Os bancos brasileiros são os que mais fornecem crédito para o agronegócio que representa risco às florestas tropicais no planeta, segundo um estudo lançado por um grupo de organizações internacionais.
De acordo com análises da Coalizão Florestas & Finanças, entre janeiro de 2016 e setembro de 2023, instituições financeiras brasileiras injetaram ao menos 127 bilhões de dólares em empresas com histórico de violações socioambientais na produção de carne bovina, soja, óleo de palma, celulose e papel, borracha e madeira – volume que representa 41% do total global de empréstimos (307 bilhões de dólares) levantado pelo estudo. O Banco do Brasil, controlado pelo governo federal, lidera o ranking.
O fato de o Brasil ter uma elevada produção de commodities conta para o resultado, mas a coordenadora da coalizão, Merel van der Mark, sinaliza que os investimentos têm sido feitos sem que sejam observados os riscos dessas transações para a biodiversidade. “O Brasil é um dos países que mais produz carne e soja. Mas é urgente que as instituições financeiras adotem políticas de desmatamento zero”, enfatiza.
Na outra ponta dos fluxos financeiros, empresas que operam no Brasil receberam mais de 20 bilhões de dólares ao ano, somando 188 bilhões entre 2016 a 2023 – o que inclui tanto crédito nacional como de fontes estrangeiras. As multinacionais de papel e celulose, Suzano e Klabin, receberam a maior parte dos recursos, seguidas pela Marfrig, gigante do setor pecuário. Investigações recentes da Repórter Brasil mostraram que a Klabin extraía minérios de áreas de preservação ambiental e a Suzano arrendava fazenda flagrada com trabalho escravo. Uma denúncia feita na França em novembro se baseou em análise do Center para Climate Crime Analysis (CCCA) para afirmar que 40% dos fornecedores de duas plantas da Marfrig em Mato Grosso tinham alguma irregularidade socioambiental.
Em nota, o Banco do Brasil informou que sua política de crédito “prevê a observância de critérios socioambientais na análise e condução de empréstimos e financiamentos” e que o banco “exige dos tomadores de crédito a apresentação de documentos que comprovem a regularidade socioambiental dos empreendimentos”.
O relatório ‘Banking on Biodiversity Collapse’, que pode ser traduzido como ‘Bancando o colapso da biodiversidade’ analisou os fluxos financeiros destinados a 300 empresas que atuam na produção de commodities nos três principais biomas de florestas tropicais do mundo: Sudeste Asiático, América do Sul e África Central e Ocidental.
No Brasil, além da Amazônia, as atividades dessas instituições impactam o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal, a Mata Atlântica e o Pampa. A Repórter Brasil é uma das oito organizações que integram a Coalizão Florestas & Finanças.
Ao todo, foram analisados dados de 3.200 instituições financeiras do planeta que, em maior ou menor valor, investiram nessas commodities.
O relatório analisou ainda as políticas ambientais executadas pelos 100 maiores bancos mapeados nessas áreas, concluindo que elas são “perigosamente inadequadas”. No índice, com máxima de 100%, a pontuação média das instituições foi de 17%, sendo que a maioria delas obteve pontuação abaixo de 10% e quase metade ficou abaixo de 10%.
Divulgado em meio à COP 28 (Conferência do Clima da ONU), que teve início no último dia 30, em Dubai, o relatório alerta para a discrepância de investimentos destinados à exploração comercial dos biomas e para a contenção dos piores efeitos da crise climática. O Fundo de Perdas e Danos para os países em desenvolvimento, anunciado no primeiro dia da conferência, conta com 420 milhões de dólares para recuperar os estragos causados pela crise climática, valor doado por nações como Japão, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Alemanha. “Comparado com os bilhões de investimentos em atividades que colocam em risco as florestas é um valor irrelevante”, critica van der Mark.
BB e Itaú lideram em crédito e investimento de risco
O Banco do Brasil concedeu empréstimos que totalizam 71 bilhões de dólares para empresas do agronegócio que colocam as florestas em risco durante o período do estudo. O relatório aponta que esse montante é resultado dos programas de financiamento agrícola da instituição. Em seguida estão Bradesco (13,1 bilhões) e Itaú (8,9 bilhões) – as duas empresas disseram que não comentariam o estudo. Mas a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), que tem ambos como associados, informou que “os bancos já desenvolvem há mais de uma década uma série de iniciativas voltadas às finanças sustentáveis e ao gerenciamento do risco social, ambiental e climático” e listou algumas dessas iniciativas.
O Itaú é também o 20º maior investidor global em ações e títulos de dívida (bonds) de empresas associadas ao desmatamento. São apenas três brasileiros no top 30 deste tipo de financiamento, mas enquanto BNDES e Safra Group reduziram suas carteiras de commodities de risco em 76% e 50% no período, o Itaú ampliou a sua em 1259%. Ao todo, a Florestas & Finanças mapeou 38 bilhões de dólares neste tipo de ativo financeiro, a maioria proveniente de instituições internacionais.
Em junho de 2022, o Banco do Brasil aprovou diretrizes ambientais e climáticas para guiar seus investimentos, mas analistas consultados pela Repórter Brasil sinalizaram que as normas eram insuficientes – e o banco manteve em sua carteira de clientes fazendeiros e companhias associadas à devastação da Amazônia e do Cerrado. Segundo a Florestas & Finanças, o BB obteve menos de 20 de um total de 100 pontos na avaliação da qualidade de suas políticas.
BNDES financia desmatadores a dois meses de nova regra ambiental entrar em vigor
Enquanto o presidente Lula (PT) se prepara para destacar a queda do desmatamento na Amazônia, durante a cúpula do clima da ONU, que começou no dia 30, o BNDES continua financiando produtores rurais que desmataram ilegalmente áreas de floresta no Brasil.
Levantamento exclusivo da Repórter Brasil, em parceria com o jornal holandês FD, identificou dois empréstimos concedidos com recursos do banco público de desenvolvimento para fazendeiros autuados pelo Ibama pelo desmatamento de 331 hectares de vegetação nativa no Cerrado e na Amazônia.
Os empréstimos não são irregulares, mas foram aprovados faltando poucos meses para entrar em vigor uma nova regra ambiental que vai dificultar esse tipo de operação, a partir do ano que vem.
Atualmente, a proibição de empréstimos para fazendas com áreas embargadas por infrações ambientais vale apenas para empreendimentos na Amazônia. Mas uma nova resolução, publicada pelo Banco Central em junho, entra em vigor em janeiro e expande essa restrição a todos os biomas.
Política de sustentabilidade
Nos últimos 20 anos, centenas de produtores brasileiros com embargos por desmatamento ilegal receberam recursos do BNDES com intermediação do Rabobank. Segunda maior instituição financeira da Holanda, o banco tem se esforçado para promover seu compromisso com negócios sustentáveis e afirma não aceitar clientes que comprovadamente realizaram desmatamento ilegal depois de 2005.
Porém, o banco europeu concedeu crédito a 277 produtores rurais que tiveram parte de suas propriedades embargadas pelo Ibama a partir de 2006 devido ao desmatamento de vegetação nativa sem autorização, mostra levantamento realizado pelo jornal econômico holandês FD, em parceria com a Repórter Brasil.
Coordenadora da plataforma Forests and Finance, Merel van der Mark reagiu com surpresa à investigação do FD e da Repórter Brasil. “É chocante que o Rabobank tenha decidido financiar tantas fazendas com embargos, onde há óbvios indícios de ilegalidade”.
Mark afirma que as instituições financeiras são plenamente capazes de realizar o monitoramento socioambiental de seus clientes e decidirem não contribuir, ainda que indiretamente, com o financiamento de produtores envolvidos em casos de desmatamento ilegal.
“As ferramentas para fazer as análises existem, e se ONGs conseguem fazer essas análises, seguramente os bancos, que têm muito mais recursos, também conseguem. Se não o fizerem, é por falta de vontade política”, finaliza.
Fonte: Repórter Brasil.
Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil.