto Escolhas, Um Só Planeta, CNN.
Imagem: Reprodução.