Em 4 de outubro é celebrado o dia de São Francisco de Assis. Um dos santos mais reverenciados da Igreja Católica, ele se tornou símbolo de luta ambiental por meio da popularização da ideia de “irmãos na criação”.
Segundo pesquisadores, a preocupação com a natureza é uma construção muito recente, já que essa não era uma demanda do mundo medieval. Ainda assim, o santo passou a ser associado com a ecologia e os animais diante do respeito que tinha por todos os seres.
“A relação de Francisco com a natureza é fraterna, no sentido de que nós, os animais e as plantas fomos feitos por Deus e somos, portanto, irmãos”, afirmou à BBC Brasil o frei Mario Tagliari, reitor do Santuário São Francisco, em São Paulo.
De acordo com a tradição, São Francisco morreu na noite do dia 3 para o dia 4 de outubro de 1226 — e por isso seu dia é celebrada pelos católicos em 4 de outubro.
Quem foi São Francisco?
Nascido em 1181 ou 1182 na cidade de Assis, atual Itália, ele foi batizado como Giovanni di Pietro di Bernardone e era filho de uma família relativamente bem-sucedida.
Seu pai, Pietro di Bernardone dei Moriconi, era um comerciante têxtil que tinha bom tráfego entre a burguesia estabelecida na época. Sua mãe, Pica Bourlemont, era uma mulher de raízes francesas.
E teria sido uma juventude bastante agitada. Visto como excêntrico e indisciplinado, Francisco gostava de festas, bebida e não economizava o dinheiro do pai na hora de se divertir.
Por volta dos 23 anos, ele passou a ter uma série de visões místicas. Aos poucos, passou a se desinteressar pelos prazeres mundanos e convenceu-se que o melhor seria adquirir hábitos mais frugais e próximos dos pobres. Depois de um retiro em uma caverna, decidiu que não queria se casar — mas, sim, abraçar a vida religiosa.
A repulsa deu lugar ao cuidado: Francisco deu seu manto ao homem que sentia frio e sentiu um prazer inexplicável ao ver, em seus olhos, a gratidão.
Para os seus biógrafos, esse foi o ponto de virada em sua biografia, quando ele realmente decidiu dedicar-se aos pobres. Em seguida, Francisco pegou o estoque de tecidos do seu pai, vendeu a preços módicos no centro da cidade, e doou todo o dinheiro para a Igreja.
Pietro revoltou-se e descobriu o filho escondido em um celeiro. Levou-o para casa e deixou-o preso, acorrentado, no porão. Com a ajuda da mãe, Francisco conseguiu escapar. E foi procurar abrigo junto ao bispo.
O pai seguiu os passos, pretendendo tirar satisfações não só com o filho, mas também com o líder religioso da região. Para a surpresa de todos, Francisco debateu com o pai, tirou todas as suas vestes e devolveu-as a ele.
Renunciou a qualquer direito que teria como herança e partiu, nu, para uma vida entre os pobres. O bispo teria abençoado o jovem e admirado sua postura.
Isso teria ocorrido provavelmente em 1208. No ano seguinte, Francisco fundaria seu grupo religioso, a Ordem dos Frades Menores, com princípios claros de serviço aos pobres, humildade e uma profunda ligação com a natureza.
Essa postura de Francisco, com boas doses de rebeldia nas condutas para conseguir realizar seus ideais humanitários, faz com que muitos vejam seu papel como o de um verdadeiro reformador dos valores da Igreja Católica.
“Em minha visão, ele foi um homem estupendo que, mesmo antes de [Martinho] Lutero [(1483-1546), que rompeu com a Igreja e fundou o protestantismo] questionou a Igreja. Alguns pesquisadores dizem que ele foi um reformador sem sair da Igreja, pois questionava a riqueza e via a pobreza como algo significativo”, afirma o estudioso de hagiologias Thiago Maerki, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.
“Francisco tinha uma postura humilde, era o santo da alegria e fazia tudo pela paz. Pensava nos outros, tinha empatia, se preocupava com aqueles que sofrem”, comenta.
E sua atualidade também reside nesse fato. “A preocupação com os que sofrem é uma pauta contemporânea. Ele falava isso na Idade Média, criticando a miséria, o poder o status do clero que não ligava para os que necessitavam. Foi um santo extremamente complexo”, analisa Maerki.
“Suas ideias vão ao encontro daquilo que geralmente se prega no mundo contemporâneo, cada vez mais capitalista, material e do ‘eu sem pensar no outro’.”
Natureza
Se hoje São Francisco é visto como o santo mais ligado ao meio ambiente, é preciso lembrar que essa noção não encontra eco nos discursos de seu tempo. “Muitas vezes ele é tomado como uma espécie de ícone para a causa ambiental, mas isso é uma construção muito recente”, argumenta Maerki.
“Obviamente que essa questão ambiental não era uma preocupação, uma demanda do mundo medieval”, salienta. “O que temos nas primeiras legendas sobre São Francisco é justamente esse respeito que ele tinha para com a natureza. Ele chamava toda a natureza de irmã, a lua era irmã, o sol era irmão, os pássaros eram irmãos, a Terra uma grande mãe. Esse respeito, mais tarde, foi interpretado com um viés ecológico.”
“Mas essa não foi obviamente uma preocupação de São Francisco nem dos primeiros franciscanos”, ressalta.
O teólogo Luiz Carlos Susin, também frade franciscano, professor na Pontifícia Universidade Católica no Rio Grande do Sul e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana, atenta para o fato de que essa ligação com a natureza está presente na iconografia.
“É muito difícil a gente ver uma representação dele sem um passarinho, sem um animal junto”, comenta. “A interpretação romântica do século 19 fez isso de forma a colocar o sentimento no centro da espiritualidade, em contraposição à racionalidade mais científica.”
“Ele pregou aos peixes, aos pássaros. Por isso tornou-se protetor da natureza e padroeiro da ecologia. Mas não de uma ecologia unicamente utilitarista. A relação de Francisco com a natureza é fraterna, no sentido de que nós, os animais e as plantas fomos feitos por Deus e somos, portanto, irmãos.”
Literatura
Francisco de Assis deixou escritos de punho próprio. Sua obra mais conhecida é o famoso ‘Cântico das Criaturas’, também chamado de ‘Cântico do Irmão Sol’. O texto foi composto originalmente no dialeto da região da Úmbria e é apontado como um dos primeiros registros escritos no idioma italiano.
“Francisco é considerado por muito teóricos como o primeiro poeta italiano e isso não é pouca coisa”, lembra Maerki. “Foi um dos primeiros a escrever poesia no vernáculo italiano, no dialeto umbro. Torna-se muito importante para a literatura italiana.”
Esse reconhecimento não é algo apenas dos dias atuais. Considerado o maior poeta da língua italiana, Dante Alighieri (1265-1321) dedicou a São Francisco todo o cântico 11 reservada ao paraíso de sua obra-prima, A Divina Comédia.
Homenageado pelo antigo papa
Quando, em 13 de março de 2013, o cardeal argentino Jorge Bergoglio foi apresentado à multidão na Praça São Pedro como o papa eleito para suceder Bento 16, houve um momento de expectativa: que nome ele escolheria para ser a marca do seu pontificado?
Pela tradição católica, papas assumem uma nova identidade quando chegam ao poder. Mais do que uma mera formalidade, o nome abraçado também procura, não raras vezes, trazem a mensagem que o líder católico pretende imprimir à sua época.
E Bergoglio se tornou Francisco. O primeiro papa da história da Igreja com este nome. Sem dúvida nenhuma, naquele instante, o argentino estava apresentando sua proposta ao mundo, numa espécie de plano de governo, antecipando o que viria a ser a tônica do seu pontificado.
Durante seu papado, Francisco foi apontado como uma voz lúcida acerca da necessidade de proteção ecológica, do “cuidado com a casa comum”, como ele tanto clamava. E num momento de crise da humanidade, ele insistia também na importância do acolhimento, da caridade e da inclusão dos mais pobres.
Fonte: BBC News.
Imagem: Domínio Público.
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