A sexta-feira na COP27 começou com protestos pedindo que os líderes mundiais declarem uma emergência climática, mantenham os combustíveis fósseis no solo e paguem reparações pelas perdas e danos irreversíveis já sofridos, principalmente por comunidades e países menos responsáveis pelo aquecimento global e mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos. Uma grande faixa estendida pelos manifestantes diz “reparações climáticas já” e outros cartazes com dizeres sobre justiça climática se espalharam pela porta da Blue Zone, onde ocorrem os discursos e debates da COP.
“Estamos pagando pelos crimes das corporações e do norte global, que fizeram do Paquistão um centro de desastres climáticos. Não queremos mais palavras, queremos suspensão de dívidas, queremos reparações, queremos justiça climática”, disse o manifestante Farooq Tariq ao The Guardian.
Em um outro protesto, médicos, enfermeiros, farmacêuticos, cientistas e estudantes de medicina de todo o mundo chamaram a atenção para o fato de que as mudanças climáticas já estão matando seus pacientes por meio de poluição do ar, desnutrição, secas e falta de acesso aos cuidados de saúde.
O rebranding do gás
Um relatório divulgado ontem pelas organizações Corporate Accountability, Global Witness e Corporate Europe Observatory, afirmou que este ano há 636 lobistas das indústrias de petróleo e gás registrados para participar da COP27, em Sharm el-Sheikh, no Egito. Durante a cúpula climática das Nações Unidas do ano passado, realizada em Glasgow, na Escócia, esse número era de 503. As informações causaram revolta em muitos ativistas ambientais e motivaram protestos na porta dos pavilhões. De longe, a sueca Greta Thumberg ironizou: “Se você quer combater a malária, não convide os mosquitos”.
Hoje, especialistas afirmaram que produtores de gás e aqueles que financiam a indústria estão vendo a COP27 como uma oportunidade para fazer uma espécie de “rebranding” do gás natural, vendendo a ideia de que este pode ser visto como um “combustível de transição” em vez de apenas mais um combustível fóssil. As pressões vêm sobretudo do país anfitrião, o Egito, e de seus aliados produtores de gás. É bom lembrar que o apetite pelo combustível cresceu depois da invasão da Rússia na Ucrânia, já que a Europa se viu em uma encruzilhada e suspendeu abruptamente muitas das importações que fazia do gigante asiático.
“A oportunidade para esta COP é discutir abertamente que o gás natural, e em particular quando combinado com a captura de carbono, é uma solução de energia escalável que nos permite atender às necessidades de 8 bilhões de pessoas enquanto ainda atendemos nossas metas climáticas”, disse Craig Golinowsky, da Carbon Infrastructure Partners, um fundo canadense de private equity que apoia projetos relacionados a combustíveis fósseis e captura de carbono.
No entanto, especialistas ambientais alertam que a queima de gás, embora seja menos poluente que o carvão, pode aumentar o aquecimento global muito além dos 1,5°C estipulados pelo Acordo de Paris.
De quem é a culpa?
A fala da CEO da Occidental Petroleum, Vicki Hollub, nesta sexta-feira, causou revolta em muitos manifestantes na COP27. No dia em que o tema da conferência é descarbonização, ela disse que as pessoas que pedem o fim da indústria de petróleo e gás “não têm ideia do que isso significaria” e que os eventos climáticos extremos crescentes, como as inundações no Paquistão e a seca no chifre da África, são responsabilidade de indivíduos, não apenas da indústria de petróleo e gás.
“Este não é um problema que apenas a indústria de petróleo e gás tem. Todo mundo que usa um produto que foi gerado a partir de petróleo e gás tem parte nisso e também é responsável. Seu iPhone, você é responsável por isso. Se você voou até aqui, você é responsável pelo que usou aqui. As roupas bonitas que você está vestindo agora, você é responsável. Se não nos apressarmos e assumirmos a responsabilidade, isso não acontece”, afirmou.
Hollub está na COP27 como parte da delegação dos Emirados Árabes Unidos, que sediará a COP do próximo ano, em Dubai. Em 2017, a Occidental Petroleum foi listada como a 55ª em um relatório da Carbon Majors Report que elencou as 100 principais empresas responsáveis por 71% das emissões globais entre 1988 e 2015.
Crescimento “assustador”
Foi divulgado nesta sexta, durante a COP27, um relatório que mostra que, apesar do apelo da Agência Internacional de Energia (IEA) para que não hajam novas plantas de exploração de petróleo e gás, 655 das 685 (96%) das empresas de exploração e produção têm planos de expansão.
Segundo o documento, elaborado pela ONG alemã Urgewald e por 50 ONGs parceiras, o planejamento da expansão “assustadora” resultaria na liberação de 115 bilhões de toneladas de CO2, o que equivale a mais de 24 anos das emissões dos EUA. Nenhum desses investimentos é compatível com a rota AIE para o mundo atingir emissões líquidas zero até 2050, evitando assim as piores consequências da crise climática.
A análise aponta ainda que os planos de expansão para a exportação de gás liquefeito em todo o mundo mais que dobrariam, de acordo com o planejamento atual do setor, o que levaria a emissões equivalentes ao que emite em um ano todo o continente africano.
“O resultado de nossos cálculos é realmente assustador: os planos de expansão de curto prazo das empresas de petróleo e gás não estão alinhados com o curso de emissões líquidas zero apresentado pela IEA. Manter esses recursos de petróleo e gás no solo é o mínimo necessário para manter 1,5°C atingível”, afirmou Fiona Hauke, pesquisadora da Urgewald.
Vigilância e intimidação na COP27
Membros da sociedade civil que participam da COP27 descreveram como a vigilância e a intimidação das autoridades egípcias estão ameaçando sua participação na conferência do clima. Os problemas relatados pelos participantes incluem vigilância aberta, controle de suas reuniões pela equipe da conferência e problemas com acomodação.
Participantes da sociedade civil internacional, todos os quais solicitaram anonimato para sua proteção, disseram ao Guardian como funcionários uniformizados ou à paisana da conferência supostamente à disposição para fornecer segurança, assistência técnica ou de limpeza aos delegados, pareciam preocupados em vigiá-los e controlar suas atividades, em vez de fornecer suporte.
“Apenas falar sobre a palavra ativismo significa que você é rapidamente cercado por pessoas espionando você”, disse um deles. A equipe da conferência cercava repetidamente os delegados da sociedade civil para criar uma atmosfera de desconforto se eles mencionassem a palavra ativismo na conversa ou tentassem discuti-la com colegas.
Os problemas descritos pelos visitantes refletem muitas das questões cotidianas que os ativistas da sociedade civil egípcia descrevem enfrentar na última década, à medida que as autoridades egípcias e, em particular, as paraças de segurança do país instituem uma ampla repressão a organizações independentes de todos os tipos.
Fonte: Um Só Planeta.
Foto: Getty Images.