Já ouviu falar em Ciência Cidadã?

Ampliar o acesso às informações de base científica e ao processo de produção de conhecimento científico nunca foi tão importante para subsidiar a tomada de decisão sobre questões críticas como mudança climática, saúde global ou crise dos valores democráticos. Uma compreensão mais profunda e ampla de como a ciência funciona é central no combate à desinformação e às notícias falsas.

Uma das estratégias para aproximar a ciência da sociedade é a adoção de abordagens de pesquisa transdisciplinares, a exemplo da “Ciência Cidadã”, que permite, ao mesmo tempo, avançar a ciência e encorajar o engajamento democrático, ajudando as pessoas a lidar racionalmente com problemas modernos e complexos relacionados à sustentabilidade.

Na década de 90, o termo “Ciência Cidadã” foi cunhado quase simultaneamente pelo cientista social Alan Irwin e pelo ornitólogo Rick Booney para designar diferentes aspectos do envolvimento do público com a ciência. Alan Irwin usou o termo para falar sobre uma “Ciência Democrática”, enfatizando a responsabilidade da ciência para com a sociedade; já Rick Bonney o utilizou para descrever projetos em que o público se envolve ativamente na investigação científica e na conservação ambiental, “Ciência Participativa”.

Desde os anos 2000, impulsionadas pelos movimentos de ciência aberta, as iniciativas de ciência cidadã têm crescido bastante, inicialmente centradas na expansão da coleta de dados científicos por acadêmicos, grupos comunitários e organizações não governamentais, mas, a partir da integração das visões do Irwin e do Bonney, ao longo dos últimos anos a ciência cidadã tem incorporado mais perspectivas de interação com a sociedade.

Quando adequadamente projetada, realizada e avaliada, a ciência cidadã pode não apenas gerar, de forma eficiente, sólido conhecimento e dados de alta qualidade e ajudar a resolver problemas, mas também contribuir para aumentar o engajamento do público nos desafios da conservação da biodiversidade e ecossistemas.

É exatamente nessa abordagem integrada entre ciência e mobilização da sociedade que a Organização das Nações Unidas (ONU) está apostando para a “Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável”, lançada em abril, e que vai de 2021 a 2030. E a demonstração prática do resultado positivo dessa fórmula está no estudo “Monitoramento Participativo – Uma Abordagem de Ciência Cidadã para Ambientes Costeiros”.

O projeto “Ciência Cidadã para Comunidades Tradicionais do Litoral na Adaptação às Mudanças Climáticas” busca engajar as comunidades tradicionais e locais na região costeira do Brasil, a fim de compartilhar suas histórias e memórias sobre os impactos e adaptação às mudanças climáticas globais. Por meio de uma abordagem de ciência cidadã participativa, propõe o uso de plataformas e aplicativos digitais para coletar e amplificar as vozes de comunidades tradicionais costeiras em distintos contextos sociais e geográficos do Brasil.

A ciência cidadã constitui uma alternativa ao conceito clássico de Smart Cities. Utilizando tecnologia acessível e apoiados por uma consciência coletiva cada vez mais difundida sobre a necessidade de combater as mudanças climáticas em escala local, os projetos oferecem vantagens não totalmente exploradas pelas principais metrópoles do mundo. Dublin (Irlanda) está comprometida com essas iniciativas para reduzir sua pegada de carbono, sensibilizando o público e promovendo auditorias da sociedade civil para alcançar os objetivos de neutralidade ambiental. O conceito refere-se à participação cidadã em atividades de pesquisa científica quando contribuem ativamente para a ciência, seja por meio de seu suporte intelectual, do conhecimento que fornecem ou por meio de ferramentas e recursos específicos. Cada vez mais comum em planos de pesquisa e inovação, essa variante tem assumido um papel de destaque entre os neologismos da moda.

Seja com o objetivo de aproximar a ciência dos cidadãos ou usá-la para tornar os resultados da pesquisa mais robustos, aplicando-a a um ambiente real, essa tendência veio para ficar. Assim, há cada vez mais projetos desse tipo. Os defensores dessa corrente explicam que não se trata de gastar mais recursos públicos, mas de gastá-los melhor.

A possibilidade de materializar a luta contra as alterações climáticas à escala local fornece informações muito valiosas para as autoridades públicas locais e contribui para a sensibilização das comunidades.

Entre os principais precursores aplicados ao desenho de políticas públicas está a Comissão Europeia, que, através dos seus programas de apoio à investigação Horizon, pretende dar forma a um corpus que sirva para melhorar a qualidade de vida e o impacto climático das cidades. O mais proeminente é Dublin.

A iniciativa iSCAPE, cujo objetivo foi desenvolver uma estratégia de controle e redução da poluição atmosférica, aproveitou sistemas passivos de controle ambiental de baixo custo como árvores, sebes ou coberturas vegetais para reduzir o impacto ambiental. Para isso, distribuiu sensores a cidadãos voluntários para medir a qualidade do ar em diferentes partes de Dublin, a fim de adotar políticas de desenho urbano que mitiguem o CO² emitido, com base nos resultados fornecidos.

Esse foi o primeiro. Após essa ideia, vieram outras, como o Wecount, que mede o congestionamento do tráfego rodoviário e a poluição atmosférica associada em diferentes bairros de Dublin. Francesco Pilla, professor e pesquisador da University College Dublin e coordenador do plano, defende a necessidade de capacitar os cidadãos com ferramentas que lhes ofereçam dados concretos sobre o que acontece fora de suas casas, já que muitas vezes as pessoas têm opiniões fortes sobre problemas modernos e complexos relacionados à sustentabilidade.

As vantagens são múltiplas. Por um lado, eles treinam os moradores no uso de novas tecnologias para controlar a poluição do ar. Além disso, sendo uma emergência global cujas repercussões muitas vezes não conseguimos ver, a possibilidade de materializar o combate às alterações climáticas à escala local fornece informações muito valiosas para as autoridades públicas e também para a comunidade. e contribui para a sensibilização. Assim, esses projetos podem influenciar o desenho urbano de seus bairros e, por sua vez, podem promover espaços de colaboração com instituições.

A ciência cidadã consegue superar os limites tecnológicos e sociais existentes e envolve o habitante do lugar na gestão dos problemas ambientais que o cercam, transformando-o de mero sujeito passivo em agente ativo na tomada de decisões.

Também poderia fornecer novas soluções para alguns dos problemas habituais na gestão local, como poluição do ar, congestionamento, logística ou resíduos. Mais iniciativas como essas, de Dublin, são necessárias para combater as mudanças climáticas e melhorar a saúde de nossas cidades.

Fonte: El País, Um Só Planeta, Oeco.

 

395 Comments

  1. RMP said:

    A sociedade precisa urgentemente avançar na discriminação e perpetuação dessa ciência!

    22/01/2022

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