Dia Mundial da Água: 5 soluções para enfrentar a escassez hídrica

A água está na base do funcionamento do planeta e do próprio corpo humano. Mas esse elemento, tão essencial à vida na Terra, tem sido ameaçado por questões como desperdício, poluição, mudança climática e seus extremos, como as secas severas, problemas que se agravam em um mundo mais quente, aprofundando as desigualdade no acesso aos recursos hídricos.

Para se ter uma ideia da gravidade, a falta de acesso à água potável afeta cerca de 2 bilhões de pessoas ou um quarto da população mundial, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). E até 2050, de 1,7 a 2,4 milhões de pessoas podem ser impactadas pela escassez hídrica — quando há desequilíbrio entre a disponibilidade de água e a sua demanda.

No Brasil, onde estão 13% dos reservatórios hídricos do mundo, a distribuição acontece de maneira desigual pelo território, 15% da população (cerca de 30 milhões de brasileiros) ainda não tem acesso à água tratada. Para agravar, quatro em cada dez brasileiros vivem em áreas sem rede de esgoto, cujo lançamento inadequado contribui para a poluição dos mananciais. O cenário futuro preocupa: a demanda por água no país deve subir em 30% até 2030, conforme dados da Agência Nacional de Águas (ANA).

Neste 22 de março, Dia Mundial da Água, especialistas  apontam as principais soluções para mitigar desafios do presente e mudar o futuro. E, sim, há avanços e motivos para comemorar também.

Reutilizar

A necessidade de aumentar o índice de coleta e tratamento de esgoto no Brasil é consenso entre os especialistas. De acordo com dados do instituto Trata Brasil, mais de 42% da população vive em áreas sem rede de esgoto. E quando não há rede de esgoto, os efluentes vão direto para a natureza. É como se 5,2 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento fossem despejadas no meio ambiente diariamente.

Com a expansão adequada do saneamento, é possível dar um passo além na gestão hídrica, e começar a desenvolver o chamado reúso potável, principalmente em áreas com maior escassez, como acontece em outros países pelo mundo. Vinduque, capital da Namíbia, é um exemplo.

Por lá, acontece o reúso potável direto, quando a água tratada pode ser consumida diretamente por seres humanos após o tratamento. Na cidade, metade da água vem de fontes naturais enquanto a outra metade é de reúso. Iniciativas semelhantes acontecem na Austrália, Estados Unidos e em alguns países do Oriente Médio.

O objetivo é reduzir a dependência de importação de água em locais onde a escassez é crítica. A OMS (Organização Mundial da Saúde) criou uma diretriz internacional estabelecendo os critérios e procedimentos para que os países que queiram adotar o reúso potável direto possam fazer isso com segurança.

Aproveitar a água de chuva

Área de clima seco, o Semiárido é responsável por projetos inovadores na garantia de água para consumo humano e produção de alimentos. O precursor é o Um Milhão de Cisternas, criado pela ASA (Articulação Semiárido Brasileiro) e que virou política do governo federal em 2002. As cisternas, construídas ao lado das casas de famílias da zona rural, se baseiam na coleta e no armazenamento de água de chuva.

A tecnologia, reconhecida pela ONU custa, em média, R$ 4,6 mil cada uma, e tem capacidade de armazenar 16 mil litros, volume suficiente para abastecer até seis pessoas durante oito meses de estiagem. O objetivo é trazer mais dignidade aos moradores, evitando grandes deslocamentos em busca de água e até mudanças da região. Desde 2003, o programa federal construiu mais de 1,1 milhão de cisternas, 95% delas no semiárido nordestino e no norte mineiro.

Recuperar rios e córregos

O Brasil possui mais de 114 mil km de rios poluídos, sendo que 80 mil km têm nível médio e elevado de degradação. Além de colocar em risco a vida aquática, rios e córregos contaminados adoecem seres humanos. “Eles elevam os gastos com saúde, gerando impacto social e econômico. Custa bem menos gastar para recuperá-los”, afirma Barreto.

O especialista destaca o projeto de despoluição do Rio Tietê, impulsionado pelo maior abaixo-assinado da história do país, com 1,2 milhão de participantes. O rio, que percorre mais de 1.100 quilômetros no estado de São Paulo, já deixou de receber uma quantidade de esgoto equivalente ao que é produzido em uma cidade como Londres.

Em localidades asiáticas como Seul, na Coreia do Sul, rios enterrados foram recuperados e devolvidos à sociedade. “Na Austrália, há o programa Cidades Sensíveis à Água, que visa colocar a água no centro do planejamento urbano”, diz Firmo, da UFRJ. “Ao fazer isso, muitos problemas são minimizados porque a água está em tudo.” A tendência internacional de combate à escassez hídrica e respeito aos ciclos da água ainda não ganhou espaço no Brasil, que segue enterrando e canalizando seus corpos d’água.

Saneamento ecológico

Em Petrópolis (RJ), o projeto Saneamento Sustentável é um dos responsáveis pelo índice de 70% de esgoto tratado na cidade, acima da média nacional. Biodigestores são utilizados para garantir o saneamento em regiões de difícil acesso da cidade, onde vive a maior parte das pessoas de baixa renda. Mais de 90% da população é beneficiada pelo sistema que trata 61,8 milhões de litros de água por dia.

Do reaproveitamento dos detritos, feito através de drenagem e do uso de bactérias naturais, são gerados adubo e biogás – aproveitado na cozinha de residências e escolas. Os filtros de tratamento são feitos de garrafas pet e pneus, dando um destino mais nobre a materiais que levariam um longo tempo até se decomporem na natureza. Mais de 200 mil garrafas e quase três mil pneus já foram reutilizados pelo projeto.

Em zonas periféricas e em áreas rurais, incluindo territórios indígenas e quilombolas, esta e outras Soluções Baseadas na Natureza (SBNs) são essenciais para garantir a saúde humana e um menor impacto ambiental. A própria preservação da cobertura florestal, através de medidas de restauração e combate ao desmatamento, é considerada uma SBN essencial para combater a escassez hídrica.

Gestão eficaz

“Não adianta pensar em alternativas para aumentar a oferta de água se continuar existindo desperdício”, sentencia José Carlos Mierzwa, professor de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo). O especialista defende a ampliação da eficiência no uso do líquido desde a instalação de duchas e torneiras com menor vazão nas casas até a adoção de processos modernizadores pela indústria.

“Em um estudo que nós fizemos, apenas otimizando processos e atualizando equipamentos, conseguiríamos reduzir o consumo de uma fábrica em 80%”, calcula. Para efetivar esse tipo de solução, políticas públicas são necessárias. Incentivos fiscais para que a indústria e a população adquiram equipamentos mais econômicos seriam um caminho, sugere.

É preciso também controlar as perdas na distribuição pública de água. “Em alguns estados, há mais 50% de perda nesse processo. Da água que entrou na estação, apenas metade chega à população”, aponta Mierzwa. Mais uma vez, a gestão pública eficaz surge como a solução. Barreto cita como exemplo a implementação do manejo inteligente na gestão e na distribuição de água da bacia do PCJ, que reúne os rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, em São Paulo, resultando em uma economia de 30% no uso do recurso.

Barreto ressalta, ainda, a qualidade das leis existentes, mas pondera que é preciso ampliar a eficácia no cumprimento. Os comitês de bacias hidrográficas, por exemplo, são estruturas públicas que necessitam de maior implementação e efetividade, segundo o especialista da TNC.

O que falta para projetos de soluções contra a escassez serem mais efetivos é monitoramento e avaliação perenes. Às vezes, uma iniciativa é interrompida porque é um projeto político, não é política pública. Ter iniciativas continuadas é fundamental, de acordo comSamuel Barreto, gerente nacional de água da TNC (The Nature Conservancy).

Além disso, destaca a importância de ações coesas e transversais por parte do poder público, já que, sem essa integração, diferentes órgãos tomam decisões que se anulam mutuamente, travando o avanço de soluções.

Fonte: Um Só Planeta.

Foto: Divulgação