Luiz não sabe ler nem escrever, mas um dia resolveu criar um negócio que mudou sua vida. Decidiu plantar, num corredorzinho ao lado da sua casa, mudas nativas do bioma caatinga, Jurema e Pinhão-bravo. Descobriu por conta própria que poderia vender os espécimes. Ele nem imaginava que alguns anos depois transformaria a miúda plantação em um negócio próprio que comercializa cerca de 100 mil mudas de plantas nativas ao ano, diretamente de sua comunidade rural do município de Baraúna, na região Oeste do RN.
“Se me colocar dentro do bioma caatinga, sei dizer o nome de qualquer planta ou árvore, conheço o manejo de sementes”, se orgulha ele ao falar do que aprendeu.
Luiz trabalhava como ajudante de pedreiro quando resolveu aceitar um convite, através de uma ONG, para plantar em áreas degradadas da Furna Feia – área que se transformou em Parque Nacional de preservação ambiental, na Serra Mossoró, na região Oeste do Rio Grande do Norte.
A rotina de plantio no Parque o levou a iniciar as plantações na sua própria casa. Depois de tentativas frustradas, buscou se aperfeiçoar, fez cursos sobre o manejo das plantas e “tomou gosto”. Conseguiu emprestado um terreno pequeno, “de 12×18”, com uma vizinha e iniciou seu primeiro cultivo.
“Quando as plantas cresceram, fui para o Google e procurei uma empresa de mudas nativas. Liguei procurando o dono”.
Com a ousadia, o empresário o deu espaço. Visitou seu terreno e constatou a qualidade das plantas, propondo de pronto uma parceria. Germinava ali a possibilidade que Luiz precisava para fazer seu sonho realidade. Com brilho nos olhos, ele conta que após a saída do primeiro caminhão “não podia aguentar de felicidade” quando recebeu uma transferência bancária no valor de R$ 20 mil, pela venda das primeiras 10 mil mudas que produziu.
“Eu nunca tinha visto tanto dinheiro, não sabia nem o que fazer com aquilo. Chamei minha mulher e não sabia nem o que dizer”, relembra com a empolgação que experimentou naquele momento.
Daí em diante, ele cresceu junto com sua produção. Conseguiu outro terreno emprestado, aumentou a plantação, fez novas parcerias, comprou os terrenos e montou seu próprio viveiro, na comunidade de Vertente, em Baraúna, às margens da RN-015, com capacidade para um milhão de mudas. Sua empresa, “Flor da Caatinga”, hoje formalizada, é filial de um viveiro sediado em Fortaleza. Entre os clientes, fornece mudas para reflorestamento para empresas como a Progel e a Mizu.
Apesar do crescimento, toda a produção é feita por ele e a esposa, com a ajuda do filho de 15 anos em um período do dia, “porque de tarde ele estuda”.
“Nossa vida mudou porque hoje temos nosso dinheirinho, podemos comer melhor, gera emprego e ajuda a natureza”, reflete.
A história inspiradora e de sucesso de Luiz não é isolada. Ele faz parte de toda uma comunidade beneficiada pela chegada do Instituto Chico Mendes na Serra Mossoró. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) é gestor da Unidade de Conservação do Parque Furna Feia, que abrange parte da Serra Mossoró e seus arredores.
Comunidade
O primeiro contato de Luiz com o plantio para reflorestamento aconteceu um pouquinho antes de toda essa história. Em 2013, foi o primeiro brigadista do local e começou o manejo e produção num curso oferecido pelo parque.
“Antes eu destruía a natureza, mas em conversas com o pessoal do Instituto, entendi o zelo pelo meio ambiente e tive essa motivação”.
Foi assim que aconteceu com cerca de 80 famílias que já passaram pelo programa de Turismo de Base Comunitária em cinco comunidades rurais de Baraúna, e seis em Mossoró, que ficam no entorno da Serra, onde é localizada a área.
O Turismo de Base Comunitária (TBC) é um modelo de gestão da visitação de áreas turísticas protagonizado pela comunidade nativa.
No caso das comunidades da Serra Mossoró, no Parque Furna Feia, o projeto, que se tornou programa permanente, tem como espinha dorsal a mobilização da comunidade através de cursos que a impulsionem “não só ao turismo comunitário, mas a fazer diferença nas suas vidas, trabalhando a cultura regional, a cultura do sertanejo”, explica Lúcia Guaraldo, analista ambiental do ICMBIO e coordenadora do programa TBC.
O programa treina os moradores a receber os turistas e os incentiva a tirar o sustento da própria caatinga em torno de suas casas, com oportunidades e condições para que as comunidades possam participar ativamente da economia da região.
Assim como a produção das mudas nativas para reflorestamento do Luiz e de outros produtores, há também a produção de mel de abelha Jandaíra, bonecas de pano, bordados, arte com palha da bananeira, crochê, produtos naturais, grupos de teatro e serviços de hospedaria e alimentação.
“É gratificante fazer parte, porque gera emprego, incentiva pessoas que não tem conhecimento a chegar num nível de se envolver, é muito importante. Teve muita diferença na comunidade desde que o Parque chegou, a expectativa agora é abrir para a visitação do público”, diz Luiz.
Por enquanto, a área está aberta para turmas pré-agendadas, geralmente de estudantes, para turismo pedagógico. No entanto, 11 pontos de visitação já começaram a funcionar nas comunidades para receber o turista e expor suas produções.
Doutora do Mato
Num destes pontos estão os cosméticos naturais produzidos por Luciana Goiz.
No entanto, no caso da Luciana, não foi o ICMBio que a levou ao empreendedorismo. Foi o contrário. Seu espírito de empreendedora a transformou em capacitadora da Câmara Temática do TBC, ministrando cursos e formando mulheres para terem suas produções próprias, que inclusive recebem a marca Prendas, selo de qualidade e origem.
Para Luciana, tudo começou durante a pandemia, quando ela se mudou para a Serra Mossoró. Dona de casa e vendedora de lanches, começou a pesquisar na internet a produção de sabonetes de Aroeira, vegetação abundante no seu quintal, para amenizar a alergia que sua filha tinha a picada de insetos.
Depois de cursos online e até uma especialização na área de produtos naturais, seus ítens chegaram até o ICMBio. Foi quando recebeu convite para se integrar ao programa.
“O ICMbio foi uma maneira de levar a oportunidade para outras mulheres. Hoje tem um grupo de mais de 25 mulheres que desenvolvem trabalhos de tipologias diferentes, mas voltados para a preservação da caatinga”, ela explica.
Luciana criou sua própria marca, a “Autênticos Naturais”, e hoje vive do seu negócio. Sua produção é feita somente por ela, que cultiva as plantas em seu quintal e produz os artigos. O único problema, aponta, é a falta de água em algumas épocas.
Furna Feia
O Parque Nacional da Furna Feia é uma unidade de conservação brasileira de proteção integral da natureza localizada na Mesorregião do Oeste Potiguar, no Rio Grande do Norte. Tem uma área de aproximadamente 8.494 hectares, distribuída pelos municípios de Mossoró e Baraúna. É administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Criado em 2012, contribui para a conservação de 251 cavernas atualmente identificadas, sendo 208 na área da unidade de conservação e outras 43 na zona de amortecimento.
O Parque Nacional da Furna Feia tem a missão de proteger parte significativa da Caatinga. É responsável por abrigar exemplares do patrimônio espeleológico local, a exemplo da Caverna Furna Feia.
Além disso, são 105 espécies de plantas, 176 de aves, 31 de mamíferos, 11 de répteis, um peixe anual e 16 espécies de invertebrados, além de dois sítios arqueológicos.
A Unidade de Conservação ambiental também desempenha papel fundamental para a produção agrícola nos municípios de Baraúna e Mossoró, garantindo o reabastecimento dos mananciais de águas subterrâneas.
As cavernas são ecossistemas frágeis e delicados, nesses ambientes o fluxo de energia depende do ambiente externo. Nesse sentido, a população local entra como parte fundamental para preservar o meio ambiente e a natureza lhes fornece os meios de ganhar a vida.
Fonte: Saiba Mais.
Foto: Divulgação.