Há uma década, os cientistas diziam que tinham certeza de que um determinado furacão, onda de calor, inundação, seca ou incêndio florestal estava mais grave devido à mudança climática, mas raramente conseguiam identificar sua contribuição exata. Agora, graças a uma convergência de inteligência humana, modelos matemáticos, dados meteorológicos precisos e de computadores superpotentes, as impressões digitais do clima estão sendo calculadas para muitos dos principais eventos meteorológicos.
O objetivo dessa atribuição climática é evidenciar a extensão da relação entre os gases de efeito estufa provenientes da queima de combustíveis fósseis e as consequências climáticas que as pessoas estão observando.
“Queremos que todos entendam como o que nós, humanos, fazemos se traduz nas intensidades e frequências dos eventos extremos”, afirma Joyce Kimutai, cientista climática da World Weather Attribution (WWA), organização sem fins lucrativos sediada em Londres (Inglaterra) líder nessa pesquisa. “Não estamos dizendo que a mudança climática causou um determinado evento climático extremo. O que estamos dizendo é: ‘Aqui está a extensão em que a mudança climática o modificou’.”
Mais de 400 eventos climáticos extremos, muitos dos quais ocorridos nos últimos anos, foram estudados para determinar até que ponto o grau do fenômeno foi impulsionado pelas mudanças climáticas.
Por exemplo, os pesquisadores da Climate Central, uma organização sem fins lucrativos que colabora com a WWA, descobriram que a onda de calor do verão passado no sudoeste dos Estados Unidos – onde as temperaturas em julho estavam cerca de 10 graus Fahrenheit acima do normal – era cinco ou mais vezes mais provável devido às mudanças climáticas.
Ondas de calor como essa “não são apenas episódios isolados”, mas se tornarão muito mais frequentes se o mundo não se afastar rapidamente dos combustíveis fósseis e de outros gases de efeito estufa, diz Andrew Pershing, cientista líder da pesquisa de atribuição da Climate Central.
O clima piorou o calor, as enchentes e as tempestades
Eventos climáticos extremos e complexos são desencadeados por vários fatores ambientais, incluindo sistemas de alta ou baixa pressão, correntes de jato e outros. Mas há muito se sabe que as temperaturas mais quentes do ar e da superfície do oceano são outros fatores importantes que agravaram muitos desastres recentes.
Os cientistas calcularam, por exemplo, que a precipitação total de seis dos principais furacões que atingiram a costa do Atlântico nos últimos 20 anos – Katrina, Irma, Maria, Harvey, Dorian e Florence – e que, coletivamente, causaram mais de 500 bilhões de dólares em danos, foi de quatro a 15 vezes mais intensa (dependendo do furacão) do que teria sido se a Terra estivesse mais fria.
A semana de Natal de 2023 excepcionalmente quente no meio-oeste norte-americano foi pelo menos duas vezes mais provável devido à mudança climática, segundo uma análise da Climate Central. Embora alguns atribuam a culpa por esse Natal sem neve ao El Niño – o aquecimento periódico na superfície do Oceano Pacífico que afeta o clima – sem o aquecimento global, a área poderia ter recebido alguma neve no feriado.
Em média, as ondas de calor que ocorriam uma vez a cada 10 anos na era pré-industrial agora ocorrem três vezes mais frequentemente em todo o mundo e, com frequência, são 1,2ºC mais quentes do que no passado, segundo a WWA. A onda de calor recorde que destruiu estradas no noroeste do Pacífico e no oeste do Canadá no verão de 2021 teria sido praticamente impossível sem a contribuição da mudança climática.
Sua casa poderia ter sido salva?
Os cientistas agora pretendem calcular e disseminar essas impressões digitais climáticas dentro de dias ou algumas semanas após um evento climático extremo, quando as pessoas estão prestando muita atenção, explica Michael Wehner, cientista sênior da equipe que calcula as atribuições no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley do Departamento de Energia dos Estados Unidos, na Califórnia.
Ligar os pontos entre o evento e os gases de efeito estufa “ajuda as pessoas a perceberem que a mudança climática não é um problema futuro para os nossos filhos e netos. Coisas significativas estão acontecendo agora”, diz Wehner.
Assim que chuvas torrenciais começaram a cair em Dubai, nos Emirados Árabes, em meados de abril de 2024 – nas quais caíram até 10 polegadas de chuva em menos de dois dias – os pesquisadores da WWA se debruçaram sobre os dados. Uma semana após a chuva, eles relataram que esse tipo de evento se tornou duas vezes mais provável com o clima atual.
Outro foco recente é documentar os impactos adicionais do evento em vez de apenas as chances aumentadas. Por exemplo, os pesquisadores determinaram que o furacão Harvey, que atingiu a cidade norte-americana de Houston em 2017, teve 19% mais chuvas do que teria ocorrido sem a mudança climática, observou Wehner em um artigo publicado na revista científica Physics Today.
Em seguida, eles descobriram o que isso significava para os moradores: 14% mais áreas inundadas e uma quadruplicação da perda financeira no que acabou sendo uma tempestade de 90 bilhões de dólares.
As pessoas que vivem no caminho da tempestade podem até mesmo analisar o mapa do modelo de inundação de Wehner para saber se sua casa teria sido poupada se não houvesse a mudança climática – algo que ele estima ter sido o caso de 32% das casas danificadas.
Alguns eventos climáticos são mais difíceis de analisar
A ciência da atribuição se baseia em modelos climáticos que mostram os impactos dos gases de efeito estufa no planeta Terra, que são combinados com informações meteorológicas atuais coletadas de estações terrestres e satélites meteorológicos, informações históricas de conjuntos de dados globais e outros dados.
Também são usadas técnicas estatísticas extraídas da epidemiologia, uma vez que esse campo também separa as contribuições relativas de vários fatores, como o quanto os hábitos de fumar, o histórico familiar e a obesidade contribuem para as chances de doenças cardíacas de uma população.
As ondas de calor são mais simples de calcular do que os furacões, e as secas são as mais difíceis de todas, diz Kimutai. A seca exige saber não apenas a quantidade de chuva que caiu ou não, mas também os níveis de umidade do solo, as taxas de evaporação do ar e outros dados. Em muitas partes do mundo, especialmente nos países subdesenvolvidos, esses dados atuais e históricos não existem.
Eventos extraordinários também estão se mostrando desafiadores. O clima está aumentando a frequência de eventos que ocorrem uma vez a cada cem anos para 10 ou 20 anos. Com a onda de calor do noroeste do Pacífico, por exemplo, “temos mais de 100 anos de dados, mas não houve nada parecido”, revela Wehner.
A maioria dos estudos concentrou-se em condições climáticas extremas, mas a vida cotidiana também é diferente do que seria sem a mudança climática, diz Pershing. É por isso que, há dois anos, a Climate Central lançou seu site de temperatura “climate shift”, detalhando como a previsão de sete dias de cada área dos Estados Unidos diverge de suas normas históricas.
Os visitantes do site do estado norte-americano de Minnesota, no inverno passado, ficaram sabendo que muitos dias foram muito mais quentes do que o normal – o que a mudança climática tornou três ou mais vezes mais provável.
Esse tipo de evento cotidiano pode não atrair um relatório chamativo de cientistas de atribuição, afirma Pershing, “mas certamente foi importante para os residentes que moram lá”.
Fonte: National Geographic.
Foto: Getty Images.