Por que Europa enfrenta onda de calor recorde, com incêndios e mortes?

Climatologistas alertam que o calor e o frio extremo serão sentidos cada vez mais frequentemente em todo o planeta — e em particular nas grandes áreas continentais, presentes no Hemisfério Norte.

António Guterres, secretário-geral da ONU, comparou a emergência climática a um “suicídio coletivo”. A fala, a autoridades de 40 países reunidas em Berlim nesta segunda-feira (18), se deu em meio a ondas de calor e incêndios florestais na Europa que são uma lembrança nada sutil do problema.

Na França, por exemplo, termômetros em Nantes chegaram pela primeira vez na história a 42°C. Em Portugal, incêndios queimaram metade da cidade de Murça, onde um casal de idosos tentando fugir foi encontrado morto em um carro carbonizado. No Reino Unido, segundo o serviço meteorológico estatal, a terça (19) terá “temperaturas subindo muito rapidamente depois de uma noite bastante quente e desconfortável”.

Já em Portugal e na Espanha, até agora, mais de mil pessoas morreram por causa do calor e locais mais ao sul, como Espanha e Portugal seguiram sofrendo com incêndios florestais severos.

Em outras partes da Europa, a onda de calor também continou a causar estragos. Recordes de temperatura eram esperados para partes da Bélgica e da Alemanha.

Na Itália, um deles começou na noite de segunda nas colinas de Massarosa, na Toscana, e, com a paraça dos ventos, queimaram mais de 365 hectares em questão de horas. Outros chegaram a áreas próximas a Roma, Milão e Trieste. Moradores de uma região montanhosa próxima a Atenas, na Grécia, foram retirados de casa por causa do fogo.

Em abril, a Índia e o Paquistão passaram por uma onda de calor que chegou a registrar temperaturas de quase 50ºC.

“Metade da humanidade vive em zonas de perigo de inundações, secas, tempestades extremas e incêndios florestais”, afirmou Guterres, segundo relato do jornal britânico The Guardian. “Mas continuamos alimentando nosso vício em combustíveis fósseis; nós temos uma escolha: a ação coletiva ou o suicídio coletivo.”

Marcelo Seluchi, doutor em meteorologia e coordenador-geral de operações e modelagem do Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), explica que a causa dessas temperaturas extremas registradas na Europa é uma área de alta pressão atmosférica (situação de bloqueio) muito intensa e que está estagnada há vários dias.

O especialista explica que as ondas de calor são fenômenos naturais do planeta e já existiam antes das mudanças climáticas. Por outro lado, as evidências científicas — classificadas como “alto grau de confiança” — dizem que os eventos extremos vão se repetir cada vez mais.

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) aponta que o aumento da frequência, duração e intensidade desses eventos nas últimas décadas está claramente ligado ao aquecimento observado do planeta e pode ser atribuído à atividade humana.

As temperaturas médias mundiais aumentaram um pouco mais de 1°C além dos níveis pré-industrialização, no século 19.

Um grau pode não parecer muita coisa. Mas este é o período mais quente da história dos últimos 125 mil anos, de acordo com o órgão de ciência climática da ONU, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Já se sabe o que está por trás disso — as emissões de gases de efeito estufa causadas pela queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, que retêm o calor em nossa atmosfera. Eles contribuem para aumentar a concentração de dióxido de carbono para os níveis mais altos em 2 milhões de anos, de acordo com o IPCC.

“A mudança climática já influenciou a probabilidade de extremos de temperatura no Reino Unido. As chances de ver 40ºC no Reino Unido podem ser até 10 vezes mais prováveis no clima atual do que sob um clima natural não afetado pela influência humana”, afirmou Nikos Christidis, cientista climático do Met Office.

“O maior aquecimento deve ocorrer no Hemisfério Norte e nas áreas continentais. Exatamente onde está ocorrendo essa onda de calor. Está dentro do que se espera de um cenário de mudanças climáticas”, afirma Seluchi.

Além disso, um outro fator que influencia para a criação dos eventos extremos é o aquecimento dos polos. Em março deste ano, a Antártica e o Ártico registraram recordes de temperatura na mesma semana — os extremos da Terra apresentaram um calor pelo menos 30ºC maior do que a média para o período.

“Isso significa que a diferença de temperatura entre o polo e o Equador vai diminuir, porque vai aquecer mais as altitudes altas. Neste cenário, os ventos de oeste se tornam mais fracos, porém ganham paraça os ventos de norte e de sul que levam ondas de calor e ondas de frio”, explica o especialista.

A Comissão Europeia, em relatório divulgado nesta segunda, alertou para o fato de que metade do território da UE corre o risco de seca devido à falta de chuvas. França, Romênia, Espanha, Portugal e Itália provavelmente terão queda na produtividade agrícola, disse o Executivo do bloco.​

“Evidentemente é um equívoco achar que essa onda de calor é um processo local da Europa. Nós temos tido eventos de calor extremo acontecendo em todos os locais do mundo, especialmente durante os períodos de verão dos respectivos hemisférios”, diz o cientista do clima e professor da UECE (Universidade Estadual do Ceará) Alexandre Costa.

No ano passado no Brasil, situações incomuns foram relacionadas à mudança climática por especialistas: uma tempestade de areia no interior paulista, a maior enchente já registrada no Rio Negro (AM) e capitais sob céu escuro em plena tarde por causa da fumaça de um incêndio na Amazônia.

Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que o semiárido brasileiro, que engloba boa parte do Nordeste e o norte de Minas Gerais, já enfrenta secas mais intensas e temperaturas mais altas, o que está acelerando o processo de desertificação.

Alexandre Costa afirma que a recente tragédia das chuvas em Pernambuco, também sentidas em diferentes estados do Brasil, seca no Pantanal no exemplos do que ainda está por vir.

Acrescentando aos lamentos, o papa Francisco pediu nesta quinta-feira (21/07) aos líderes mundiais que prestem atenção ao “coro de gritos de angústia” da Terra, decorrente das mudanças climáticas, condições climáticas extremas e perda de biodiversidade.

Francisco disse que os países ricos têm uma “dívida ecológica”, porque causaram a maior parte da poluição ambiental nos últimos dois séculos, prejudicando a “música” da natureza.

Por outro lado, as nações menos ricas não estariam isentas de suas responsabilidades: “É necessário todos agirem, com decisão. Estamos chegando a um ponto de ruptura”.

“Tragicamente, essa doce canção é acompanhada por um grito de angústia. Ou melhor ainda: um coro de gritos de angústia. Em primeiro lugar, é nossa irmã, mãe Terra, que grita. Vítima de nossos excessos consumistas, ela chora e implora que acabemos com nossos abusos e com a destruição dela.” O papa, que em 2015 publicou uma grande encíclica sobre proteção ambiental, disse que a Conferência de Biodiversidade da ONU (COP15), que será realizada no Canadá em dezembro, seria uma grande oportunidade para um acordo visando deter a destruição de ecossistemas e a extinção de espécies.

Fontes: BBC, G1, Folha SP, Ambiente Brasil.