Apenas 15,5% das Áreas Costeiras do Mundo estão Intactas

Há quase cinquenta anos, desde a edição, em 1972, da Declaração das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (Carta de Estocolmo), episódios de degradação e desastres ambientais decorrentes da lógica de crescimento econômico a qualquer custo, continuam ocorrendo na maioria dos países, não importando a orientação político-ideológica de seus governantes.

Tal situação é agravada nos ambientes costeiros e marinhos, os quais se constituem como habitats da maioria dos organismos, incluindo os humanos, e que congregam a maior parte dos recursos naturais utilizados pelo homem.

A elevada concentração de recursos naturais tem funcionado como um motor para o surgimento e aprofundamento dos conflitos de interesses e de usos. As regiões costeiras e marinhas abrigam uma série de atividades econômicas e sociais que competem por espaço e recursos.

No mundo todo, o litoral é uma fonte importante de alimentos e renda, e parte crucial do ecossistema de muitos países. Mas, segundo um novo estudo desenvolvido na Universidade de Queensland, na Austrália, apenas 15,5 %  das áreas costeiras da Terra estão conservadas.

Publicada na revista científica Conservation Biology, a pesquisa mapeou regiões litorâneas ao redor do globo, por meio de dados de satélite, para identificar quais áreas foram muito danificadas e quais permaneceram intactas, analisando duas bases de dados: uma que mostra o impacto de ações humanas em terra, e outra que observava o mesmo impacto de uma perspectiva marítima.

Essa pesquisa baseia-se em trabalhos anteriores que analisaram as atividades humanas nos ecossistemas terrestres e marinhos. De acordo com The Guardian, foi descoberto que até 2013, último ano em que os dados foram atualizados, restava poucos litorais intactos, sobretudo em áreas afetadas pela pesca.

“Áreas costeiras contêm altos níveis de biodiversidade e são fundamentais para a sobrevivência de milhares de pessoas como fonte de alimentos e até proteção contra tempestades”, comenta a coautora Brooke Williams, do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade de Queensland, em um comunicado.

Segundo ela, o estudo mostra que o ritmo de degradação das áreas litorâneas representa uma grande ameaça não só para a natureza, mas também para milhares de pessoas que dependem do mar para sobreviver.

“Os resultados mostram que precisamos agir urgentemente se quisermos preservar os lugares que ainda estão intactos e restaurar as áreas altamente danificadas, especialmente se quisermos mitigar os efeitos da mudança climática”, alerta Williams.

Em todo o mundo, cerca de 15,5 % (aproximadamente 160 mil km) das áreas costeiras estão intactas. O restante apresenta áreas com algum tipo de impacto causado pela atividade humana, como pela pesca, ou pelas mudanças climáticas.

Desses 84,5% restantes, 14% estão com praticamente nenhuma área intacta, distribuídos em regiões costeiras de 26 países onde o impacto humano foi elevado, como em ilhas e arquipélagos (Singapura, Aruba e Dominica são alguns dos exemplos), mas também em regiões continentais de países da África e da Ásia.

A pesquisa constatou que dos 15,5 % de áreas costeiras que permanecem intactas atualmente, o Canadá é o país que melhor conseguiu preservar seu território. “Outras grandes áreas preservadas estão localizadas na Rússia, Groenlândia, Chile, Austrália”, elenca a pesquisadora.

Poucas são as zonas costeiras na Europa e em países asiáticos, como Vietnã, Índia e Singapura, que se encontram intactas; pelo contrário, registram altos níveis de degradação. O estudo também revela que regiões onde fauna e flora incluem ervas marinhas, cerrados e recifes de corais são as mais ameaçadas.

Já entre aqueles que possuem um impacto reduzido, com cerca de 60% a 80% da área intacta, estão Brasil, Chile, Austrália, Estados Unidos, Indonésia, Papua-Nova Guiné, Ilhas Malvinas e Ilhas Salomão.

Além disso, a pesquisa incluiu as áreas consideradas protegidas, que são geralmente parques ou demarcações territoriais com algum tipo de legislação que impedem a sua degradação. Em todo o mundo, 16,4% das regiões costeiras fazem parte dessa categoria, segundo os dados analisados do Banco de Dados Mundial de Áreas Protegidas (WDPA, na sigla em inglês).

Dados brasileiros analisados pelo estudo mostram que 26,82% do litoral brasileiro possuem áreas de proteção, enquanto em 68,5% do país as áreas costeiras apresentam menos de 20% de preservação.

Em locais onde há preservação terrestre e costeira, por exemplo no Parque Estadual Lagamar da Cananeia, no litoral sul de São Paulo, a área costeira é quase 100% preservada, com baixo impacto humano.

Brooke Williams explicou que como a maior parte da população mundial vive em regiões costeiras, as pressões sobre esses ecossistemas podem assumir várias formas e ocorrer tanto em terra como no mar. “O nosso estudo defende a restauração da região costeira com bastante urgência”, salientou, acrescentando que a situação não tem melhorado desde 2013.

Para a pesquisadora Amelia Wenger, que também participou do estudo, o resultado traz mais clareza de quais são os próximos passos para resolver o problema. “Já sabemos da importância de proteger a biodiversidade e ecossistemas nas regiões litorâneas. Mas dimensionar a rapidez e o quanto a devastação tem se espalhado é esclarecedor”, diz ela.

“Estamos alertando governos e responsáveis por essas áreas a proteger as regiões que permanecem conservadas, enquanto restauram as que foram degradadas. Acreditamos que nossa base de dados será vital para conseguirmos avançar nessas ações, e é por esse motivo que tornamos a pesquisa pública”, conclui a cientista.

Um estudo publicado na última quinta (05/05) na revista científica Science Advances encontrou evidências de como a participação comunitária em áreas costeiras está diretamente relacionada com uma maior conservação de áreas protegidas.

De acordo com o estudo conjunto da Universidade Internacional da Flórida (EUA), do Centro para Pesquisa Marinha Tropical Leibniz (Alemanha), do Fundo Mundial para Conservação da Fauna na Indonésia e demais instituições, em seis anos os indicadores de quatro áreas consideradas de multiúso para proteção ambiental (quando é possível algum tipo de atividade humana) tiveram aumento da biomassa total de peixes de pelo menos sete famílias encontradas ali.

“Que a frequência da participação no processo de decisão das comunidades locais e pessoas indígenas para conservação das áreas costeiras foram foi o achado mais interessante do nosso estudo”, diz Robert Fidler, pesquisador da Universidade da Flórida e primeiro autor do artigo.

“Embora seja difícil afirmar com certeza, nossa hipótese é que quando há mais engajamento das populações locais no processo de preservação, mais do ambiente é conservado.”

Fonte: Galileu, Ambiente Brasil, MSN, Folha SP.