A corrida contra o tempo para descobrir espécies da Amazônia antes que desapareçam

Um estudo publicado em 2021 na revista Nature destacou que 10,4% das descobertas em potencial de novas espécies de vertebrados terrestres estão no Brasil, a maior porcentagem entre os países analisados.

Desse percentual do Brasil, 53% estão nas florestas tropicais úmidas, como a Amazônia e Mata Atlântica, diz o autor do estudo, Mario Moura, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Para chegar a essas conclusões, ele construiu um modelo estatístico para estimar a probabilidade de descoberta de novos vertebrados a partir de características tanto das espécies como das regiões onde ocorrem.

Foram analisadas quase 33 mil espécies para revelar o padrão emergente, isso é, para identificar os tipos de espécies e regiões onde as descobertas de novas espécies são mais prováveis.

No Brasil, estima-se que a maior parte (48%) das espécies a serem descritas são de répteis, seguido por anfíbios (27%), mamíferos (20%) e aves (5%). Moura explica que animais pequenos e restritos a poucas localidades são mais difíceis de serem descobertos.

O menor apelo popular dos répteis e anfíbios também influenciou no número de descobertas feitas até hoje, por isso o potencial de novas espécies entre esses animais é maior.

Moura nota que há um movimento para descrever novas espécies por parte dos pesquisadores, porém eles estão pulverizados. Falta uma integração nacional ou mesmo internacional dos esforços para desvendar as espécies desconhecidas dos países de alta biodiversidade da Amazônia, diz o pesquisador.

No Brasil, ele aponta como agravante a mudança do nível de incentivo a esse tipo de trabalho conforme mudam os governos, que podem estar mais ou menos interessados na preservação ambiental, porque isso afeta a oferta de recorrentes e a manutenção de programas de longo prazo.

Um estudo publicado na revista Conservation Biology em 2014 aponta o prejuízo que isso pode causa.

A pesquisa estimou que de 15% a 59% dos vertebrados, a depender do grupo a que os animais pertencem e da região habitada, desapareceram antes mesmo de serem descritas.

A professora Ana Prudente, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), é especialista em taxonomia de répteis e explica que diversos fatores contribuem para que a Amazônia tenha tantas espécies ainda a serem descobertas.

Um deles é dificuldade para alcançar regiões de difícil acesso, o que torna necessário o uso de barco ou helicópteros.

Há também a grande extensão da floresta em comparação com poucos taxonomistas que vivem e trabalham ali, o que contribui para o número limitado de expedições.

A Amazônia, por sua vez, conta com diferentes ambientes, alguns deles não existem em outra parte do mundo. Isso favorece a biodiversidade e o endemismo, ou seja, espécies que acontecem apenas naquele local.

Ao longo de sua carreira, Prudente já descreveu 31 espécies de cobra e relata que, em seu trabalho, o atual ritmo de extinção das espécies é uma preocupação constante.

Políticas para descobrir a biodiversidade

A descoberta de uma espécie exige uma série de políticas públicas para sua preservação, como a criação de unidades de conservação, diz Araújo. O setor privado também precisa levar em consideração o impacto sobre os seres vivos de grandes empreendimentos de mineração, hidrelétricas e sistemas de transmissão de energia elétrica.

A descoberta de espécies com a consequente criação de medidas para conservá-las foi, aliás, um dos motivos para a redução da taxa de extinção de alguns grupos de plantas e animais nos últimos cem anos. O estudo feito pela Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, mostra que taxas de extinção aumentaram nos últimos 500 anos, mas há 100 anos tiveram seu pico.

Na Amazônia, a destruição pode chegar muito mais rápido do que o conhecimento dessas espécies. De acordo com o biólogo Rodrigo Costa Araújo, especialista em primatas., enquanto a ciência e a conservação caminham lentamente, a exploração econômica já se expandiu para diversos lugares.

“Enquanto estou querendo chegar a um lugar que para a ciência é desconhecido, os madeireiros, a mineração já chegou lá”, diz Araújo.

Levantamento do MapBiomas indica que, nos últimos 40 anos, a Amazônia perdeu 52 milhões de hectares, o equivalente a 13% de sua área total. A expansão das zonas modificadas pelo ser humano é recente, 83% delas surgiram entre 1985 e 2024.

A falta de taxonomistas, cientistas que se dedicam a nomear, descrever e classificar organismos continua a ser um gargalo global na descoberta da biodiversidade, conforme editorial de 2024 publicado na revista Journal of Bioscience and Environment Research.

No Brasil, poucos editais estão destinados de forma específica à taxonomia, segundo Araújo. Um deles é o Programa de Apoio a Projetos de Pesquisas para a Capacitação e Formação de Recursos Humanos em Taxonomia Biológica (Protax). Desde 2005, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tem lançado o Protax a cada quatro ou cinco anos. A última edição, de 2024, contou com investimento de R$ 14 milhões.

No âmbito da Amazônia, a Iniciativa Amazônia +10 financiou em sua última chamada expedições científicas para aumentar o conhecimento sobre a sociobiodiversidade amazônica. A iniciativa, cujo edital foi divulgado pelo CNPq, selecionou 20 projetos para um orçamento total de R$ 78,2 milhões.

Novos métodos para descobrir espécies

Um dos projetos selecionados pela Amazônia +10 foi coordenado pelo botânico Charles Zartman, professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). O objetivo é descrever o maior número de espécies de plantas e fungos na região da Cabeça do Cachorro no Alto Rio Negro, área caracterizada por ser um epicentro de biodiversidade.

Entre os parceiros do projeto, está a Universidade de Brasília (UnB), que colabora com um método de catalogação que pode acelerar a descoberta de novas espécies. Nele, os pesquisadores extraem e sequenciam o DNA a partir de uma pequena amostra dos organismos que possibilita criar um banco de dados de quais espécies existem em determinado local.

Caso, ao sequenciar um DNA, os pesquisadores verifiquem que o material ainda não está no banco de dados, isso significa uma nova espécie em potencial. Cabe, então, ao taxonomista procurar a espécie correspondente ao DNA para descrevê-la de modo formal, explica o professor Paulo Câmara, do Departamento de Botânica da UnB, que parte do projeto.

O método pode acelerar a descoberta de novas espécies ao dar uma visão mais ampla da biodiversidade e das áreas que ainda contam com muitos DNAs não identificados.

Por ser uma área isolada e território indígena, as plantas da região têm menor risco de extinção do que aquelas no epicentro do desmatamento. Mas Câmara diz que mesmo lá, espécies ainda correm o risco de desaparecer, já que as áreas também sofre certa pressão econômica.

“É por isso que a gente está usando esse método, porque como o desmatamento, o desaparecimento de espécies é muito rápido, a gente sabe que usar a taxonomia clássica não vai conseguir suprir”, diz Câmara.

Fonte: BBC News

Foto: Divulgação/Marlyson Costa.

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