Cientistas alertam há 10 anos para risco em Maceió: Desastre da Braskem

Os tremores de terra e o risco de colapso que colocaram Maceió em estado de emergência têm ligação com a atividade de extração de sal-gema, utilizado para produzir soda cáustica e policloreto de vinila (PVC), a mais de 1 km de profundidade. A extração foi interrompida pela Braskem há cinco anos, mas isso não impediu que a movimentação do solo continuasse. Estudiosos dizem alertar sobre riscos na área pelo menos desde 2010.

10 anos de avisos

Pesquisadores da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) afirmam que apontavam para riscos de de afundamentos em Maceió há mais de uma década.

“Um estudo publicado na revista científica Geophysical Journal International mostrou que a exploração do sal-gema pela Braskem estava provocando aumento do nível do lençol freático na região. Esse aumento de pressão poderia causar o afundamento do solo”, diz texto divulgado nesta semana no site da Ufal, citando publicação cientifica de 2010.

“Em 2011, outro estudo, publicado na revista científica Engineering Geology, chegou à mesma conclusão. Os pesquisadores estimaram que o afundamento poderia atingir até 1,5 m em algumas áreas da cidade”, acrescenta o texto.

Na última quarta-feira (29), a prefeitura da capital alagoana decretou situação de emergência diante do iminente colapso em uma das minas de sal-gema exploradas pela petroquímica Braskem no bairro do Mustange. É mais um capítulo de uma história que se arrasta desde 2018, quando foram registrados afundamentos em cinco bairros. Estima-se que cerca de 60 mil residentes tiveram que se mudar do local e deixar para trás os seus imóveis.

O risco de colapso em uma das 35 minas de responsabilidade da Braskem vem sendo monitorado pela Defesa Civil de Maceió e foi detectado devido ao avanço no afundamento. A petroquímica confirma que pode ocorrer um grande desabamento da área, mas afirma que existe também a possibilidade de que o solo se acomode. Um eventual colapso geraria um tremor de terra e tem potencial para abrir uma cratera maior que o estádio do Maracanã. As consequências, no entanto, ainda são incertas. O governo federal também acompanha a situação.

Mas o que é o sal-gema?

Diferente do sal que geralmente usamos na cozinha, que é obtido do mar, o sal-gema é encontrado em jazidas subterrâneas formadas há milhares de anos a partir da evaporação de porções do oceano. Por esta razão, o cloreto de sódio é acompanhado de uma variedade de minerais.

Designado também por halita, o sal-gema é comercializado para uso na cozinha. Muito comum nos supermercados, o sal extraído no Himalaia, que possui uma tonalidade rosa devido às características locais, é um sal-gema.

No entanto, o sal-gema é também uma matéria-prima versátil para a indústria química. É empregado, por exemplo, na produção de soda cáustica, ácido clorídrico, bicarbonato de sódio, sabão, detergente e pasta de dente, enfim, na fabricação de produtos de limpeza e de higiene e em produtos farmacêuticos.

Indústria

Inicialmente, a exploração em Maceió se voltou para a produção de dicloroetano, substância empregada na fabricação de PVC. Não por acaso, desde que inaugurou em 2012 uma unidade industrial na cidade de Marechal Deodoro, vizinha a Maceió, a Braskem se tornou a maior produtora de PVC do continente americano. Outras indústrias, como a de celulose e de vidro, também empregam o sal-gema em seus processos.

A exploração de sal-gema, como outros minerais, depende de licenciamento ambiental. A exploração é fiscalizada pela Agência Nacional de Mineração (ANM). No mercado internacional, o Brasil é um ator relevante. Segundo dados da ANM, foram 7 milhões de toneladas em 2002. O ranking do ano passado, no entanto, mostra que os três líderes mundiais têm produção muito mais robusta que todos os demais: China (64 milhões de toneladas), Índia (45 milhões) e Estados Unidos (42 milhões).

Em Maceió, a exploração das minas teve início em 1976 pela empresa Salgema Indústrias Químicas, que logo foi estatizada e mais tarde novamente privatizada. Em 1996, mudou de nome para Trikem e, em 2002, funde-se com outras empresas menores tornando-se finalmente Braskem, com controle majoritário do Grupo Novonor, antigo Grupo Odebrecht. A Petrobras também possui participação acionária na empresa, com 47% das ações, dividindo o controle acionário com a Novonor. Atualmente, a Braskem desenvolve atividades não apenas no Brasil, como também em outros países como Estados Unidos, México e Alemanha.

Escavação

A exploração em Maceió envolvia a escavação de poços até a camada de sal, que pode estar há mais de mil metros de profundidade. Então, injetava-se água para dissolver o sal-gema e formar uma salmoura. Em seguida, usando um sistema de pressão, a solução era trazida até a superfície. Ao fim da extração, esses poços precisam ser preenchidos com uma solução líquida para manter a estabilidade do solo.

O problema em Maceió ocorreu por vazamento dessa solução líquida, deixando buracos na camada de sal. Uma hipótese já levantada por pesquisadores é de que a ocorrência tenha relação com falhas geológicas na região. Consequentemente, a instabilidade no solo levou a um tremor de terra sentido em março de 2018. O evento causou os afundamentos nos cinco bairros: Pinheiro, Mustange, Bebedouro, Bom Parto e Farol.

A responsabilidade da Braskem pelo afundamento do solo, associada à extração de sal-gema no bairro Mutange que afetou outros quatro bairros vizinhos onde viviam 57 mil pessoas, foi atestada por estudos técnicos do Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) em 2019. No ano seguinte, a ANM, agência vinculada ao Ministério de Minas e Energia, determinou que a empresa apresentasse um plano de fechamento das minas de sal-gema, conforme as peculiaridades de cada uma. Somente em fevereiro de 2021, dois anos após o caso ser associado à atividade da Braskem, a empresa registrou um plano de fechamento da Mina 18 — a segunda maior das 35 cavidades, com 494 mil m³ à época.

Com novos tremores e o surgimento de rachaduras em casas e ruas, a Braskem anunciou o fim da exploração das minas em maio de 2019. A petroquímica diz que já foi pago R$ 3,7 bilhões em indenizações e auxílios financeiros para moradores e comerciantes desses bairros. Uma parcela dos atingidos busca reparação através de processos judiciais. O caso também é discutido em ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF).

Esse afundamento em Maceió de uma das minas da Braskem, ocorre após irregularidades e atrasos da empresa no processo de fechamento de seus poços de exploração de sal-gema na capital alagoana. Relatórios da Agência Nacional de Mineração (ANM), que acompanha desde 2020 o planejamento da mineradora para fechar as 35 cavidades que operava às margens da Lagoa de Mundaú, apontam que a Braskem levou quase dois anos para definir o fechamento da Mina 18 com areia, mesmo método usado em outros oito poços.

Na terça-feira (5), o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas multou a Braskem em mais de R$ 72 milhões por danos ambientais e pelo risco da mina 18. Em julho, a Braskem fez um acordo para pagamento de R$ 1,7 bilhão à prefeitura de Maceió, em contrapartida às indenizações e exclusão de cobranças de impostos sobre os imóveis afetados. Com esse acordo, a empresa passa a ser proprietária dos terrenos abandonados pelos moradores. A prefeitura avalia pedir nova indenização.

Fontes: Agência Pública, Um Só Planeta, UOL, O Globo.

Foto: Ailton Cruz.