A praia selvagem brasileira que virou ‘cemitério’ de lixo asiático

Espremida pelo Parque das Dunas, em Natal (RN), a praia do Segredo chama a atenção por sua beleza selvagem.

Mas, olhando mais de perto, revela-se outro segredo menos atraente: suas areias se transformaram em um “cemitério” de lixo asiático.

Em uma caminhada de poucos minutos pela praia em dezembro, a reportagem da BBC News Brasil encontrou dezenas de embalagens de produtos fabricados em países como China, Indonésia, Cingapura, Emirados Árabes Unidos, Malásia e Coreia do Sul.

Os itens mais comuns eram garrafas de bebidas não alcoólicas, produtos de limpeza e recipientes de óleo de motor.

Quase todas as embalagens eram de plástico, mas também havia algumas de lata, como um removedor de tinta.

Ladeada por imensas dunas, a praia do Segredo fica em uma região central de Natal, mas é menos frequentada do que outras praias mais urbanizadas da capital potiguar, como a de Ponta Negra.

Em alguns trechos, ela lembra uma praia deserta. No entardecer de uma terça-feira, embalagens com cores vivas se destacavam na praia em meio à areia clara e à vegetação de restinga.

Não havia apenas itens asiáticos entre as embalagens — também foram achados produtos fabricados no Brasil, nos Estados Unidos e em países africanos.

Qual a explicação?

Para Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em poluição marinha, a hipótese mais provável é o descarte de lixo por navios.

Segundo o Banco Mundial, o transporte marítimo responde por cerca de 90% do comércio global, e a Ásia abriga 20 dos 30 portos mais movimentados do mundo.

O lixo costuma ser descartado perto dos portos onde os navios vão atracar e chega às praias levado por correntes marítimas, diz o pesquisador.

Segundo Turra, o descarte de lixo por navios estrangeiros afeta grande parte do litoral brasileiro, mas é mais visível em praias remotas ou que não são limpas com frequência.

Problemas do lixo no mar

Alexander Turra diz que o lixo gera uma série de impactos nas praias e na vida marinha.

“Um deles é no turismo: quem vai querer visitar uma praia cheia de lixo?”

A poluição também ameaça animais que fiquem presos nas embalagens ou as engulam.

“Sem contar os prejuízos para a navegação, porque esses produtos danificam motores, hélices e sistemas de refrigeração.”

A degradação do lixo plástico em partículas minúsculas (microplástico) também cria riscos à saúde humana, uma vez que peixes que ingerem essas partículas podem ser consumidos por humanos.

Qual a solução?

Turra diz que, desde 1972, resoluções internacionais proíbem o descarte de lixo não orgânico no mar (já o descarte de lixo orgânico é permitido sob certas condições).

Ainda assim, segundo ele, muitos navios violam as regras — e por diferentes motivos.

O primeiro, diz o pesquisador, é que muitas embarcações ainda não separam o lixo orgânico do lixo plástico, descartando todos os resíduos no mar para evitar o mau cheiro.

O segundo é que, para recolher o lixo dos navios, os portos cobram uma taxa que varia conforme a quantidade do material coletado.

Muitos navios optam por jogar o lixo no mar para economizar no pagamento dessas taxas, segundo o pesquisador.

A solução, diz Turra, seria cobrar uma taxa fixa, que não dependesse da quantidade de lixo.

Outra medida seria fiscalizar e multar navios que não separem o lixo orgânico do não orgânico.

Quais os órgãos responsáveis no Brasil?

No Brasil, a missão de combater a poluição em praias e águas costeiras cabe a diferentes órgãos de governo.

O órgão responsável por definir diretrizes sobre taxas e tarifas em portos é a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), ao passo que a regulação do setor portuário está a cargo do Ministério de Portos e Aeroportos.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é o órgão federal responsável pela proteção ambiental em praias e zonas costeiras.

O Ibama não respondeu à BBC se adota medidas contra o descarte de lixo por navios, mas disse que “a competência para efetuar a limpeza rotineira das praias é municipal”.

“Considerando que Natal é uma cidade turística e bem estruturada administrativamente, essa manutenção deve ser realizada com a frequência necessária”, afirmou o órgão.

A BBC News Brasil então questionou a Secretaria do Meio Ambiente e Urbanismo de Natal – SEMURB sobre a frequência com que a praia do Segredo é limpa e se há outras iniciativas para combater o lixo estrangeiro em praias do município.

Mas o órgão não respondeu e sugeriu que as perguntas fossem feitas à Urbana, empresa responsável pela limpeza pública do município, que também não se pronunciou.

A Marinha, que tem a atribuição de fiscalizar navios em águas brasileiras, disse que “fiscaliza nossos mares e rios de forma ininterrupta e, quando toma conhecimento de infrações ambientais de sua competência, promove a instauração de processo administrativo ambiental, a fim de punir os infratores”.

Segundo a Marinha, mudanças legais no início dos anos 2000 ampliaram as punições para embarcações que poluam o mar, “com multas que podem chegar até R$ 50 milhões”.

Coordenação federal

Para a professora de Direito Marítimo Ingrid Zanella, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Ibama e a Marinha têm o dever de coordenar o combate à poluição marinha, articulando-se com órgãos municipais e estaduais competentes.

“A resposta deve ser conjunta, cada um dentro de suas atribuições, mas cabe aos órgãos da União ampliar a fiscalização e a punição aos infratores”, diz Zanella.

A professora diz que a poluição marinha é hoje tratada como prioridade por agências ambientais globais, mas que o Brasil ainda não dá ao tema a importância devida.

Ela reconhece, no entanto, que é complexo combater o descarte ilegal na costa brasileira.

“Temos uma costa enorme e dificuldade em identificar quais são os navios que estão descartando, mas precisamos buscar novas tecnologias para tentar rastrear esse lixo”, ela diz.

Fonte: BBC News.

Imagem: Daniel Arce-Lopez/BBC.

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