Confiar nas novas tecnologias para remover o dióxido de carbono é “perigoso”, diz John Kerry

Segundo o enviado presidencial especial dos Estados Unidos para o clima, os governantes devem agilizar a adoção de energia renovável para conter o aumento da temperatura global

As novas tecnologias de armazenamento de carbono podem não impedir que o mundo passe por ‘pontos de inflexão’ que levariam a um desastre climático e confiar nelas é “perigoso” e motivo de “alarme”, alertou Jonh Kerry, enviado presidencial especial dos Estados Unidos para o clima, em entrevista ao jornal The Guardian.

“Alguns cientistas sugerem que é possível que haja uma superação [das temperaturas globais além do limite de 1,5°C] e você poderia recuperar, por assim dizer – você tem tecnologias e outras coisas que permitem você volte”, ponderou. “O perigo disso, que mais me preocupa e me motiva, é que, de acordo com a ciência e os melhores cientistas do mundo, podemos estar em ou além de vários pontos críticos sobre os quais eles têm nos alertado há algum tempo. Esse é o perigo, a irreversibilidade.”

Diante disso, o político pediu que os governos implementem soluções como energia renovável e veículos elétricos em velocidade acelerada. “Parte do desafio que enfrentamos agora é que os países que têm tecnologias disponíveis não estão necessariamente implantando-as no ritmo que deveriam”, afirmou.

Ele exemplificou que Fatih Birol, diretor executivo da Agência Internacional de Energia, deixou claro que, para atingir a meta de reduzir 45% das emissões de gases de efeito estufa globalmente até 2030, é preciso implantar energias renováveis no estado atual da tecnologia. Mas, segundo ele, isso não está acontecendo.

“Há uma resistência agora que eu vejo de vários quadrantes para fazer o que sabemos que precisamos fazer. Acho que há coisas realmente muito simples que poderíamos estar fazendo, mas requer vontade política, recursos, alocação e determinação para fazer o trabalho”, observou.

Lei da Redução da Inflação

Durante a entrevista, Kerry citou a Lei da Redução da Inflação, um esforço do governo de Joe Biden no valor de US$ 369 bilhões (aproximadamente R$ 1,8 trilhão) para investir em energia renovável e tecnologias de baixo carbono.

Rebatendo as críticas de autoridades da União Europeia a alguns pontos da legislação, como os incentivos fiscais para empresas verdes se estabelecerem nos Estados Unidos – o que elas veem como protecionista e uma ameaça competitiva em potencial –, o enviado especial respondeu que a proposta é boa para todos os países.

“Se acelerarmos o ritmo da descoberta, o mundo se beneficiará. Isso não é uma coisa centrada nos Estados Unidos”, garantiu. “Se pudermos avançar essas tecnologias muito rapidamente, juramos compartilhá-las e ajudar as pessoas a se desenvolverem de maneira semelhante. É assim que, coletivamente, tentamos enfrentar o desafio.”

Kerry ainda saiu em defesa das ações promovidas recentemente pelo presidente Joe Biden, dentre elas a aprovação de perfuração de poços de petróleo e gás em áreas do Golfo México e do Alasca. Ele alegou que mais combustíveis fósseis são temporariamente necessários por causa da guerra na Ucrânia e que alguma expansão de petróleo e gás poderia ocorrer dentro dos limites climáticos.

“O uso de gás é uma redução automática de 30 a 50% em relação ao petróleo e ao carvão. Não é limpo, é mais limpo”, ponderou. “Portanto, agora a questão é: a captura e o armazenamento de carbono podem ser implantados em uma escala que possibilite atingir nossos objetivos?”

Para o político, a expansão da perfuração “não teria um impacto profundo” e ele garantiu que os Estados Unidos ainda mantêm o compromisso de reduzir de 50% a 52% nas emissões até 2030.

Outro tema tratado por Kerry na entrevista ao The Guardian foi a alta nos preços da energia causados pela invasão na Ucrânia pela presidente russo Vladimir Putin. “Precisávamos desesperadamente não permitir que Putin transformasse seu corte de gás em uma arma. E por causa da Ucrânia, e da urgência de acalmar o mercado, garantindo que as economias não entrem em colapso repentino porque os preços estão subindo tanto que as pessoas não podem viver, você precisa ter algum suprimento. É transição.”

Contudo, ele admitiu que a expansão dos combustíveis fósseis nos EUA era difícil de explicar para outros países. “Obviamente, há desafios de percepção ou mensagens”, disse ele. “Existe o perigo de alguém distorcer e dizer ‘eles fizeram isso, então nós podemos fazer’. É por isso que digo que você tem que entender, você tem que colocá-lo em um contexto real do que realmente significa e qual será o impacto disso.”

Por fim, Kerry pediu mais financiamento do setor privado ajudar os países pobres a reduzir suas emissões e lidar com os impactos do clima extremo. “O financiamento climático não é apenas um desafio, é o maior desafio individual no momento. Finanças, e quero dizer grandes finanças na casa dos trilhões de dólares. Isso requer mobilização de capital, usando incentivos e trabalhando com o setor privado para trazê-los para a mesa, para criar projetos bancáveis que estimularão a implantação de capital”, completou.

Fonte: Um Só Planeta.

Foto: Karwai Tang/ UK Government / Divulgação.