A estranha razão pela qual pássaros estão migrando para cidades

Um grande número de aves migratórias visita cidades de todo o mundo em suas jornadas extraordinárias, que geralmente cobrem milhares de quilômetros. Nem sempre é óbvio por que elas vão para locais urbanos. Algumas parecem ser atraídas pela luz; outras parecem gostar da comida oferecida. Mas as cidades nem sempre são amigáveis ​​com os forasteiros.

O número de animais que não completam a jornada é alto. Algumas aves migratórias, por exemplo, são mortas por gatos domésticos, enquanto outras colidem com prédios.

Milhares de pássaros morrem todos os anos somente em Nova York quando colidem com as janelas iluminadas dos arranha-céus, um problema bem conhecido nas megacidades. Mais recentemente, um bando de pássaros foi filmado caindo do céu em uma rua na cidade de Chihuahua, no noroeste do México. Infelizmente, durante a revoada muitos deles morreram.

E, no entanto, os cientistas estão descobrindo que as cidades, embora perigosas, às vezes podem ajudar a sustentar espécies migratórias. Então, como podemos garantir que as cidades funcionem mais como alojamentos de viagem – e não armadilhas mortais – para essas espécies?

Qualquer ave que pouse em um parque urbano poderá encontrar essas recompensas, mas o que traz os pássaros para uma metrópole agitada como aquela? Poderá, em grande parte, ser algo relacionado com a luz, segundo Barbara Frei do departamento do governo canadense responsável pelo meio ambiente e mudanças climáticas, chamado Environment and Climate Change Canada.

Não se sabe exatamente por que os pássaros são atraídos pelas luzes artificiais à noite, mas existem amplas evidências a respeito. Uma possibilidade, segundo Frei, é que as aves – que usam as luzes das estrelas e outros fenômenos para navegar – sejam naturalmente atraídas pelos pontos de luz.

Estudos centenários

Mais de 100 anos atrás, o anatomista e ornitólogo irlandês Charles Patten foi trabalhar em um farol no litoral da Irlanda, onde observou esse fenômeno ao vivo. Segundo seus relatos, revoadas alucinantes de pássaros migratórios voavam em direção ao farol e, infelizmente, batiam em suas janelas.

Muitas dessas aves morriam, o que permitiu que Patten as recolhesse e estudasse. Porém, naquela época, as fontes de luz artificial muito brilhante eram pouco comuns, enquanto hoje a luz elétrica é visível à noite em praticamente todos os lugares.

Muitos milhões, talvez até bilhões, de aves migratórias morrem como resultado desse fenômeno todos os anos. Os edifícios mais altos e brilhantes situados ao longo de rotas conhecidas dos voos migratórios são provavelmente os mais mortais. Pesquisas indicam, por exemplo, que o enorme centro de convenções McCormick Place em Chicago, nos Estados Unidos, causou a morte de até 11.567 pássaros entre 2000 e 2020.

“Muitas das luzes realmente não são necessárias”, afirma Frank La Sorte, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, ao referir-se à iluminação urbana em geral. “É um exagero”.

Desligar mais luzes à noite durante a migração das aves poderá salvar a vida de milhares de pássaros, segundo ele. Um estudo publicado em 2021 estimou que, se a metade das luzes de McCormick Place para desligada na primavera e no outono, a mortalidade das aves poderá ser reduzida em cerca de 60%.

A atração das aves migratórias pelas luzes urbanas provavelmente não é exclusiva das cidades grandes. Simon Gillings, da organização British Trust para Ornithology, vive em Cambridge, no Reino Unido – uma cidade com apenas 130 mil habitantes. Seu edifício mais alto, a torre da biblioteca da Universidade de Cambridge, tem menos de 50 metros de altura. “É muito diferente de Manhattan”, admite ele.

Gillings queria descobrir se mesmo uma pequena cidade como Cambridge seria um farol emissor de luz significativo, atraindo aves migratórias à noite. Ele e diversos voluntários instalaram gravadores de som nos seus jardins durante o outono de 2019 e juntos gravaram milhares de horas de áudio noturno.

Gillings afirma que nossa primeira medida deveria ser reduzir as luzes emitidas em áreas urbanas, para evitar atrair desnecessariamente espécies como o sabiá-ruivo e o tordo-comum para as cidades durante a sua migração.

Ele sugere que as pessoas poderiam fazer com que as luzes de segurança sejam viradas para baixo, por exemplo, ou que as ciclovias sejam iluminadas apenas com luzes mais fracas. Outra pesquisa indica que a luz vermelha pode ser menos atrativa para os pássaros durante a migração.

Dentre os muitos pássaros pequenos que migram por enormes distâncias todos os anos no continente americano, encontram-se algumas espécies de mariquitas, como a mariquita-de-asa-amarela e a mariquita-de-coroa-ruiva. Algumas aves dessas espécies cruzam toda a América do Norte, até chegarem ao México.

Quando o pesquisador Jorge Schondube e o estudante de doutorado Rodrigo Pacheco-Muñoz, que estudam ecologia na Universidade Nacional Autônoma do México, começaram a marcar e registrar as mariquitas em diversos locais na cidade mexicana de Morélia e em suas proximidades, eles rapidamente descobriram algo inesperado.

As aves capturadas por eles em áreas verdes na cidade eram tão saudáveis, em termos de massa do corpo, condições das penas e quantidade de parasitas, quanto os pássaros da mesma espécie capturados em locais fora da área urbana, incluindo em um parque nacional próximo a Morélia.

Schondube afirma que ficou surpreso com o sucesso das mariquitas nas áreas urbanizadas. “Por muito tempo, pensei que esses pássaros estavam indo morrer”. Mas agora ficou comprovado que isso não é verdade.

Como as aves parecem tão satisfeitas entre as árvores das cidades, os dois pesquisadores argumentam que fornecer cobertura arbórea adequada poderá ajudar a acomodar aves migratórias que decidam ingressar nas áreas urbanas. Eles indicam que muito dificilmente encontram as mariquitas em espaços urbanos com menos verde, o que também pode indicar a importância dos parques como abrigo.

Mas os abrigos também podem tornar-se armadilhas, adverte Frances Bonier, da Universidade Queen’s em Ontário, no Canadá. Um espaço verde urbano poderá atrair os pássaros, mas não fornecer realmente todos os recursos de que eles precisam quando estão procriando, por exemplo. Isso é conhecido como armadilha ecológica.

Poluição luminosa

Simon Gillings acrescenta que, embora a oferta de árvores e telhados verdes em uma cidade seja benéfica para algumas aves, outras espécies precisam de pântanos ou grandes e densas florestas para prosperar de verdade. E ainda outras dependem de áreas costeiras preservadas e assim por diante.

Seria um erro pensar que podemos compensar a destruição desses habitats tornando as cidades um pouco mais verdes. Afinal, essas espécies específicas que dependem da rica diversidade de habitats do mundo são as que enfrentam maior risco.

Com essa advertência significativa em mente, mantém-se a importância de garantir que as cidades sejam acolhedoras para a vida selvagem, segundo Barbara Frei.

As rotas de migração das aves trazem-nas, por acaso, para perto de muitas cidades em todo o mundo e nossas luzes brilhantes as chamam para entrar. Frei propõe que o planejamento urbano leve isso em consideração.

Os projetistas de novos parques ou zonas residenciais poderão incluir, por exemplo, um pouco de vegetação apropriada para os pássaros e outras espécies.

“Deveríamos planejar para todos em conjunto – para que seja bom para as pessoas, bom para o planeta e bom para a vida selvagem”, afirma ela.

Pacheco-Muñoz concorda. As cidades parecem ser a antítese da natureza, mas não precisam ser assim porque, na verdade, elas já estão cheias de verde. E, como agora ficou claro, elas atraem muitas espécies migratórias.

“Precisamos pensar nas cidades como ecossistemas”, afirma Pacheco-Muñoz. “Se pensarmos assim, seremos os mestres desse ecossistema – e podemos decidir como administrar o local”.

Fonte: BBC, Ambiente Brasil, Headtopics, Um Só Planeta.