Quem olha para essa planta de aparência tropical, com caule suculento e folhas largas, verdes e brilhantes, pensa que se trata de uma bananeira comum, apenas sem os cachos da fruta paradisíaca. Ainda que pertença à mesma família musácea de nossa banana comestível, pois é parente próxima das espécies de banana mais comuns no mundo, a ensete (Ensete ventricosum) é muito mais que uma simples herbácea. Originária da Etiópia, a falsa banana, conhecida como banana da Abissínia e também como banana da Etiópia, oferece uma fibra muito usada pela população do sul do país, pois possui propriedades medicinais e é a base da alimentação de quase 10 milhões de pessoas que vivem na região, servindo, inclusive, para construir casas.
Em 1640, o padre português Jerônimo Lobo viajava pela antiga Abissínia e descreveu a ensete como “uma árvore peculiar do país”, que, quando preparada para comer, “lembrava o nabo.” A planta passou a ser chamada “árvore dos pobres”, embora fosse consumida também pelos ricos, e também “árvore contra a fome”, já que todos aqueles que plantavam a espécie não corriam o risco de não ter o que comer. O fruto da planta, semelhante à banana, não é comestível. Mas os caules e raízes podem ser usados para fazer mingau e pão. Com uma ensete no quintal, portanto, sempre haverá alimento.
Pesquisadores dizem que a planta Ensete ventricosum pode ser um salva-vidas diante das mudanças climáticas. A cultura dessa “banana falsa” tem potencial para alimentar mais de 100 milhões de pessoas em um mundo afetado pelo aquecimento global, diz um estudo publicado na revista Environmental Research Letters.
A ensete não é muito cultivada em outros locais. Pesquisas, no entanto, sugerem que a planta pode ser cultivada em uma área muito maior na África, porque outras espécies selvagens da mesma família, que não são consideradas comestíveis – crescem até o sul da África do Sul.
“Esta é uma cultura que pode desempenhar um papel muito importante na segurança alimentar e no desenvolvimento sustentável”, disse Wendawek Abebe, da Universidade Hawassa, em Awasa, Etiópia.
Usando pesquisas agrícolas e trabalho de modelagem, os cientistas previram o alcance potencial da ensete nas próximas quatro décadas. O pesquisador James Borrell, do Royal Botanic Gardens, no Reino Unido, disse que o plantio da ensete como uma colheita reserva para tempos de escassez de outros produtos, pode ajudar a aumentar a segurança alimentar. “Tem algumas características realmente incomuns que a tornam absolutamente única como cultura”, disse ele. “Você planta a qualquer hora, você colhe a qualquer hora e é perene. É por isso que a chamam de árvore contra a fome.”
Prevê-se que as alterações climáticas afetem seriamente os rendimentos e a distribuição das plantações no mundo e especialmente na África. Há, portanto, um interesse crescente em buscar novas plantas para alimentar o mundo, dada nossa dependência de algumas culturas básicas. Quase metade de todas as calorias que ingerimos vem de três espécies de alimento: arroz, trigo e milho.
A etnia Dorze vive nas montanhas, a 3.000 metros de altitude, a algumas dezenas de quilômetros de Arba Minch. A principal característica da comunidade são suas casas construídas a partir de bambu e “folhas de bananeira”, ou o que pensávamos ser uma bananeira. Chegando a atingir 10 metros de altura, apesar da aparência frágil, as cabanas podem durar até meio século.
Além de abrigar a (extensa) família etíope, a casa feita com folhas de banana tem espaço suficiente para acolher animais domésticos da família, como bezerros, cabras e bodes. Não há problema em conviver com os animais, pois, segundo o povo Dorze, estes ajudam a manter o calor no interior das casas. Vistas à distância, as cabaninhas parecem uma família de elefantes, tanto pela cor.
A Etiópia é um país rico em biodiversidade, com grande diversidade genética de culturas como cevada, milhete, sorgo, gergelim
, moringa ou linhaça, além de possuir espécies nativas como o tef e a ensete e é um importante centro de domesticação de culturas na África, lar do café e de muitas outras plantas domesticadas pelo homem. Relatos de exploradores do século 16 dão detalhes da riqueza do país e da beleza das montanhas cobertas por uma, então, vegetação exuberante.
No entanto, de acordo com o World Resource Institute, atualmente apenas 4% da vegetação nativa restou no país. Um dos motivos desse verdadeiro colapso foram os séculos de governos autoritários e exploratórios que obrigaram os agricultores a entregarem parte de suas produções e a pagar taxas abusivas à aristocracia da época. Essas medidas paraçaram a população a viver em situação de pobreza extrema, na qual as únicas alternativas eram avançar com a agricultura sobre as terras virgens e cortar a madeira das florestas para serem processadas e vendidas como carvão.
O livro publicado pelas universidades da Flórida e de Hawassa Ensete, The Tree Against Hunger, mostra que, no passado, a falsa banana espalhava-se por todo o território etíope, mas hoje é encontrada apenas na Região das Nações e Nacionalidades dos Povos do Sul da Etiópia (RNNPS) e em alguns lugares ao redor do lago Tana, nas montanhas Simien e no sul da Eritreia.
Variedades selvagens da ensete também podem ser encontradas na Ásia, em alguns países da África Subsaariana e em Madagascar. No entanto, apenas na Etiópia a planta foi domesticada em uma escala maior. Alguns historiadores e antropólogos acreditam que esse processo pode ter começado há cerca de 10 mil anos.
Durante a fome que atingiu o país em 1983 e 1984, as comunidades que cultivavam ensete em suas roças conseguiram superar com menos dificuldades os terríveis meses de seca. A planta é capaz de resistir a períodos de estiagem. Ao mesmo tempo, quando a chuva cai com violência, sua vasta folhagem ajuda a proteger o solo das enxurradas, evitando a perda de nutrientes e a consequente erosão.
Nos arredores de Hawassa, a capital da RNNPS, o cenário rural é composto pelos tradicionais tukuls, cabanas circulares de palha, nas quais a eletricidade ainda não chegou. Na região, todo tukul está sempre rodeado por uma plantação de falsa banana. Foi lá que aprendi a importância do kocho, alimento parecido a um pão produzido a partir da ensete e principal componente da dieta da região. “Comemos kocho de manhã, na hora do almoço e no jantar. Não podemos viver sem ensete”, diz Mikael Babe, agricultor de Boricha.
Para preparar o kocho, é preciso extrair a polpa do pseudocaule não lenhoso da falsa banana e enterrar a massa por cerca de 12 a 15 dias para que um processo de fermentação aconteça. Após esse período, o produto é retirado do buraco cavado no solo, hidratado, amassado e assado dentro de uma folha da própria ensete. O ritual vem se repetindo por muitas gerações.
Toda a produção de ensete é destinada ao consumo próprio local. Quando uma família está sem a planta, basta recorrer ao vizinho e pedir emprestados alguns caules, ou até mesmo encontrar a planta na feira local. Nessas regiões onde os agricultores vivem exclusivamente do que produzem, plantar os alimentos básicos é uma prioridade, principalmente quando se trata de áreas vulneráveis a períodos de seca e riscos de situações de fome, como é o caso da Etiópia e de outros países da África Subsaariana.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a ensete produz mais alimento do que a maioria dos cereais. Estima-se que uma plantação com 50 pés de falsa banana, ocupando apenas cerca de 300 metros quadrados, possa alimentar diariamente uma família de cinco a seis pessoas. Um simples pé de ensete rende, durante seu ciclo, cerca de 40 quilos de kocho.
Outro benefício da planta é que os campos de ensete são adubados por compostos orgânicos feitos a partir dos excrementos de animais domésticos. Esse procedimento contribui com a fertilidade do solo e ajuda a aumentar a capacidade da terra em absorver a água da chuva. Como o cultivo de ensete acaba melhorando a qualidade do solo, sua produção tem sido contínua por séculos a fio.
Para nós, ocidentais, não acostumados com comidas fermentadas, o kocho pode parecer pesado e de gosto estranho. Mas na zona rural de Hawassa, a polpa da ensete está presente todos os dias nos pratos dos camponeses.
Fonte: BBC, Época, Correio Brazilience.