A temporada de incêndios de 2024, que deixou recordes em área queimada no país e também em número de focos de incêndio, causou danos históricos também nas Unidades de Conservação (UCs) federais, terras sob gestão da União que sediam parques nacionais, áreas de proteção ambiental e reservas extrativistas, entre outras categorias.
Foram 2 milhões de hectares atingidos pelos incêndios, maior número da série histórica, que iniciou em 2012. A área é maior que todo o Estado de Israel. No top 5, estão dois parques nacionais, do Araguaia (1º) e do Pantanal Mato-grossense (3º). Entre os dois, ficou a Estação Ecológica da Serra do Tocantins, formando uma trinca que denota a paraça do fogo na região do Pantanal e do Cerrado.
A Amazônia não ficou para trás, sendo que as duas UCs seguintes em área queimada no ano passado estão no bioma: a Floresta Nacional de Roraima, e também a Reserva Biológica de Guaporé, em Rondônia. A plataforma de dados do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) abrange um total de 124 das 340 UCs federais.
“O ano de 2024 foi um ano atípico se considerarmos os últimos 20 anos, pois tivemos eventos de incêndios na região próxima ao Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense praticamente ao longo de todo o ano. Foram incêndios originados por raios ainda no verão 2023-2024 e que avançaram ao longo da estação seca”, comenta o chefe da UC, Nuno Rodrigues, analista do ICMBio.
As condições de muita seca deixaram o Pantanal com o maior risco de fogo desde 1980, e por isso mesmo, durante as chuvas o fogo conseguiu se alastrar pela vegetação ressecada e a turfa, matéria orgânica acumulada nos leitos de rios secos que serve como combustível para incêndios florestais no bioma.
“O incêndio mais intenso que atingiu o parque em 2024 foi originado por raios em outubro, com a chegada das primeiras chuvas e ocorrência de descargas elétricas, que é o regime natural do fogo na região. Porém, com o ambiente muito seco e com ocorrência de ondas de calor, períodos de estiagem e ventos muito fortes, houve propagação rápida no interior do parque”, relata Rodrigues. No quadro geral das UCs, os meses de setembro, outubro e novembro foram os de maior ocorrência de combate a incêndios.
O chefe do parque afirma que mesmo com a estrutura montada para combate aos incêndios, cerca de 52% da área da UC foi atingida por fogo em 2024. Em 2020, outro ano trágico para o bioma, mais de 85% do parque foi prejudicado pelas chamas.
Em outra Unidade de Conservação, a ESEC Serra Geral do Tocantins, os incêndios contrariaram uma rotina observada ao menos desde 2014 pelo chefe da UC, Marco Borges. Acostumado a monitorar um intervalo natural de dois anos para que uma mesma área voltasse a queimar, o analista do ICMBio viu 2024 repetir 2023 e a equipe foi pega de surpresa.
No mês de setembro, o fogo começou a ter um comportamento estranho, diferente do normal, e isso fez com que a gente perdesse [o controle] de alguns incêndios e tivéssemos um incêndio muito grande esse ano — Marco Borges, chefe da ESEC Serra Geral do Tocantins.
Reforços para Ibama e ICMBio
Em contato com Um Só Planeta, o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, que coordena o ICMBio, instituto público responsável pela gestão das UCs, destaca o avanço contra o desmatamento e a aprovação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo como peças para formar um 2025 diferente, junto a injeções de verba e planos de prevenção para cada um dos biomas.
No último dia 16, o Ibama anunciou o arrendamento de sete aeronaves “Koala” que devem auxiliar no combate aos incêndios, além da previsão de concurso público para 400 novos servidores para Ibama e ICMBio, uma das reivindicações da greve dos servidores ambientais no ano passado.
Após a reativação do PPCDAm (Planos de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) e do PPCerrado em 2023, em dezembro do ano passado foram colocados de pé os PPCaatinga e Pantanal. Este ano, espera-se lançar planos para Pampa e Mata Atlântica.
Olhando sob a perspectiva dos biomas para as UCs impactadas em 2024, o Cerrado foi onde houve dano maior. Foram 1 milhão de hectares queimados em Unidades de Conservação do bioma, quase dez vezes o território da cidade de São Paulo. Em seguida veio a Amazônia, com 780 mil hectares atingidos, ou 780 mil campos de futebol; Mata Atlântica (181 mil hectares); Pantanal (70 mil hectares); Caatinga (2.285 hectares). No Pampa, houve registros apenas de queimas controladas nas UCs, feitas justamente para prevenção de grandes incêndios florestais.
Fogo superou todas as barreiras de contenção
“Em 2024, tivemos um período de incidência do fogo muito maior. Desde 2021, quando assumi o parque, a gente nunca tinha lidado com uma operação que durasse tanto tempo, três meses. O Parque Nacional do Araguaia tem entre 550 e 560 mil hectares, e levantamento prévio indica 450 mil hectares atingidos pelo fogo. O grande prejuízo foi nas matas ciliares dos rios da unidade, áreas de transição para a Amazônia com matas muito bonitas”, afirma Lino Rocha, chefe do PARNA do Araguaia, UC federal com maior área atingida.
O analista do ICMBio conta ainda que outra região, a Mata do Mamão, onde se cogita até mesmo a presença de indígenas isolados, foi devastada. A UC se sobrepõe a duas terras indígenas, a Margem dos Javaés e a Margem do Araguaia, do povo Karajá.
A Unidade de Conservação é alvo de invasões, seja para criação de gado, e também pesca ilegal, afirma Rocha, o que se soma às dificuldades de estrutura na infraestrutura do ICMBio. Ainda assim houve uma equipe de 200 brigadistas dedicada ao combate os incêndios, porém com carência de apoio aéreo. Com a defasagem, a barreira de contenção de fogo criada para conter grandes incêndios de setembro não deram conta de enfrentar sozinhas a paraça das chamas, segundo o gestor.
Fonte: Um Só Planeta.
Foto: © CBMGO/Divulgação.