Mais de 700 zonas mortas foram identificadas nos oceanos pelo mundo, e outras 200 estão desfalecendo por baixíssimo nível de oxigênio na água. Nesses locais, a maior parte da vida morre ou foge – formando desertos biológicos, a situação mais crítica do desequilíbrio ecossistêmico. Além dos prejuízos para a biodiversidade, as zonas mortas afetam a saúde e a economia de comunidades costeiras, que vivem de pesca e turismo.
Os dados são de um amplo estudo da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, uma organização especializada em pesquisas científicas com sede na Suíça e atividade em 160 países. O nome técnico do fenômeno é hipóxia, e ele pode ocorrer naturalmente, mas aumenta pelo despejo de esgoto não tratado, que contém produtos químicos domésticos e resíduos de medicamentos e drogas; efluentes de indústrias; rejeitos da agropecuária e partículas de poluentes urbanos. Mineração subaquática, derramamentos de petróleo e navios que despejam resíduos clandestinamente também originam manchas avistadas por satélite, reveladas pelo grupo ambientalista SkyTruth.
Ricos em nitrogênio e fósforo – elementos químicos mais utilizados em fertilizantes na agricultura –, esses detritos provocam o rápido crescimento de algas. Com o excesso desses macronutrientes, as algas morrem, afundam e se decompõem, um processo que consome ainda mais oxigênio, desequilibrando o ecossistema. O aquecimento da temperatura média do planeta piora a situação, já que águas mais quentes retêm menos oxigênio.
No Brasil, existem pelo menos 11 zonas mortas, quase o dobro do mapeado há 15 anos. A capital carioca concentra a maioria delas: as famosas Lagoa Rodrigo de Freitas e Baía de Guanabara estão sendo revitalizadas. Áreas com baixíssimo nível de oxigênio foram identificadas na Bacia do Pina, em Recife, Pernambuco; na Baía de Vitória, no Espírito Santo; e em duas lagoas conectadas ao mar: a da Conceição, em Florianópolis, Santa Catarina, e a dos Patos, no Rio Grande do Sul. Em países mais ricos, o problema é mapeado com detalhes sobre o percentual de responsabilidade de cada fonte poluidora, mas no Brasil as informações aparecem quando já é tarde demais. “Infelizmente, só mortandade de peixe gera comoção na sociedade, o estágio mais agudo de uma situação que vem se agravando há décadas”, resumiu o oceanógrafo Alexander Turra, da USP, a uma reportagem do Um Só Planeta.
Quase metade da população não tem acesso a saneamento básico e, além disso, o país lança todos os dias em rios, córregos, solo e mares um volume de esgoto não tratado equivalente a 5.622 piscinas olímpicas cheias, de acordo com o Instituto Trata Brasil. O Marco Legal do Saneamento Básico, que atualizou a lei e suas regulamentações, abriu espaço para investimentos que prometem universalizar o serviço até 2033. A Aegea, patrocinadora de Um Só Planeta, vai investir ao todo R$ 24 bilhões para ampliar o sistema de coleta e tratamento nas Zonas Sul, Norte e Centro do Rio de Janeiro e em 12 cidades, por meio de sua concessionária Águas do Rio.
A empresa começou substituindo e duplicando o número de bombas da estação de tratamento de esgoto da Lagoa Rodrigo de Freitas. Na Baixada Fluminense, vai construir cinturões nas cidades conectadas à Baía de Guanabara. “Enquanto ligamos as redes de esgoto, vamos melhorando a qualidade da baía. As primeiras ações rapidamente ajudaram a devolver vida ao local, e reapareceram peixes e crustáceos”, explica Édison Carlos, diretor de sustentabilidade da Aegea e presidente do Instituto Aegea. A natureza se regenerou em menos de dois anos nos focos de eutrofização (queda do índice de oxigênio) que recebiam esgoto. Em todo o mundo, o gerenciamento de nutrientes e carga orgânica é a estratégia usada para recuperar 70 zonas mortas.
No maior estuário dos Estados Unidos, a Baía de Chesapeake, na Virgínia, o baixo teor de oxigênio persiste há cerca de 70 anos. Atualmente, a atividade pesqueira local, que fatura US$ 1,4 bilhão por ano, está ameaçada. Entre 2000 e 2023, US$ 90 bilhões em incentivos foram pouco eficazes para que os agricultores americanos colaborassem na conservação, o que inclui tratar os efluentes. Um grupo de especialistas diz que os governos locais deveriam estabelecer limites toleráveis de poluentes e pagar aos agricultores por desempenho, com base em resultados ambientais mensurados. Técnicas que evitam aplicar fertilizantes em excesso, como a agricultura de precisão, e o plantio de espécies que atuam como filtros naturais permitem que menos químicos cheguem às águas, evitando o aumento de zonas mortas.
Pesquisadores dos Estados Unidos e da Suécia conduzem estudos para compreender peixes que conseguiram sobreviver a ambientes com pouquíssimo oxigênio, no intuito de desenvolver uma inteligência artificial capaz de prever áreas sujeitas à agravação do problema. De qualquer forma, é preciso limpar as toxinas, por exemplo, com a biorremediação que o uso de organismos e plantas metabolizam ou acumulam os poluentes. Cientistas da startup Lillianah atuam na costa do Golfo do México, estimulando processos naturais de remoção de carbono e excesso de nutrientes em zonas mortas e áreas de acidificação. De acordo com a empresa, a tecnologia é efetiva e custa cerca de 500 a mil vezes menos do que a captura direta de CO2 por ar.
Para especialistas em sustentabilidade, não faltam soluções para combater a poluição dos mares e das águas em geral, mas sim investimentos em inovação tecnológica e vontade política. Como cerca de metade do oxigênio consumido na Terra é produzido nos oceanos, mantê-los vivos é condição básica para a existência das próximas gerações – e da nossa.
Fonte: Um Só Planeta.
Foto: Getty images.