O oceano tem um papel crucial no ciclo do carbono, atuando como um dos maiores sumidouros de dióxido de carbono (CO2) do planeta. Mediante processos biogeoquímicos, como a fotossíntese realizada por seres aquáticos, as águas absorvem o CO2 atmosférico, ajudando a mitigar os efeitos do aquecimento global. Microrganismos, incluindo vírus, colaboram com a interação das partículas no mar. Essa complexa relação entre as águas e o elemento químico tem implicações vitais no processo das mudanças climáticas.
Cientistas concentram esforços para compreender e utilizar os vírus presentes nos oceanos no combate às mudanças climáticas. Utilizando um vasto catálogo de microrganismos com DNA e RNA, eles identificaram agentes que podem ajudar a reter dióxido de carbono na água do mar e evitar a fuga de metano do solo ártico.
A análise, liderada pela Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos (EUA), combinou dados de sequência genômica com inteligência artificial para identificar vírus oceânicos que “roubam” genes de outros micróbios, incluindo aqueles envolvidos no sequestro do carbono. A abordagem, apresentada na Associação Americana para o Avanço da Ciência, revelou 340 vias metabólicas conhecidas em todos os oceanos. Dessas, 128 foram identificadas nos genomas dos vírus que habitam esses ambientes aquáticos.
Tecnologia aliada
Matthew Sullivan, professor de microbiologia e diretor do Centro de Ciência do Microbioma da Universidade Estadual de Ohio, disse que se surpreendeu com a quantidade de microrganismos identificados. Ele lidera uma equipe que utiliza esses dados para desenvolver modelos visando prever como os vírus podem ser usados para o microbioma oceânico reter mais carbono.
“A modelagem metabólica comunitária está me dizendo os dados dos sonhos: quais vírus têm como alvo as vias metabólicas mais importantes, e isso é relevante porque significa que eles são boas alavancas para serem acionadas”, reforça.
Conforme o cientista, o CO2 é absorvido como gás e sua conversão em carbono orgânico é guiada por micróbios. “O que estamos vendo agora é que os vírus têm como alvo as reações mais importantes no metabolismo dessas comunidades microbianas. Isso significa que podemos começar a investigar quais vírus poderiam ser usados para converter carbono no tipo que desejamos.”
Giovanni Monteiro Ribeiro, biomédico, mestre em microbiologia e imunologia e professor no centro universitário Uniceplac, detalha que o grupo de pesquisa utilizou uma estratégia chamada metagenômica ambiental. “Os genes são procurados e sequenciados diretamente do ambiente. É como arremessar uma grande rede ao mar para capturar genes, não se sabe o que virá. Depois da pesca você identifica e seleciona o que serve. A inteligência artificial é muito utilizada nessa área, pois os pesquisadores sequenciam milhares, às vezes, milhões, de segmentos de DNA com uma só amostra.”
Lizia Lenza Campos, professora da Uniceplac e doutora em agricultura tropical com ênfase em microbiologia do solo, destaca que o papel dos microrganismos no meio ambiente está longe de se esgotar. “O desenvolvimento de novas ferramentas biotecnológicas permite a abertura de novos horizontes. É nesse caminhar que poderemos interferir de maneira positiva na pegada ecológica que deixamos no ambiente, usando os microrganismos como aliados. Se os oceanos são nossa grande reserva produtora de oxigênio, porque não é também o nosso maior local de sequestro de carbono?”, questiona.
Mergulhando ainda mais fundo nas águas salgadas, cientistas da Universidade da Califórnia Santa Bárbara, nos EUA, descobriram que bacias marinhas anóxicas — regiões nos oceanos onde há uma falta significativa de oxigênio dissolvido na água — podem ser uma solução promissora para o sequestro de carbono, minimizando os impactos negativos na vida marinha. Para alcançar as metas climáticas, ambientalistas exploram formas de reduzir os níveis do gás na atmosfera, considerando o envio de biomassa vegetal ao fundo do mar.
Segundo o pesquisador Morgan Ravel, o armazenamento de carbono no fundo do mar surge como uma opção promissora, em que o gás ficaria retido por centenas ou milhares de anos. Apesar de a análise ser antiga, ainda há incertezas em torno da abordagem. Questões sobre como a introdução de material vegetal afetam a química e ecologia das áreas, e como garantir que os produtos da decomposição não escapem para habitats sensíveis, destacam a necessidade de uma avaliação cuidadosa.
As bacias marinhas anóxicas surgem como candidatas promissoras devido à sua profundidade e afastamento, tornando-as ideais para abrigar a matéria vegetal. Todavia, elas não são iguais. Os investigadores escolheram três áreas para examinar propriedades diferentes, na busca para verificar onde o armazenamento de biomassa poderia ser melhor realizado: o Mar Negro na Europa Oriental, a Bacia de Cariaco perto da Venezuela e a Bacia de Orca no Golfo do México (EUA).
Entre as regiões examinadas, o Mar Negro se destaca como a melhor opção devido ao isolamento e à capacidade de conter biomassa em escalas relevantes para o clima global. “O que é legal no Mar Negro é que ele é tão restrito que fica em grande parte isolado do resto do oceano”, afirmou Raven. “E assim tem sido gradualmente, ficando cada vez mais anóxico, especialmente recentemente, desde que os humanos despejaram nele um monte de fertilizantes no último século.”
Futuro promissor
Nélida Delamoriae, bióloga e microbiologista, coordenadora do setor de Microbiologia do Hidrolabor, da Universidade de Lavras, em Minas Gerais, enfatiza que o sequestro de carbono é um grande desafio, visto que os eventos de liberação extra do gás na atmosfera ultrapassam a capacidade de fixação.
“Nos resta aproveitar eventos naturais que promovam o aumento do sequestro do carbono. As bacias marinhas anóxicas revelam inúmeras vantagens. Essas áreas têm capacidade de preservar a matéria orgânica depositada no fundo do mar, evitando a decomposição e liberação de carbono na atmosfera sem muito esforço.”
No entanto, há muitos desafios associados ao uso de bacias marinhas anóxicas. “Como viabilidade técnica, custos, impactos ambientais, riscos de vazamento, escala e capacidade limitadas e a aceitação pública.”
Fonte: BBC, Correio Brazilience.
Foto: AFP.