Árvores no pasto melhoram a produtividade do rebanho bovino

Plantar árvores no pasto para proporcionar sombra ao gado tem o potencial de aumentar a produtividade da pecuária de leite e de corte, voltada ao fornecimento de carne, e melhorar a performance reprodutiva dos animais. É o que demonstram estudos realizados por pesquisadores das unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em São Paulo e no Distrito Federal. As investigações tiveram como objetivo entender os benefícios de prover conforto térmico a touros e vacas por meio de um sistema produtivo que reúne, em uma mesma área, criação de gado, plantio de árvores e cultivo de alimentos. Conhecido pela sigla ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta), esse sistema baseia-se em uma estratégia de produção consorciada e rotativa de alimentos de origem vegetal e animal e de madeira de forma ecoeficiente.

A pesquisa que investigou os efeitos da adoção do sistema ILPF na criação de gado de corte foi conduzida pela Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos, no interior paulista. A principal conclusão do estudo é de que o sombreamento das árvores em pastagens tropicais gera um microclima mais favorável às condições fisiológicas dos animais, reduzindo a frequência do consumo de água, melhorando o bem-estar animal e potencializando sua capacidade de ganhar peso

“A exposição contínua ao calor excessivo, em uma pastagem pobre em arborização, pode levar o animal a um estado de estresse térmico que prejudica a homeostase, levando a distúrbios nutricionais e metabólicos”, explica o médico-veterinário Alexandre Rossetto Garcia, coordenador do estudo, realizado com apoio da FAPESP. Homeostase é o estado de estabilidade fisiológica dos organismos vivos.

Sob estresse térmico, destaca o pesquisador, os animais acionam mecanismos de regulação de sua temperatura corporal, como transpiração excessiva, alteração no ritmo cardíaco e respiração paraçada. “O esforço dos animais para fazer a termorregulação corporal sequestra energia que poderia ser direcionada ao ganho de peso e à reprodução”, constata. Além disso, sob estresse térmico, os bovinos tendem a sentir menos vontade de se alimentar, como ocorre com os humanos em dias muito quentes, o que também pode impactar a engorda.

Em uma das áreas do experimento, havia poucas árvores e o sombreamento natural estava entre 3% e 4% – condições de exposição ao Sol típicas da grande maioria dos pastos de gado de corte no Brasil. O outro terreno estava adaptado ao sistema ILPF, arborizado com 165 eucaliptos (Eucalyptus urograndis) por hectare, que geraram um índice de sombreamento entre 30% e 35% ao longo do ano.

Durante 13 meses, entre janeiro de 2018 e janeiro de 2019, os dois grupos de animais tiveram acesso irrestrito à água e suplementação mineral, que complementa a dieta, e passaram pelo mesmo manejo sanitário. Durante o experimento, que abrangeu todas as estações climáticas, os dois conjuntos foram amplamente monitorados.

As duas áreas contaram com estações meteorológicas para aferição da temperatura do ar, da umidade e radiação do ambiente, entre outras variáveis climáticas. Um sistema de termografia embarcado em aviões identificou e dimensionou zonas de calor e de conforto térmico nas pastagens. Os animais, por sua vez, tinham um acelerômetro (dispositivo que analisa a aceleração do corpo) acoplado a uma coleira para observar sua movimentação e descanso. A temperatura de cada indivíduo era medida constantemente por termografia infravermelho (técnica para detecção da radiação de calor emitida por um objeto). Por fim, foram efetuadas coletas de sangue, pele e pelos para análises laboratoriais e verificar a capacidade de perda de calor e o estresse do rebanho.

No Brasil, a criação a pasto também é predominante no gado leiteiro. Mais de 70% da produção de leite é realizada por vacas mestiças, resultado do cruzamento de animais de origem zebuína e europeia, como a girolando, mestiço de gir e vaca holandesa. A médica-veterinária Isabel Cristina Ferreira, da Embrapa Cerrados, no Distrito Federal, investigou o impacto do conforto térmico proporcionado pelo sistema ILPF na produtividade dos animais das raças gir e girolando.

O experimento, iniciado em janeiro de 2017, durou 33 meses e foi realizado no Centro de Tecnologia para Raças Zebuínas Leiteiras da Embrapa, no Recanto das Emas (DF). Nesse período, foi avaliado o desempenho de 141 vacas, uma parte criada em pasto ao Sol e outra em sistema ILPF com 260 árvores por hectare, que proporcionaram uma redução de 44% da insolação. Medidas da temperatura retal, publicadas na revista Animals, em agosto de 2021, indicam que o excesso de calor leva as vacas a um estado de estresse térmico. A presença de sombra arbórea, por sua vez, propicia bem-estar animal.

Os pesquisadores da Embrapa também constataram um ganho de produtividade gerado pela melhora das condições climáticas do ambiente. As vacas gir em área sombreada apresentaram uma produção de leite 24% maior. Durante a lactação, de 305 dias, o incremento médio foi de 2,4 kg de leite por vaca a cada dia, o que representou 732 kg de leite a mais no período. As vacas girolando, sob a sombra, também produziram mais leite, mas em quantidade pouco significativa.

O estudo realizado na Embrapa Cerrados também comprovou que o conforto térmico amplia a capacidade reprodutiva das vacas leiteiras, com uma produção quatro vezes maior de embriões entre os animais que pastam na sombra.

Estratégia inteligente

A zootecnista Claudia Cristina Paro de Paz, pesquisadora e diretora-técnica do Centro de Programação de Pesquisa do Instituto de Zootecnia, ligado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, avalia que o sistema ILPF é uma abordagem inteligente de combate ao estresse térmico do gado, que alia sustentabilidade produtiva e maior rentabilidade ao produtor rural. “Além da renda gerada pela pecuária, há ainda ganhos com a venda da produção agrícola e da madeira”, diz Paz, que não participou da pesquisa da Embrapa, mas tem estudos na área.

Criada pela Embrapa nos anos 1990, o sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) é uma estratégia que visa promover a biodiversidade nas fazendas de gado e aumentar sua produtividade. Essa abordagem preconiza a rotação entre atividades agrícolas e pecuárias em uma área também usada para o plantio de árvores. Lavoura e pastos bem manejados, mostram estudos científicos, proporcionam um importante benefício secundário: a captura de carbono da atmosfera, compensando as emissões do gado. O rebanho bovino é um grande gerador de metano (CH4), um dos gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global (ver Pesquisa FAPESP nº 314).

Além da melhoria do bem-estar animal em razão do conforto térmico, os sistemas ILPF têm potencial para intensificar a ciclagem de nutrientes no solo e auxiliar na manutenção da biodiversidade e na sustentabilidade da atividade agropecuária. Também contribuem para a diversificação da produção e podem ajudar a reduzir a pressão pela abertura de novas áreas com vegetação nativa para cultivo de alimentos ou criação de animais. De acordo com a Embrapa, sistemas ILPF estão implementados em cerca de 17,4 milhões de hectares do país, o equivalente a 10% da área de pastagem nacional.

Fontes: Revista Pesquisa Fapesp, Um Só Planeta.

Foto: Gisele Rosso / Embrapa