Florestas e outros biomas terrestres não conseguiram absorver gás carbônico em ritmo suficiente para fazer frente às emissões de combustíveis fósseis em 2023, levando a uma taxa de crescimento de CO2 na atmosfera 86% maior do que no ano anterior, segundo estudo europeu publicado na revista National Science Review, em outubro.
Os pesquisadores concluíram que a alta foi provocada por um enfraquecimento na capacidade dos ecossistemas de absorver o gás do efeito estufa. Isso ocorreu em um ano que foi extremamente quente, com secas intensas na floresta amazônica e enormes incêndios florestais no Canadá.
Por décadas a fio, as florestas, a vegetação e o solo dos biomas vêm ajudando a humanidade nessa tarefa, absorvendo grande parte – cerca de 30% – das emissões de gás carbônico provocadas pela queima de combustíveis fósseis. Isso acontece naturalmente por meio da fotossíntese – processo de “alimentação” das plantas, por meio do qual elas absorvem o CO2 na atmosfera para produzir a matéria-prima necessária para seu crescimento.
O estudo europeu e outras pesquisas, no entanto, apontam que essa absorção pode estar enfraquecendo, pelo menos em algumas partes do mundo.
Ainda há muitas dúvidas na comunidade científica sobre o tamanho desse enfraquecimento, suas causas, se ele varia ao longo do tempo e se seria reversível. Mas as evidências preliminares, caso confirmadas, preocupam.
“Se as florestas e os oceanos deixarem de remover o gás carbônico como vinham removendo há décadas, nossas metas teriam que ser muito mais ambiciosas, teríamos que dar uma superacelerada no corte de emissões – e estamos muito longe disso”, diz o meteorologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas brasileiros em mudanças climáticas.
No ano passado, as emissões cresceram 1,3%. Segundo o relatório mais recente da ONU sobre o tema, se todas as metas dos países fossem realmente cumpridas, ainda estaríamos caminhando para um aquecimento de 2,6 ºC até o fim do século na comparação com a era pré-industrial.
Se 2023 já tinha sido o ano mais quente registrado na história, este ano promete ser ainda pior. Segundo levantamento do observatório Copernicus, da União Europeia, 2024 deve se tornar o primeiro ano a registrar um aumento da temperatura média global acima de 1,5 ºC.
Nesse cenário – e enquanto falhamos miseravelmente em cortar as emissões – estamos todos contando com a absorção realizada pelas florestas.
Amazônia pode estar se tornando fonte de carbono
Para Philippe Ciais, um dos autores do estudo publicado em outubro e diretor do Laboratório para Ciências Climáticas e Ambientais, instituto de pesquisa francês, a grande pergunta é como essa capacidade de absorção varia no tempo e se ela continuará retirando da atmosfera a mesma quantidade de gás carbônico das emissões humanas como fez no passado.
Em artigo publicado em agosto, outro grupo de pesquisadores europeus indicou uma perda de paraça de 25% na absorção de florestas e vegetação da Europa entre 2000 e 2010.
“Essa redução parece ser impulsionada por uma combinação de fatores: aumento na intensidade do manejo florestal (extração controlada de madeira e outros produtos florestais) e uma elevação na frequência e gravidade de distúrbios naturais”, explicou Ronny Lauerwald, da Universidade francesa Paris-Saclay e um dos autores do estudo, em entrevista à Pública.
“No entanto, quantificar com precisão a contribuição de cada um desses fatores para a capacidade decrescente de absorção de CO₂ das florestas europeias continua sendo um desafio significativo”, disse ele.
No Brasil, alguns levantamentos científicos também apontam para um enfraquecimento da floresta amazônica. Pior ainda: algumas partes da floresta, principalmente as mais afetadas por queimadas e desmatamento, já estariam se tornando fonte de carbono, como mostram os trabalhos conduzidos pela cientista Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“As estimativas do balanço de carbono da Amazônia na última década indicam que a Amazônia como um todo é agora uma fonte de carbono (ou seja, perde carbono para a atmosfera) na ordem de 1,1 Gt CO2 por ano”, diz um artigo recente assinado por Gatti e outros pesquisadores.
“A Amazônia vem atuando historicamente como sumidouro [absorvendo carbono], porém isso vem perdendo paraça, uma redução de 30% desde os anos 1990”, diz o ecólogo David Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp e coordenador do AmazonFACE, um experimento de campo inédito que quer, justamente, entender até onde vai a absorção de CO2 pela floresta.
“A pergunta prática mais urgente é se medidas eficazes podem ser implementadas para evitar a degradação adicional dos sumidouros de carbono”, afirma o pesquisador Lauerwald. “Abordar essa questão pode fornecer orientações críticas para a política climática.”
No caso brasileiro, garantir que a Amazônia continue absorvendo carbono passa, obrigatoriamente, por conter o desmatamento e a degradação da floresta. A boa notícia é que pelo menos a primeira parte dessa tarefa vem sendo cumprida. Segundo os dados oficiais do Inpe, a taxa de desmatamento na Amazônia Legal caiu 30,6% entre agosto de 2023 e julho de 2024, atingindo a menor área desde 2015. Trata-se da terceira queda consecutiva, um ganho indispensável para a manutenção da floresta.
Fontes: Agência Pública, Folha SP.
Foto: Vinicius Mendonça/IBAMA.
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