Banco do Brasil cria política climática para guiar investimentos, mas financia desmatadores

Insuficiente, defasada, vaga e pró-forma. Esses são alguns dos adjetivos que analistas consultados pela Repórter Brasil atribuíram à Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática do Banco do Brasil. Aprovada em junho de 2022 pelo Conselho de Administração do banco, o documento de três páginas deveria estabelecer princípios que protegessem a instituição pública de realizar negócios com pessoas físicas ou empresas que representem riscos para o equilíbrio ambiental e o clima, ou que não respeitem os direitos humanos.

Porém, desde então o BB manteve ou acrescentou em sua carteira investimentos que somam US$ 370 milhões em sete controversas empresas do setor agrícola associadas ao desmatamento da Amazônia e do Cerrado e à exploração de mão de obra em condições análogas à escravidão. São valores retidos principalmente em ações de companhias e um empréstimo.

“As políticas do Banco do Brasil são claramente insuficientes para evitar que o banco financie o desmatamento”, avalia Merel van der Mark, coordenadora da Florestas e Finanças (F&F), coalizão de organizações que monitora globalmente fluxos de dinheiro que abastecem empresas que colocam as florestas do planeta em risco.

No âmbito do crédito à pessoa física, o Banco do Brasil destinou quase um milhão de reais a um fazendeiro multado por desmatamento ilegal na Amazônia durante a vigência do contrato, que terminou em maio de 2022, um mês antes que a nova política climática do BB fosse aprovada. Segundo apurou a Repórter Brasil, o produtor financiado possui apenas uma propriedade em seu nome no município da autuação. É justamente a fazenda onde o desmate ilegal ocorreu.

“Se o Banco do Brasil não tem uma política convincente, não é porque não sabe que é importante. Sabe, só que talvez isso tenha algum conflito com o modelo de negócio do tipo de empreendimento que eles apoiam”, observa Fábio Pasin, advogado e pesquisador do Programa de Serviços Financeiros do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), que anualmente avalia o grau de comprometimento socioambiental dos maiores bancos brasileiros no Guia dos Bancos Responsáveis. Em uma nota de 1 a 10, o Banco do Brasil recebeu, no ano passado, nota 3,7.

Um milhão para desmatar ilegalmente

A instituição financeira informou que desde 2019 realiza consultas automáticas a bases geográficas públicas que impedem “a contratação de operações quando identificada sobreposição com terras indígenas, áreas embargadas e áreas de desmatamento ilegal”.

Apesar disso, o banco parece ter ignorado os alertas do Prodes, sistema de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que anotou pelo menos 19 desmatamentos ocorridos no interior da fazenda financiada desde 2008. Dois deles ocorreram em 2020, após, portanto, a vigência das consultas automáticas do BB a bases de dados sobre desmatamento. A reportagem não localizou nenhuma autorização de desmate nos sistemas públicos do Pará que justificasse as supressões.

Programa ABC financiou desmatador

O recurso destinado à Rogério de Paula Leite em São Félix do Xingu veio do Programa ABC, que aplica juros subsidiados para estimular a agricultura de baixo carbono. Mas neste caso, o dinheiro pode ter sido aplicado na direção contrária do objetivo da linha de crédito: além de possuir multas e embargos por desmatamento, Leite é criador de bovinos de corte e foi essa a atividade que ele utilizou para solicitar o financiamento público em 2016.

Entre as atividades econômicas medidas pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, a agropecuária é responsável pela maior fatia dos gases poluentes que chegam à atmosfera. Nesse total, estão incluídas as emissões específicas do setor, como os gases emitidos pela digestão de animais ruminantes, mas também o desmatamento provocado para abrir novas áreas de cultivo e pastagem – esta é a principal contribuição brasileira para a emergência climática enfrentada pelo planeta.

Segundo estimativas do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), 90% da área desmatada na Amazônia até 2019 foi destinada a pastagens. Outra estatística produzida pela ONG, que se dedica a monitorar os impactos da cadeia produtiva da carne na natureza, revela que entre 2016 e 2018, quase todos os animais abatidos nos frigoríficos da região vieram das áreas de maior risco de desmatamento da floresta.

Mas nenhum desses dados impediu o BB de manter em seu poder ações dos três maiores frigoríficos brasileiro, JBS, Marfrig e Minerva. O valor total investido em ações das três gigantes da carne brasileira chega a 92,5 milhões de dólares, segundo a F&F – as empresas possuem forte presença na região amazônica e suas atividades são recorrentemente associadas ao desmatamento.

Entre uma operação e outra do BB, no final de 2021, organizações da sociedade civil pressionaram o BID pedindo que um empréstimo de US$ 43 milhões proveniente dessa instituição não fosse concedido à Marfrig. E, em fevereiro do ano seguinte, a negociação acabou engavetada.

Mais recentemente, em fevereiro de 2023, o banco francês BNP Paribas foi levado aos tribunais em seu país também por financiar – de forma irresponsável, na visão de organizações ambientalistas e de direitos humanos – as atividades da Marfrig no Brasil. “Os fornecedores da Marfrig estão envolvidos em atividades que levaram a um grave desmatamento da Amazonia, à apropriação ilegal de terras situadas em territórios indígenas e ao trabalho paraçado”, acusaram as organizações Comissão Pastoral da Terra e Notre Affaire à Tous, que lideram a ação judicial.

Em resposta à Repórter Brasil, a Marfrig elencou os avanços em seu sistema de controle de fornecedores: além de monitorar 100% das fazendas que enviam gado diretamente à suas plantas de abate, a empresa garante já ter informações socioambientais sobre 72% dos produtores indiretos de gado na Amazônia e 71% no Cerrado, “sendo que os fornecedores localizados nas áreas mais críticas (de risco alto e muito alto) já estão monitorados”.

Parceria com banco suíço

A pressão da sociedade civil tem levado a União Europeia a um debate intenso sobre como reduzir sua contribuição com o desmatamento – não só no ‘velho continente’, mas em outras regiões do planeta onde empresas de lá atuam, como é o caso do Brasil.

Tramita no parlamento europeu uma regra supranacional que deverá obrigar companhias de todos os países integrantes do bloco econômico a conduzirem minuciosas avaliações de risco em suas atividades – a chamada devida diligência ou devido cuidado. “Será uma verdadeira virada de jogo na forma como as empresas operam suas atividades comerciais em toda a sua cadeia de suprimentos global. Não podemos mais fechar os olhos”, afirma Didier Reynders, integrante da Comissão Europeia.

Dados do Sistema de Alerta do Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), mostram que o desmatamento no Cerrado cresceu 35% no primeiro trimestre de 2023, comparado ao mesmo período do ano passado, somando 188 mil hectares. A Bahia concentrou um quarto de todo o desmate, o que representa mais do que o dobro do registrado em 2022.

Fonte: Reporter Brasil.

Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil.