A energia nuclear saiu fortalecida por meio de anúncios e acordos bilaterais durante a Cúpula do Clima, a COP-29, em Baku, no Azerbaijão. Falou-se até em um “renascimento” após anos de estagnação. Estados Unidos, Reino Unido e Ucrânia estão entre as nações que têm defendido o avanço dessa tecnologia como opção sustentável em meio à transição energética para longe dos combustíveis fósseis.
O tema tem ganhado mais espaço desde a COP-28, em Dubai, no ano passado, quando 25 países se comprometeram a triplicar a produção desse tipo de energia até 2050, em relação a 2020. Em Baku, mais seis nações anunciaram adesão.
Se cumprido, o compromisso significaria uma fatia de cerca de 25% da produção de energia mundial (hoje está perto de 10.
Em resposta, um grupo de cientistas e organizações não governamentais se reuniu e fez duras criticas a expansão da energia nuclear. Uma das ressalvas é a necessidade de alto investimento em relação a opções eólicas e fotovoltaicas.
Os críticos também consideram a alternativa como insegura e de demorada implementação diante da emergência climática. Nesse cenário, algumas usinas chegaram a ser fechadas nos últimos anos no Japão e na Alemanha, por exemplo, assim como se decidiu pelo veto à abertura de novas, como na Suíça.
Os signatários desde o ano passado em expansão da energia nuclear são: Estados Unidos, Armênia, Bulgária, Canadá, Croácia, República Tcheca, Finlândia, França, Gana, Hungria, Jamaica, Japão, Coreia do Sul, Moldávia, Mongólia, Marrocos, Holanda, Polônia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Suécia, Ucrânia, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido.
Já os novos adeptos anunciados durante a COP-29 são Cazaquistão, El Salvador, Nigéria, Turquia, Quênia e Kosovo. Embora seja uma tecnologia principalmente adotada por países ricos, o modelo tem chamado a atenção também de nações em desenvolvimento. Não há sinalização de que o Brasil se tornará signatário.
No Brasil, a energia nuclear representa cerca de 1% da matriz energética, com as duas usinas em operação em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, onde o Ministério de Minas e Energia defende a conclusão de uma terceira após anos de obra parada. O país renovou o acordo de cooperação nuclear com os Estados Unidos em setembro, mantido desde 1976, o qual pode facilitar a manutenção das estações atuais e até uma expansão.
Também na COP-28, o mesmo balanço global que indicou o distanciamento gradual da exploração de combustíveis fósseis mencionou a energia nuclear como alternativa de energia limpa. Essa inclusão foi celebrada na época como um reconhecimento histórico, embora tenha obtido muito menos projeção do que o anúncio que envolvia reduzir o uso de carvão, petróleo e gás.
Isso ocorre anos após o desastre nuclear de Fukushima, em 2011, marco na tendência de enfraquecimento da tecnologia, após a liberação de radiação para o ambiente. Além disso, a guerra na Ucrânia trouxe novo temor de contaminações após ataques da Rússia próximos a usinas.
Já os defensores apontam que modelos nucleares seriam necessários para dar mais segurança energética e estabilidade à cadeia de produção, por não estar ligada ao clima (como a eólica, a hidrelétrica e fotovoltaica). A Ucrânia tem, inclusive, defendido que ajudaria a enfraquecer as exportações de combustíveis fósseis pela Rússia.
O tema foi o principal de diversos painéis e outras atividades na conferência climática, realizados por associações do setor, governos e até um evento da presidência da COP com a Agência Internacional de Energia Atômica (ligada à ONU).
Entre os anúncios nesta conferência, estão novas usinas na Ucrânia, com apoio americano, e um acordo entre Estados Unidos e Reino Unido. “A tecnologia nuclear avançada ajudará a descarbonizar a indústria ao fornecer calor e energia de baixo carbono, apoiando novos empregos e investimentos aqui”, declarou Ed Miliband, secretário de Energia britânico nesta semana..
Neste mês, o governo de Joe Biden publicou um relatório com orientações gerais sobre a expansão de energia nuclear, com a afirmação de que a tecnologia chegou a uma “nova era”. “Expandir a energia nuclear é um ponto chave para evitar os piores impactos das mudanças climáticas e ajudar o país a chegar ao carbono neutro”, diz o documento.
Segundo relatório anual da Agência Internacional de Energia Atômica, ao menos 413 estações de energia nuclear operam atualmente em pelo menos 31 países. A organização tem defendido na COP que a ampliação de usinas reduziria significativamente as emissões de carbono.
O que disseram defensores e críticos na COP?
Para o Vladimir Slivak, da Ecodefense, a difusão da energia nuclear é uma armadilha especialmente para países em desenvolvimento, pois é cara, com retorno demorado (pode ultrapassar 10 anos) e dependente de uma pequena cadeia de fornecedores. “Depende de tecnologias muito específicas daquelas companhias que fizeram aqueles reatores”, justificou. O físico Bimal Khadka ressaltou que coloca as comunidades do entorno em risco.
Diretora da Earthlife Africa, Makoma Lekalakala também criticou. “Não é um combustível de transição. E não pode ser parte do que vemos como solução”, resumiu. Já Deve Sweeney, da Federação Australiana de Conservação, argumentou que os países têm melhores alternativas, renováveis e limpas. “Somos abençoados com diversas fontes naturais”, apontou.
Em outro painel, Michael Goff, vice-secretário adjunto de Energia Nuclear dos Estados Unidos, defendeu parcerias internacionais para a expansão da tecnologia. “Precisamos de mais países”, afirmou.
Vice-ministro de Clima e Energia da Holanda, Michel Hejidra, argumentou que não há motivo para rivalizar a energia nuclear com as fontes renováveis. “As renováveis são baratas e fáceis de instalar, mas precisamos de algo estável. E a energia nuclear é uma opção certa para descarbonizar o sistema”, concluiu.
Já o secretário do Ministério do Clima e Ambiente da Suécia, Daniel Westlen, salientou que há uma tendência mundial após “décadas de luta”. “Não há por que a energia nuclear ser excluída”, disse, embora admita “desafios”, especialmente em relação a riscos financeiros por causa dos investimentos necessários para implementação e manutenção.
Fonte: Estadão.
Foto: Bertrand Guay/AFP.