Brasil enfrenta a maior seca da história

O Brasil enfrenta a maior seca já vista na sua história recente, segundo órgão de monitoramento do governo federal. Dados inéditos e obtidos com exclusividade pelo g1 mostram que, pela primeira vez, a estiagem afeta o país de forma generalizada, por toda a sua extensão. A única exceção é o Rio Grande do Sul. E o cenário é preocupante: o país não deve ter alívio até novembro.

A análise é do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável por subsidiar as ações de enfrentamento de crises climáticas.

Os dados sobre a seca cobrem o período desde 1950. A série histórica revela que a estiagem se agravou a partir de 1988. De lá para cá, a seca mais severa havia sido registrada em 2015. No entanto, à época, a falta de chuva atingiu apenas uma parte das regiões, fazendo com que os rios secassem e a vegetação pegasse fogo.

Neste ano, a seca se espalhou pelo país quase todo e de forma mais intensa, surpreendendo especialistas. A falta de chuva e os severos impactos na vegetação atingem uma área muito maior que a de 2015. Agora, grandes porções do Brasil passam por situação de seca de severa a excepcional.

O que está acontecendo hoje?
Hoje, mais de um terço do território nacional, o que equivale a mais de 3 milhões de km², enfrenta a estiagem na sua pior versão, o que se traduz em:

- cidades isoladas no Norte do país por conta dos rios que secaram, impedindo a navegação;

- fogo espalhado por todas as regiões, sufocando a população com a fumaça e causando problemas respiratórios;

- rios em níveis tão baixos, que fez com que o Operador Nacional do Sistema Elétrica (ONS), que controla o abastecimento de energia no país, anunciasse a ativação de termoelétricas para suprir a demanda.
Por que a seca no Brasil está tão severa?

A resposta para essa pergunta não é tão simples. O que os especialistas explicam é que ela é multifatorial e leva em consideração alguns pontos:

- El Niño: o fenômeno, que aquece o Oceano Pacífico, contribuiu para a elevação das temperaturas no país e mudou os padrões de chuva.

- Bloqueios atmosféricos: A expectativa era que o El Niño acabasse e a seca terminasse em abril deste ano, o que não aconteceu. Isso porque bloqueios atmosféricos impediram que as frentes frias avançassem pelo país, deixando a chuva abaixo da média em quase todo o mapa, com exceção do Rio Grande do Sul.

- Aquecimento do Atlântico Tropical Norte: Nos últimos meses, o Oceano Atlântico Tropical Norte está mais quente do que o normal, o que tem contribuído para as mudanças nos padrões de chuva pelo país, prolongando a seca iniciada em 2023.

A soma destes fenômenos, que mudaram os padrões de chuvas e de temperatura por um período de tempo tão longo e sem trégua, é que fez com que a seca se intensificasse e espalhasse pelo país.

É uma seca multifatorial. Saímos de um Pacífico aquecido (El Niño) para um Atlântico Norte mais aquecido. Não houve uma trégua entre os dois eventos e isso fez com que a situação de seca fosse se agravando gradativamente em cada região até que chegássemos em um cenário de seca pelo país — Ana Paula Cunha, pesquisadora e especialista em secas.

De acordo com os dados mais recentes, mais de 3,8 mil cidades estão com alguma classificação de seca (de fraca a excepcional). O número de cidades nessa situação aumentou quase 60% entre julho e agosto.

E o que esperar daqui em diante?

– Segundo os meteorologistas, o cenário não é otimista. O país ainda tem mais um mês de estação seca para enfrentar, mas ela deve se estender porque as previsões mostram que a chuva, que chegaria em outubro, deve atrasar e ser mais fraca do que o esperado. Com isso, só a partir de novembro deve haver alguma trégua.

– O meteorologista Giovani Dolif, que também é pesquisador no Cemaden, explica que a perspectiva já não era de uma melhora expressiva depois de outubro. Isso porque as chuvas teriam que ser acima da média para que o país se recuperasse da estiagem tão intensa. Além disso, alerta que o atraso do fim da estação de seca pode deixar tudo mais grave.

– O problema da seca não é só a falta de chuva, mas a soma disso à alta temperatura, o que deixa os rios mais secos e o solo também porque a água evapora mais rápido

- E a La Niña? Com o fim do El Niño, era esperada uma mudança para a La Niña, fenômeno que faz cair a temperatura dos oceanos e pode provocar mais chuva. A expectativa era que ela começasse ainda no primeiro semestre deste ano, mas as estimativas mostram que ela só deve chegar em novembro e bem menos intensa do que o esperado.

Segundo o relatório da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês) divulgado no dia 26 de agosto, há 66% de chance da consolidação do La Niña entre setembro e novembro.

Ainda segundo o órgão, o La Niña deve persistir ao menos até janeiro de 2025.

O meteorologista Giovani Dolif explica que a La Niña poderia minimizar a seca, mas, do jeito que está previsto, não vai ser o suficiente para diminuir os impactos.

E o que acontece com os rios?

A falta de chuva vem afetando os rios pelo país há mais de um ano. Os especialistas afirmam que a seca começou em junho, mas, antes disso, a estiagem já vinha castigando algumas regiões. Com isso, há estados com chuvas muito abaixo da média há mais de 18 meses.

A situação mais crítica é no Norte do país. Os rios estão baixando de nível de forma mais acelerada e antes do que aconteceu em 2023, quando a crise foi histórica. Os rios Madeira, Negro e Solimões, principais da bacia da região, estão em baixas históricas. A previsão é que a região possa enfrentar uma crise ainda mais severa que a de 2023.

A seca nos rios também afeta o abastecimento de energia. Na última semana, o Operador Nacional do Sistema Elétrico alertou que, com a baixa a região Norte, não teria como atender a demanda e seria preciso suporte de outras regiões, como a Sul, e antecipou o uso de termelétricas para o reforço no abastecimento. Mesmo com a baixa nos reservatórios, o órgão garante que há como atender a demanda de energia sem interrupções.

A especialista explica que a situação deve permanecer crítica para todo o país até novembro.

Esses ciclos de seca são preocupantes para as bacias. O rio sobrevive com a água do lençol freático, que passa abaixo dele. Se não tem chuva, esse lençol não é alimentado e, com tanto tempo sem repor água, isso dificulta a recuperação. Já estamos vendo rios menores, de cabeceiras, desaparecerem com o tempo em alguns pontos — Adriana Cuartas, hidróloga e pesquisadora.

Fonte: g1.

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil.

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