Resíduos plásticos podem virar fonte de combustível?

Os depósitos de lixo plástico podem ser os campos de petróleo do futuro, segundo Erwin Reisner, professor de energia e sustentabilidade na Universidade de Cambridge, em entrevista à BBC. “Efetivamente, o plástico é outra forma de combustível fóssil. É rico em energia e em composição química, que queremos desbloquear.” O problema é que as ligações químicas que compõem os plásticos são feitas para durar, conforme mostra este estudo americano, e, das sete bilhões de toneladas já criadas, menos de 10% foram recicladas, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

“Nossa economia extrativista significa bilhões de dólares em materiais valiosos perdidos”, avalia Dilyana Mihaylova, gerente do programa de plásticos da Fundação Ellen MacArthur. Dados mostram que mais de 400 milhões de toneladas de plástico são produzidas todos os anos no mundo — que é mais ou menos o mesmo peso de toda a humanidade! Hoje, cerca de 85% deles acaba em aterros sanitários ou se perde no meio ambiente, onde vai permanecer por centenas de anos, talvez milhares.

Esse cenário está estimulando a busca pela melhor maneira de quebrar essas ligações químicas e recuperar os recursos da Terra que estão presos no plástico. A reciclagem mecânica, onde os resíduos são lavados, triturados, derretidos e reformados, degrada o plástico ao longo do tempo e pode resultar em produtos de qualidade inconsistente, o que leva a indústria de plásticos a se interessar pela reciclagem química — aqui, são usados aditivos para alterar a estrutura dos resíduos plásticos, transformando-os novamente em substâncias que podem ser usadas como matérias-primas, talvez para fazer combustível como gasolina e diesel.

Essa abordagem, porém, ainda é cara e ineficiente, segundo artigo da Universidade de Harvard, e tem sido criticada por grupos ambientalistas — um relatório de pesquisa do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (NRDC) identificou que a maioria das usinas de reciclagem química nos Estados Unidos não está realmente reciclando plástico, mas convertendo-o em um combustível sujo que produz lixo tóxico em comunidades de baixa renda.

“Portanto, assim como não podemos reciclar para sair da crise de poluição por plásticos, também não podemos confiar em processos de transformação de plásticos em combustível para resolver o problema”, avalia Mihaylova. Uma das soluções pode estar em um novo sistema movido a energia solar, desenvolvido pelo professor Reisner e sua equipe.

O processo, publicado na revista Nature, pode converter dois fluxos de resíduos — plástico e gás carbônico — em dois produtos químicos ao mesmo tempo, ambos alimentados pela luz do Sol. A tecnologia transforma CO2 e plástico em gás de síntese, o principal componente de combustíveis sustentáveis, como o hidrogênio, e produz ácido glicólico, muito utilizado na indústria de cosméticos.

O sistema funciona integrando catalisadores (compostos químicos que aceleram uma reação química) em um absorvedor de luz. O professor explica que o processo funciona em temperatura e pressão ambientes e que as reações acontecem automaticamente quando existe exposição à luz solar. “A química é limpa”, diz ele, garantindo que o processo não produz resíduos nocivos.

Existem outras tecnologias movidas a energia solar que prometem combater a poluição plástica e converter dióxido de carbono, mas esta é a primeira vez que elas são unidas em um único processo. “A combinação dos dois significa que agregamos valor ao processo. Agora temos quatro fluxos de valor — a mitigação de resíduos plásticos, a mitigação de CO2 e a produção de dois produtos químicos valiosos. Esperamos que isso nos aproxime da comercialização”, diz Reisner.

Segundo a pesquisa, o sistema pode lidar com resíduos de plástico não recicláveis. “Normalmente, o plástico contaminado com restos de comida vai para a incineração, mas esse plástico é muito bom para nós. Na verdade, a comida é um bom substrato, então faz nosso processo funcionar melhor”, explica o professor.

Pesquisadores de todo o mundo estão procurando maneiras de transformar o plástico indesejado em algo útil. Quando decompostos, os elementos do plástico podem ser refeitos em uma variedade de novos produtos, incluindo detergentes, lubrificantes, tintas, solventes e compostos biodegradáveis para uso em aplicações biomédicas. A natureza também encontrou maneiras de quebrar os polímeros, e o plástico é um polímero sintético.

“Já existem bactérias por aí que possuem enzimas projetadas para quebrar [polímeros]. Podemos ajustar essas enzimas alterando ligeiramente a estrutura delas para torná-las mais rápidas, mais firmes ou estáveis”, diz Victoria Bemmer, pesquisadora sênior da Universidade de Portsmouth.

Usando aprendizado de máquina (machine learning), ela e a equipe desenvolveram variantes de enzimas adaptadas para desconstruir todas as variedades de tereftalato de polietileno (PET), um tipo de poliéster. As enzimas quebram o plástico de maneira semelhante à reciclagem química, segundo Bemmer, mas, por serem semelhantes às enzimas encontradas na natureza, o processo pode ser feito em “condições muito mais benignas”.

A equipe espera que suas enzimas reduzam o PET em resíduos têxteis a uma sopa de blocos de construção simples, prontos para serem transformados em novos poliésteres. “Estamos em um estágio muito inicial. Ainda não sabemos se os corantes e aditivos desses tecidos vão inibir a ação das enzimas na cadeia do poliéster. Esperamos que não tenham impacto e possamos seguir em frente, mas se o fizerem, podemos desenvolver nossas enzimas ainda mais”, diz Bemmer.

A produção mundial de plástico continua a aumentar e deve triplicar até 2060, segundo o relatório “Perspectivas globais de plásticos: cenários de políticas para 2060” , da Organização para Economia Cooperação e Desenvolvimento (OECD). Para muitos, a reciclagem continua sendo o foco na resolução do problema, mas alguns argumentam que ela nunca será suficiente, devido à grande diversidade de tipos plásticos e problemas municipais com infraestrutura e logística. Na Austrália, por exemplo, o REDcycle, maior programa de reciclagem de plástico macio (que inclui sacolinhas), foi suspenso depois que se descobriu que pilhas de resíduos estavam há meses armazenadas em vez de terem sido enviadas a empresas de reciclagem.

De volta a Cambridge, a equipe do professor Reisner está dando “passos de bebê na direção” da comercialização. Eles planejam desenvolver o sistema nos próximos cinco anos para produzir produtos mais complexos e esperam que um dia a técnica possa ser usada para desenvolver uma usina de reciclagem totalmente movida a energia solar. Cerca de 600 milhões de toneladas de gás de síntese já são produzidas todos os anos, diz o pesquisador, mas são em grande parte proveniente de combustíveis fósseis. “Se pudermos produzir gás de síntese, podemos acessar quase toda a indústria petroquímica e torná-la sustentável”. Isso sim é uma boa notícia!

Fonte: Um Só Planeta.

Imagem: Pixabay.