Para início de conversa, a existência deste planeta é consequência direta do que ocorreu há cerca de 4,6 bilhões de anos com a nuvem de gás e poeira de onde surgiram o Sol e o restante de seu sistema. A humanidade, em sua curta trajetória neste pequeno mundo, vem progressivamente exercendo domínio sobre a natureza mediante, principalmente, a exploração das fontes de energia. Para além de todos os esforços humanos, entretanto, tudo é feito de sol, como constatavam os Mutantes ao compor seu festejado rock progressivo. A biomassa é decorrência imediata da fotossíntese; os combustíveis fósseis correspondem à biomassa que, submetida a processos telúricos, potencializou sua densidade energética; as diferenças de aquecimento na superfície da Terra provocam os deslocamentos de ar aproveitados pela fonte eólica; a evaporação da água e sua precipitação em pontos diferentes do relevo viabilizam os aproveitamentos hidrelétricos.
O setor energético vem apostando cada vez mais no aproveitamento da radiação solar, uma fonte de energia abundante e limpa. Há duas formas de aproveitá-la: através da tecnologia fotovoltaica ou através de tecnologia heliotérmica (concentrated solar power – CSP).
A energia heliotérmica, conhecida como energia termossolar ou energia solar concentrada, avançou significativamente no Brasil e se tornou uma ótima alternativa para suprir a crise energética e desenvolver sistemas mais sustentáveis.
Agora vamos nos aprofundar mais no que de fato é a energia heliotérmica, e também entender melhor como funciona a energia, que, como já mencionamos, podemos classificar como energia verde.
O que é energia heliotérmica?
Energia heliotérmica (ou energia termossolar) é a geração de energia elétrica proveniente dos raios solares de maneira indireta. Dizemos ser de maneira indireta porque o calor do Sol é captado e armazenado para depois ser transformado em energia solar mecânica e, por fim, em eletricidade.
A energia heliotérmica é um dos três de tipos energia solar, junto com a energia fotovoltaica e a energia solar térmica. Veja como funciona a energia solar.
A energia heliotérmica oferece diversas vantagens por ser uma fonte de energia limpa e renovável, não produzir gases nocivos ao meio ambiente (CO2 e o NOx), além de sua área de construção e implementação ser de apenas 3,0 ha/MWh, reduzindo os impactos ambientais em grandes proporções.
Como funciona a energia termossolar?
A energia termossolar funciona a partir de painéis solares (espelhos, coletores ou heliostatos) que refletem a luz do Sol e concentram-na num único ponto. O calor acumulado é usado para aquecer um fluido e o vapor irá movimentar as turbinas, acionando o gerador, que produzirá a energia.
Por muito tempo, as tecnologias fotovoltaica e heliotérmica permaneceram no mesmo patamar de desenvolvimento, sendo que a segunda se mostrava até um pouco mais competitiva. Segundo dados do IRENA (2020), em 2010, a solar fotovoltaica apresentava em média custo nivelado de 0,378 USD/kWh, e a heliotérmica de 0,346 USD/kWh (Figura 3). Porém nos últimos anos a tecnologia fotovoltaica conseguiu ser absorvida pelo mercado e aumentar significativamente sua competitividade, principalmente devido à sua capacidade modular, passível de ser adaptada para menores escalas, particularmente na geração distribuída. Em 2019, o custo nivelado da fotovoltaica chegou a uma média de 0,068 USD/kWh (Figura 3). Apesar de ter apresentado avanços tecnológicos, a tecnologia heliotérmica ainda precisa ganhar competitividade. Em 2019 custava quase três vezes mais que a fotovoltaica.
No Brasil, o projeto heliotérmico mais adiantado é o da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). Orçado em R$ 56 milhões, deve entrar em operação em setembro. A unidade foi projetada para gerar 0,5 MW e está sendo construída no complexo experimental de energias alternativas renováveis da empresa junto à usina hidrelétrica Porto Primavera, no rio Paraná. A Cesp optou pela tecnologia heliotérmica de calha parabólica, a mais difundida entre os quatro sistemas termossolares existentes (ver infográfico).
As plantas heliotérmicas são compostas basicamente por coletores, receptores, estruturas e tubulação, fluidos de transferência, sistema de armazenamento, bloco de potência e, se necessário, sistema de back-up ou hibridização. Um levantamento feito pela FGV Energia, em parceria com o SENAI/RJ, junto à indústria brasileira demonstrou que a heliotérmica apresenta grande potencial de nacionalização e consequente geração de emprego e renda no país. Alguns componentes da heliotérmica ou são dominados pela indústria brasileira ou necessitam de pequenos ajustes para serem produzidos internamente. As exceções seriam os receptores solares, que são específicos da tecnologia heliotérmica, os sais fundidos e os óleos térmicos de altas temperaturas, que também necessitariam de alta demanda interna para serem competitivos com suas versões importadas.
A capacidade instalada de plantas heliotérmicas ainda é muito pequena e concentrada em um pequeno grupo de países. Segundo World Bank (2020) e o SolarPACES (2020), há cerca de 9,3 GW de projetos heliotérmicos no mundo, conforme a Figura 4. Cerca de 6,0 GW encontram- se em operação, sendo 2,3 GW na Espanha, 1,7 GW nos Estados Unidos, 0,53 GW em Marrocos, 0,5 GW na China e 0,5 GW na África do Sul. O restante está principalmente no Oriente Médio e Norte da África.
Um exemplo de usina CSP é a Cerro Dominador, empreendimento de grande porte inaugurado em junho de 2021 no deserto do Atacama, no Chile. Construído a 3 mil metros (m) de altitude, em uma área circular de mais de 700 hectares, o equivalente a 700 quarteirões, ele tem 10,6 mil heliostatos, espelhos ou conjunto de espelhos que podem girar para seguir a trajetória do Sol, refletindo a luz em direção ao topo de uma torre central de 252 m de altura. O receptor situado no alto da torre é aquecido a uma temperatura de 560 graus Celsius (°C), transformando sais fundidos (fluoreto, cloreto ou nitrato de sódio, entre outros) em um fluido usado para produzir vapor de água que aciona turbinas e geradores com capacidade para gerar 110 megawatts (MW). Cada heliostato tem cerca de 140 metros quadrados (m2) de superfície.
Com auxílio de uma estrutura fotovoltaica complementar, a planta chilena, pioneira na América Latina, alcança 210 MW, quantidade suficiente para abastecer 380 mil residências.
Fontes: Portal Solar, Cenário Solar, Aecweb.