Novo Relatório do IPCC é ‘Atlas do Sofrimento Humano’ pelas Mudanças Climáticas, diz Chefe da ONU.

Em um relatório publicado nesta segunda-feira (28/02), o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU alerta que ações urgentes são necessárias para lidar com os riscos trazidos pelas mudanças climáticas.

O documento alerta que, para evitar a perda crescente de vidas, biodiversidade e infraestrutura, é necessária uma ação ambiciosa e acelerada para se adaptar às mudanças climáticas, com cortes rápidos em emissões de gases de efeitos estufa.

Observando que quase metade da população mundial já está vulnerável a impactos climáticos cada vez mais perigosos, o relatório pede uma ação drástica em grande escala: de um terço a metade do planeta precisa ser conservado agora para garantir o abastecimento futuro de alimentos e água doce. As cidades costeiras precisam de planos para manter as pessoas a salvo de tempestades e aumento do nível do mar.

Em seu novo relatório, a entidade, que reúne 270 cientistas de 67 países, alerta para secas, inundações, ondas de calor, incêndios, insegurança alimentar, escassez de água, doenças, aumento do nível das águas e mais

“Este relatório é um alerta terrível sobre as consequências da inação”, declarou Hoesung Lee, presidente do IPCC.

“O relatório do IPCC de hoje é um atlas do sofrimento humano e uma acusação condenatória de liderança climática fracassada”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, em comunicado”.

O relatório de 3.675 páginas é o mais recente de uma série do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que detalha o consenso global sobre ciência climática. Este relatório, no entanto, concentra-se em como a natureza e as sociedades estão sendo afetadas e o que elas podem fazer para se adaptar.

Autoridades britânicas, espanholas e egípcias disseram que o relatório é um chamado à ação. O enviado climático dos EUA, John Kerry, lamentou que muito pouco tenha sido feito para se adaptar às mudanças climáticas e disse que o relatório oferece um “plano de ação”.

“Negação e atraso não são estratégias, são uma receita para o desastre”, disse Kerry em comunicado.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que a mudança climática ameaçaria ainda mais a estabilidade global e local. “Sabemos dos riscos significativos que as mudanças climáticas representam para nossa saúde e segurança, e sabemos que o clima desempenha um papel decisivo na formação da trajetória de paz e prosperidade no mundo”, disse.

Em quase todos os aspectos, o relatório deixa claro que as mudanças climáticas estão impactando o mundo muito mais rápido do que os cientistas haviam previsto. Enquanto isso, os países não conseguiram conter as emissões de carbono que aquecem o planeta, que continuam a aumentar.

“A poluição de carbono descontrolada está paraçando os mais vulneráveis do mundo em uma marcha à destruição”, disse Guterres em um discurso em vídeo . “Os fatos são inegáveis. Essa abdicação da liderança é criminosa.”

Segundo o documento, as crianças de hoje, se ainda estiverem vivas no ano de 2100, vão passar por quatro vezes mais extremos climáticos do que passam agora, mesmo se houver apenas mais alguns décimos de grau de aquecimento na temperatura do planeta.

Já se as temperaturas aumentarem por volta de 2º C, elas verão cinco vezes mais inundações, tempestades, secas e ondas de calor do que agora, alertam os cientistas.

Com cada 0,1º C de aquecimento, mais pessoas morrem de estresse por calor, problemas cardíacos e pulmonares por calor e poluição do ar, doenças infecciosas, doenças causadas por mosquitos e fome, dizem os autores. Se o mundo aquecer apenas mais 0,9º C a partir de agora a quantidade de terra queimada por incêndios florestais em todo o mundo aumentará em 35%.

Segundo o relatório, até 2050, um bilhão de pessoas enfrentarão o risco de inundações costeiras devido à elevação do nível do mar. Mais pessoas serão paraçadas a deixar suas casas devido a desastres climáticos, especialmente inundações, aumento do nível do mar e ciclones tropicais.

“As mudanças climáticas estão matando pessoas”, disse a coautora Helen Adams, do King’s College London. “Sim, as coisas estão ruins, mas na verdade o futuro depende de nós, não do clima.”

O relatório lista perigos crescentes para pessoas, plantas, animais, ecossistemas e economias, e destaca pessoas sendo deslocadas de suas casas, lugares se tornando inabitáveis, número de espécies diminuindo, corais desaparecendo, gelo derretendo e aumentando o nível do mar e oceanos cada vez mais ácidos e pobres em oxigênio.

Segundo o documento, pelo menos 3,3 bilhões de pessoas “são altamente vulneráveis às mudanças climáticas” e 15 vezes mais propensas a morrer por condições climáticas extremas.

“Este relatório é uma luz vermelha piscando, um grande alarme para onde estamos hoje. Pela primeira vez, o IPCC fala explicitamente da preocupação com os impactos humanitários das mudanças climáticas que já ocorrem hoje”, declarou Maarten van Aalst, diretor do Centro Climático da Cruz Vermelha Internacional e coordenador do relatório.

O sofrimento é ainda maior para as populações mais frágeis, como os povos autóctones ou pobres, afirmou o IPCC, mas também afeta os países ricos,  como ocorreu no ano passado, com as inundações na Alemanha e os incêndios devastadores nos Estados Unidos.

“De acordo com este relatório, o financiamento acessível é uma barreira fundamental, e buscaremos finanças públicas dedicadas nas negociações internacionais, tanto para a adaptação, como para enfrentar perdas e danos”, completou.

O financiamento para enfrentar as mudanças climáticas é uma grande questão para países menos desenvolvidos. Em 2009, países ricos prometeram pagar aos mais pobres U$S 100 bilhões (cerca de R$ 516 bilhões) por ano, até 2020, para ajudá-los a se adaptar às mudanças e mitigar os efeitos dela. Isso não foi alcançado.

O copresidente do grupo do IPCC que preparou o documento, Hans-Otto Pörtner, lembrou que o relatório não pode ser ofuscado pela invasão russa da Ucrânia. O aquecimento do planeta “nos persegue, ignorá-lo não é uma alternativa”, declarou à AFP.

Embora os governos precisem reduzir drasticamente suas emissões para evitar o aquecimento global descontrolado, eles também podem trabalhar para limitar o sofrimento adaptando-se às condições de um mundo mais quente, diz o relatório.

Isso exigirá muito dinheiro para financiar novas tecnologias e apoio institucional. As cidades podem investir em áreas de resfriamento para ajudar as pessoas durante as ondas de calor. As comunidades costeiras podem precisar de novas infraestruturas ou de se mudarem completamente.

“Em termos de adaptação transformacional, podemos planejá-la e implementá-la agora, ou será imposta sobre nós pelas mudanças climáticas”, disse Kristina Dahl, da Union of Concerned Scientists, que não esteve envolvida na redação do relatório.

Mas em alguns casos, reconhece o relatório, os custos de adaptação serão muito altos.

A divulgação do relatório três meses após os líderes globais se reunirem em uma cúpula climática em Glasgow, na Escócia, destacou a urgência dos esforços para conter o aquecimento global em 1,5 graus Celsius em relação às temperaturas pré-industriais.

Romper esse limite causará danos irreversíveis ao planeta, diz. E cada incremento de aquecimento causará mais dor.

“A adaptação não é um cartão de saída da prisão. Há limites para a adaptação”, disse Maarten van Aalst, diretor do Centro Climático da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e co-autor do relatório.

Limitar o aquecimento global a cerca de 1,5°C pode não evitar perdas para a natureza, sociedades ou economias, mas irá reduzi-las substancialmente, diz o relatório.

Tendo já aquecido 1,1°C, espera-se que o planeta atinja o limite de 1,5°C dentro de duas décadas.

“Nossa atmosfera hoje está em esteróides, dopada por combustíveis fósseis. Isso já está levando a eventos climáticos extremos mais fortes, mais longos e mais frequentes”, disse Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial.

As sociedades não conseguirão se ajustar bem a um mundo em aquecimento se não forem socialmente inclusivas ao lidar com a tarefa, alerta o relatório. As soluções precisam considerar a justiça social e incluir populações indígenas, minorias e pobres, diz.

No fim do ano passado, na COP26 em Glasgow, o mundo prometeu acelerar a luta contra o aquecimento global e reforçar as ambições para a COP27 – programada para ocorrer no Egito em novembro.

“Não nos esqueçamos de uma coisa: estamos todos no mesmo barco”, afirmou o ex-primeiro-ministro de Tuvalu, Enele Sopoaga. “Ou conseguimos flutuar ou afundamos e todos nos afogamos”, acrescentou o ex-governante da pequena ilha no Oceano Pacífico.

Fontes: BBC News, WRI Brasil, ((0))eco, G1, Greenpeace, Olhar DigitaL, Infomoney.