Quais as chances de encontrar uma onça na Amazônia?

Histórias de pessoas sendo atacadas por onças estão na boca do povo no interior da Amazônia. Não são raros os ribeirinhos, assentados, quilombolas e indígenas que tenham algum caso para contar. Com as facilidades atuais de compartilhamento de informações por aplicativos como o WhatsApp, por exemplo, os relatos se espalham e tomam ares de fatos consumados. Mas até que ponto são verdadeiros? Para tirar isso a limpo, a engenheira florestal Fabrícia Reges, fez um amplo levantamento dos casos comprovados em 68 anos, de 1950 a 2018.

O estudo, o primeiro do gênero, foi feito para sua dissertação de mestrado, apresentada na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e que está para ser publicada como artigo científico, constatou que nesse período houve 64 ataques comprovados de onças a humano, uma média de 0,94 por ano. Outros 13, não datados, ocorreram antes de 1950. “São raros, mas não tanto quanto se pensava”, diz Reges. “Para comparação, os ataques de leopardo (29,91/ano), tigres (18,80/ano), leões (16,79/ano) e pumas (1,88/ano) na América do Norte são bem mais frequentes.”

Ela resolveu fazer o levantamento para tentar entender os conflitos entre humanos e onças na Amazônia. “Ataque desse felino é um tema polêmico e pouco explorado na ciência brasileira, mas muito comentado no interior da Amazônia”, explica. “Na região, sempre alguém tem uma ‘estória’ para contar. Hoje, com a facilidade de compartilhamento de informações, esse tema se tornou recorrente, sendo espalhadas muitas notícias falsas sobre ataques de onças.”

De acordo com Reges, são comuns imagens replicadas, às vezes até a mesma, que renasce como uma fênix, cada uma em um lugar diferente, causando medo nas pessoas. “Então, com a ajuda de dois pesquisadores, que também estudaram onças na Amazônia, realizamos o levantamento de casos de ataques comprovados”, conta. “Nós buscávamos saber se elas realmente podem atacar seres humanos, dimensionar os ataques e entender um padrão dos motivos de o felino agir assim.”

Além disso, os pesquisadores analisaram quais fatores de riscos humanos e ecológicos influenciaram nos ataques de onças-pintadas e onças-pardas a seres humanos. “As principais vítimas foram homens, adultos, desacompanhados e que estavam caçando em área rural durante o dia”, revela Reges. “Menos de 4% dos ataques ocorreram por onças-pardas. Vinte e nove casos foram classificados como provocados pela própria pessoa e 30 foram classificados como não provocados.”

As informações sobre os ataques foram cedidas pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CENAP/ICMBio). Além disso, também foram coletadas de noticiários, e as fontes e a veracidade foram validadas. Essas informações compõem o banco de dados do projeto Observatório de Imprensa, Avistamento e Ataques de Onças (OIAA Onça).

A pesquisadora diz que medidas podem ser tomadas para reduzir o número de óbitos. “Obtendo maior conhecimento sobre o comportamento humano e das onças, para que ocorram menos mortes de ambos”, assegura. Ela própria já tomou algumas medidas. Entre elas a criação de guias de coexistência com onças em áreas remotas para o público em geral.

“Hoje, realizo palestras e workshops educativos em institutos, universidades e empresas públicas e privadas sobre encontros com onças, o que fazer e o que não fazer ao avistar um desses felinos”, conta. “Também falo sobre os mitos que existem e o que pode levar uma onça a atacar, para levar conhecimento e mostrar que o medo da população é muito maior do que a chance de um ataque.”

Além disso, no projeto, os pesquisadores desenvolveram o aplicativo de ciência cidadã OIAA ONÇA, capaz de dar suporte em campo no registro fotográfico de avistamentos e de ataques, visando ampliar o conhecimento dos carnívoros silvestres brasileiros e auxiliar o órgão de gestão federal CENAP/ICMBio na mitigação de conflitos entre animais de criação e silvestres. “O projeto visa atender distintos usuários, tais como produtores rurais, extensionistas, protetores de animais, pesquisadores de campo e amantes da natureza.”

Fonte: Um Só Planeta.

Foto: Jami Tarris/GettyImages.