Para transformar um planeta em constante aquecimento, devido à emissão crescente de gases de efeito estufa, em um mundo quase neutro em carbono, é necessário um conjunto de ferramentas e métodos para descarbonizar as economias, o que inclui a adoção em larga escala de fontes de energia renováveis, a eletrificação de veículos, a restauração e preservação de florestas e o investimento em CCUS, termo em inglês para captura de carbono, utilização e armazenamento (carbon capture, utilisation and storage).
A ideia das tecnologias de CCUS é capturar dióxido de carbono para armazenamento no subsolo, em locais específicos, ou para reutilizá-lo em processos industriais das próprias empresas – a Petrobras, por exemplo, realiza a reinjeção de carbono em nove plataformas de petróleo como forma de manter a pressão interna no reservatório e aumentar a quantidade de óleo extraído. Um dos pontos de atenção, porém, é que a utilização de CO2 é limitada, apesar de haver pesquisas em andamento para aumentar esse potencial – como transformar CO2 em combustível, por exemplo.
“O nosso problema com as emissões é muito grande, e hoje não existe demanda para tanta reutilização de carbono”, avalia Nathalia Weber, engenheira e cofundadora da CCS Brasil, organização sem fins lucrativos que visa estimular as atividades de captura e armazenamento de carbono no país, em entrevista ao Um Só Planeta. “Tem muito CO2 sendo emitido e vai continuar sendo porque a demanda por energia no mundo é crescente, não decrescente. As estimativas que a gente tem hoje, da Agência Internacional de Energia, é que, num cenário de Carbono Zero, 95% do carbono a ser capturado em 2030 precisa ser armazenado.”
A captura de carbono para armazenamento (CCS) consiste basicamente em três métodos: capturar CO2 diretamente das chaminés de indústrias e usinas termoelétricas, via filtros; remover carbono presente na atmosfera por meio de grandes exaustores (chamado de DACCS, sigla em inglês para Captura Direta do Ar com Armazenamento de Carbono); e remover carbono da atmosfera em um processo conjunto com a geração de bioenergia (BECCS, em inglês), como etanol, biogás e queima de biomassa. A destinação é a mesma: armazenar o gás em formações geológicas profundas, de forma permanente.
Potencial de aplicação de CCS no Brasil
Segundo o 1º Relatório Anual da CCS Brasil, o país possui um potencial de captura de carbono que pode chegar a quase 200 milhões de toneladas por ano, o que representa 12% do total das emissões de CO2 nacionais. “Se o Brasil conseguir de fato colocar esses projetos de descarbonização em prática, isso o deixaria entre os líderes mundiais na captura de carbono e no combate ao aquecimento global”, afirma Nathalia. O relatório será lançado em um evento online no dia 16 de maio, às 16h.
“Apesar do Brasil ser conhecido por ter uma matriz energética limpa, os combustíveis fósseis representaram 53% da oferta de energia do país em 2021. Por isso, as tecnologias de CCS são reconhecidas como uma das principais ferramentas para descarbonização de processos industriais, principalmente quando se busca alternativas para o parque industrial existente”, explica a engenheira, fazendo referência aos dados mais recentes do Balanço Energético Nacional.
O relatório da CCS Brasil aponta que, em 2021, o total de emissões antrópicas associadas à matriz energética brasileira e ao setor industrial, com base nos dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), foi de 494,4 milhões de toneladas, sendo 409,6 do setor de energia e 84,8 da indústria.
Potencial para o armazenamento
O armazenamento geológico é a principal tecnologia de destinação do dióxido de carbono capturado. “O CO2 fica aprisionado nos poros ou fraturas das rochas em altas pressões, em grandes profundidades, e pode reagir com fluidos e minerais por mecanismos químicos e físicos, de modo a aumentar a estabilidade do armazenamento sem retornar à atmosfera”, explica Nathalia.
Entre as principais áreas com características geológicas favoráveis para armazenamento de carbono, a pelo menos 800 metros de profundidade, estão as bacias sedimentares, onde existem os reservatórios depletados de óleo e gás (que já foram explorados), as porções de aquíferos hipersalinos (que são impróprios para qualquer tipo de consumo ou aproveitamento humano ou animal) e camadas de carvão não mineráveis (terceira opção, em menor quantidade e mais cara para armazenar).
“O reservatório que tem a estrutura geológica capaz de armazenar petróleo e gás tem a mesma estrutura capaz de armazenar CO2”, diz Isabela. Depois de retirado todo o petróleo, o espaço antes ocupado por ele – poros nas rochas – fica vago para ser ocupado pelo dióxido de carbono que será introduzido. No caso dos aquíferos hipersalinos, existem algumas possibilidades de reação química, sendo a mais comum a dissolução do CO2 na água, além da mineralização, numa reação que faz o carbono virar rocha.
O relatório destaca que as principais áreas com potencial para armazenamento de carbono no Brasil, identificadas com base no que existe de informação disponível hoje sobre o subsolo, são as Bacias Sedimentares de Santos, Campos, Potiguar, Recôncavo, Amazonas-Solimões e Paraná, que contêm ou podem conter os três tipos de reservatórios em suas vastas extensões.
Desafios à implantação dos projetos
A utilização das soluções de captura e armazenamento, analisa Isabela, “enfrenta desafios significativos, que passam pela necessidade de regulação específica dessa nova atividade, por meio de um arcabouço jurídico e regulatório adequado”.
Com o objetivo de preencher essa lacuna, tramita atualmente no Senado o Projeto de Lei 1.425/2022, que “disciplina a exploração da atividade de armazenamento permanente de dióxido de carbono de interesse público, em reservatórios geológicos ou temporários, e seu posterior reaproveitamento”. O marco legal teve como base duas pesquisas de doutorado realizadas no Research Centre para Greenhouse Gas Innovation (RCGI) da Universidade de São Paulo, incluindo a da própria Isabela.
Em termos financeiros, a estimativa da consultoria é que mais de US$ 150 bilhões sejam investidos até 2030, sendo US$ 80 bilhões gastos em captura, principalmente em setores de alto custo, como geração de energia, refino de petróleo e cimento, e US$ 70 bilhões destinados a projetos de transporte e armazenamento.
Existem riscos?
Como as reações químicas do CO2 no subsolo podem afetar as construções dos poços de petróleo em funcionamento, os poços de armazenamento possuem características diferentes e precisam ser construídos a distâncias seguras dos de extração – um mapeamento fácil de ser feito, segundo elas, porque os dados de localização das plataformas são abertos.
Riscos de vazamento também são improváveis, mas caso ocorram, causarão uma mudança no pH de um ecossistema aquático, durante algum tempo, ou um excesso de CO2 no ar. O que dificulta esse cenário, segundo as especialistas, é a própria composição do solo, que lembra uma esponja de louça, cheia de furinhos, no qual a água vai se espalhando aos poucos. “No solo, os furinhos onde o gás passa são muito pequenos, invisíveis a olho nu, então o processo é muito lento. Para que saia uma grande concentração de CO2 do solo em um curto espaço de tempo, teria que haver uma série de erros grosseiros”, afirma Nathalia.
Fonte: Um Só Planeta.
Foto: AFP/GettyImages.