Centenas de tênis da Nike estão surgindo em praias europeias e caribenhas, levadas por corrente marítimas e cobertas por mistério. Intrigados, os cientistas buscam compreender o que tem levado os objetos a surgir em ilhas e praias de locais tão diferentes, que vão das Bahamas à Irlanda, França, Portugal e Escócia.
O fenômeno começou a ser notado em 2018, quando vários calçados começaram a aparecer nos Açores, território ultramarino de Portugal no Oceano Atlântico. Chinelos, tênis e mais pareciam ter sido perdidos por pessoas que ali passavam, até se notar serem da mesma marca, terem o mesmo estilo e até compartilharem a mesma data de fabricação: além disso, não mostravam nenhuma marca de uso.
Quando o mesmo ocorreu na Cornualha, Reino Unido, a 2.000 km dos Açores sete meses depois, um padrão começou a se formar: Bahamas, Bermudas, Escócia e França — calçados levados pela maré começaram a aparecer em algumas praias de todos esses países. E tudo parecia se originar de um mesmo navio: o Maersk Shanghai.Correntes marítimas e microplásticos
Correntes marítimas e microplásticos
Em 2018, o Maersk Shanghai, navio de 324 metros de comprimento com capacidade para mais de 10 mil contêineres, passou por uma tempestade na costa da Carolina do Norte, Estados Unidos, perdendo uma pilha de contâineres da carga que levava. Apesar de alguns deles terem sido encontrados boiando, sete afundaram. Embora não seja possível afirmar que todos os calçados tenham vindo desse carregamento, alguns dos exemplares foram confirmados como parte da carga do navio.
O impacto de incidentes como esse é grande, dizem especialistas: Lauren Eyles, da Sociedade de Conservação Marinha, diz que não importa se a carga estiver no fundo do mar ou na praia, será prejudicial à vida marinha. Os sapatos liberam microplásticos, que, ao longo dos anos, vão infectando toda a sorte de criaturas que vivem no mar. Cerca de 10 milhões de toneladas de plástico acabam no oceano todos os anos.
Estimativas do World Shipping Council, representante da indústria de transporte marítimo internacional, afirmam que dos 218 milhões de contêineres transportados anualmente, cerca de mil acabam caindo no mar. Mas alguns especialistas creem que o número possa ser ainda maior.
Curtis Ebbesmeyer, oceanógrafo que ajudou a Nike a limpar um carregamento nos anos 1990, estima a quantidade de calçados no mar. Segundo ele, um contêiner consegue carregar até 10 mil tênis. Com 70 contêineres cheios deles, estima-se que 700 mil sapatos estão espalhados pelo oceano.
Apesar do impacto no ambiente, acontecimentos assim ajudam os cientistas a entender o fluxo dos oceanos e correntes marítimas. A partir de onde e quando os sapatos aparecem, segundo Ebbesmeyer, é possível verificar o quão rápido as correntes estão se movendo. Percorrendo metade do caminho dos EUA até o Reino Unido, serão precisos três anos para percorrer o Atlântico Norte. É o período orbital típico, diz ele.
E o formato dos calçados ainda parece indicar onde irão parar: tênis do pé esquerdo e do pé direito flutuam com orientação diferente com base no vento, os levando para praias diferentes. O oceanógrafo afirma demorar cerca de 30, 40 ou até 50 anos para que o oceano se livre desses objetos. Ele acredita que mais poderia ser feito para evitar incidentes como esses.
De quem é a responsabilidade?
Atualmente, as empresas só precisam relatar a perda de contêineres se houver potencial de prejudicar outros navios ou no caso de carregar substâncias consideradas prejudiciais ao ambiente marinho, como produtos químicos ou tóxicos. Embora a Sociedade de Conservação Marinha entenda que o plástico já seja prejudicial o suficiente, as empresas discordam — e acreditam que as pessoas irão simplesmente se esquecer de incidentes assim.
A Organização Marítima Internacional, órgão das Nações Unidas dedicado à regulação da navegação, reconhece a necessidade de fazer mais para identificar e comunicar contêineres perdidos, e diz ter adotado um plano de ação para lidar com o plástico que os navios deixam cair no mar. Mas quem limpa as praias crê que a solução não é simples — e que as companhias de navegação devem ser responsabilizadas, o que simplesmente não tem acontecido.
Fontes: BBC, Canalteh.