‘Agora ou nunca’: quatro conclusões alarmantes do relatório da ONU sobre o clima

A menos que as emissões globais de gases de efeito estufa atinjam o pico dentro de três anos e sejam reduzidas quase pela metade até 2030, impactos climáticos extremos provavelmente serão sentidos em todo o mundo, de acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da ONU.

Segundo o relatório Mudanças Climáticas 2022: Mitigação das Mudanças Climáticas, divulgado, se medidas urgentes não forem tomadas, a humanidade não conseguirá restringir o aquecimento a 1,5°C, o limiar que nos afasta de um futuro com mais incêndios, estiagens, tempestades e muito mais. Aos níveis atuais de crescimento, entretanto, as emissões de gases de efeito estufa provavelmente resultarão no dobro de aquecimento: aproximadamente 3,2°C até 2100.

Os gases de efeito estufa na atmosfera da Terra estão no nível mais elevado da história humana. As emissões dos gases tiveram uma redução drástica em 2020 por conta da pandemia, mas, em 2021, elas alcançaram ou até superaram o recorde de 2019, quando estiveram cerca de 12% acima das emissões de 2010 – e 54% acima das emissões de 1990, ano da publicação do primeiro relatório do IPCC.

Listamos aqui algumas das principais conclusões do relatório.

A energia limpa está cada vez mais barata

Para que haja alguma esperança de limitar o aquecimento a 1,5°C, o uso de carvão deve ser reduzido em 95% em todo o mundo e o consumo de petróleo e gás deve ser reduzido em 60% e 45%, respectivamente, até 2050. Felizmente, em muitas regiões, instalar novos sistemas de energia limpa é mais barato do que manter operações com combustíveis fósseis e, frequentemente, mais barato do que instalar novas plantas de combustíveis fósseis.

Entre 2010 e 2019, o custo da energia solar e das baterias de íons de lítio reduziu em média 85%, ao passo que o custo da energia eólica caiu 55%. Essas quedas permitiram uma implantação significativamente mais ampla dessas tecnologias: por exemplo, o uso de veículos elétricos aumentou 100 vezes na mesma década, e a energia solar agora é 10 vezes mais preponderante em todo o mundo, embora esses números variem muito de país para país e de região para região.

Política e resistência a mudanças são os principais obstáculos

Muitos países implementaram políticas que melhoraram a eficiência energética, reduziram as taxas de desmatamento ou aceleraram a implantação de tecnologias de energias limpas. Outros prometeram reduções nas emissões condizentes com o Acordo de Paris. No entanto, muitos países não têm metas suficientemente ambiciosas. Outros, que prometeram reduzir significativamente suas emissões, nem começaram a tomar as medidas necessárias.

“Alguns líderes governamentais e empresariais dizem uma coisa, mas fazem outra”, declarou Antonio Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, em resposta ao lançamento do relatório. “Simplificando, estão mentindo. E os resultados serão catastróficos.”

O relatório do IPCC argumenta que, “se houvesse apenas considerações tecnológicas e de custos, a redução das emissões para limitar o aquecimento a 1,5°C seria viável”. Os obstáculos são “a politicagem, as relações de poder e os interesses em manter a situação atual, que impedem políticas climáticas, como a eliminação gradual de combustíveis fósseis, incluindo campanhas de desinformação com o objetivo expresso de lançar dúvidas sobre a ciência climática”.

“É a primeira vez que há tanto destaque para a desinformação em um relatório do IPCC”, afirma Alexander Barron, professor assistente de ciência e política ambiental da Faculdade Smith, em Massachusetts, Estados Unidos. “Como cientista com atuação em políticas climáticas, venho notando que mensagens de ditos especialistas são amplificadas por grupos financiados pelo segmento de combustíveis fósseis; já soube de atores contratados para aparecer em reuniões comunitárias; a meu ver, não é exagero afirmar que há uma oposição ativa às medidas que precisam ser tomadas.”

Além disso, o relatório ressalta que o financiamento de energias renováveis “está muito aquém do que é necessário” e, aliás, continua ínfimo em comparação com os subsídios fornecidos aos combustíveis fósseis. O relatório conclui que a simples eliminação desses subsídios poderia reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 10% até 2030.

Reduções drásticas e aceleradas das emissões de metano são cruciais

Embora mais efêmero e menos abundante na atmosfera do que o dióxido de carbono, o metano é um gás de efeito estufa muito mais potente. Segundo previsões, ele representará 60% das emissões de gases de efeito estufa, excluindo o CO2, até meados deste século. Por durar menos na atmosfera, entretanto, cortes agudos dessas emissões podem reduzir rapidamente os efeitos sobre o aquecimento.

Uma das maneiras mais eficazes de reduzir esse gás é controlar as emissões furtivas – o metano que escapa para a atmosfera durante a extração e transporte de gás natural ou de poços de petróleo abandonados há muito tempo. O IPCC calcula que as emissões furtivas representam cerca de 32% do metano liberado na atmosfera globalmente e 6% de todas as emissões de gases de efeito estufa.

Remover CO2 será uma importante medida paliativa – com algumas ressalvas

Diante do avanço lento em direção à redução de gases de efeito estufa emitidos na atmosfera, o relatório argumenta que será vital, nesse ínterim, retirar parte do gás atualmente existente. Segundo algumas estimativas, 10 gigatoneladas de CO2 – mais do que a produção anual total dos Estados Unidos – precisarão ser extraídas da atmosfera a cada ano até meados deste século. Alguns dos métodos empregados para tal empreitada, entretanto, provavelmente possuem mais desvantagens possíveis do que outros.

“As medidas necessárias demoraram tanto para serem implementadas que não surpreende que alguns desses modelos recorram à retirada de dióxido de carbono, sobretudo se o objetivo para manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5°C”, explica Barron. “Em quase todos os cenários é muito mais fácil não emitir dióxido de carbono do que extrai-lo da atmosfera.

Mas há muitas sugestões na lista do relatório – como reflorestamento, aprimoramento do manejo florestal, melhores práticas agrícolas, proteção de ecossistemas costeiros – que captam naturalmente dióxido de carbono, favorecem a biodiversidade e meios de subsistência locais, e que provavelmente representam as medidas mais recomendáveis de qualquer forma. O problema é querer uma solução mágica por meio das tecnologias.”

Para esse fim, o relatório observa que algumas iniciativas de remoção de carbono – como florestamento (plantio de florestas onde antes não havia nenhuma) e conversão de terras para a produção de biocombustíveis – podem ter impactos negativos sobre a biodiversidade e meios de subsistência locais, ao passo que a fertilização oceânica (semear camadas superiores do oceano com nutrientes para promover o crescimento do plâncton) pode causar desequilíbrio no ecossistema e acidificação em águas mais profundas.

Para alcançar dois terços de probabilidade de manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C, conclui o relatório do IPCC, os modelos projetam que, entre 2022 e 2100, será necessário extrair entre 170 bilhões e 900 bilhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera, usando uma ou duas das tecnologias abaixo.

Na primeira, os Sistemas de Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (SBCAC), material vegetal é queimado em usinas de energia e o CO2 resultante é captado na chaminé e enterrado no subsolo – resultando em uma retirada líquida de CO2 da atmosfera. Na segunda, a Captura Direta de Ar (CDA), máquinas literalmente sugam o CO2 do ar por meio de uma reação química.

Ambas as tecnologias têm grandes desvantagens, segundo os críticos: plantios em quantidade suficiente para os sistemas SBCAC desviariam enormes extensões de terras agrícolas para a produção de biocombustíveis. E a CDA ainda é extremamente onerosa.

Urgente, mas não impossível

Considerando a divulgação do relatório como “um momento decisivo para o nosso planeta”, John Kerry, enviado especial para o clima do governo dos Estados Unidos, afirma que o documento revela que “atualmente estamos perdendo a batalha para evitar as piores consequências da crise climática”.

Contudo, acrescenta ele, “já existem as ferramentas necessárias para atingir nossos objetivos, reduzir as emissões de gases de efeito estufa pela metade até 2030, atingir zero emissão líquida até 2050 e garantir um planeta mais saudável e limpo”.

Apesar da urgência inerente às conclusões do relatório, Barron descarta presumir que, se as emissões de gases de efeito estufa continuarem em ascensão após 2025, a batalha estará basicamente perdida.

“Ainda que seja ultrapassado o aumento de 1,5°C, cada décimo de grau que se conseguir manter as temperaturas abaixo de 2°C permitirá uma redução imensa na quantidade de sofrimento humano”, aponta ele. “É necessário acelerar drasticamente as iniciativas em todas as frentes, e quanto mais demorarmos para tomar medidas, mais danos climáticos sucederão.”

“A maior incerteza no relatório do IPCC é o que será feito, e isso não está fora do nosso controle. Podemos escolher o caminho a ser seguido. A questão é até que ponto vai a convicção das pessoas.”

Fonte: National Geographic Brasil, Ambiente Brasil.