No meio da maior floresta tropical do mundo, brota esperança. Uma área de 7,2 milhões de hectares na Amazônia, que tinha sido desmatada, está virando floresta de novo. É Uma prova da resistência da natureza que, mesmo agredida, insiste em renascer sem qualquer ajuda.
Todos os nove estados da Amazônia Legal possuem porções significativas de floresta se regenerando em locais sem aptidão agrícola. Isto é, áreas que não competem com o agronegócio e poderiam ser deixadas para crescer, a baixo custo, gerando benefícios para o clima e para os próprios agricultores.
Somente no Pará, Mato Grosso e Amazonas – estados que historicamente estão entre os maiores desmatadores do bioma – as áreas com tais características ultrapassam os 3,9 milhões de hectares, quando somadas. No bioma todo, a cifra chega a 5,2 milhões de hectares, área maior do que todo estado do Espírito Santo.
Os dados constam em estudo conduzido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon) e lançado recentemente dentro do Projeto Amazônia 2030 (AMZ 2030), iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia Brasileira durante esta década.
De acordo com Andréia Pinto, pesquisadora adjunta do Imazon e uma das autoras do estudo, áreas que não competem com a atividade agrícola são aquelas em que há grande limitação para o plantio devido à caraterística acidentada do solo, o que dificulta o ingresso de máquinas agrícolas.
Também foram incluídas nesta classificação áreas que, por lei, precisam ser preservadas, como as margens de rios, ou Áreas de Preservação Permanente (APPs).
O Pará é o estado que possui maior área nessas condições: 2,27 milhões de hectares, ou 44% do total do bioma Amazônia. Ele é seguido pelo Amazonas (1,04 milhão de hectares), Mato Grosso (656 mil ha), Maranhão (338 mil ha), Rondônia (305 mil ha), Roraima (150 mil ha), Tocantins (152 mil ha), Acre (143 mil ha) e Amapá (139 mil hectares).
Segundo a pesquisadora do Imazon, os dados levantados refletem o histórico de ocupação da floresta tropical. Na década de 1970, a área era desmatada para demonstrar posse, independente da característica do solo.
“O que a gente entende agora, olhando para a área que está sendo deixada regenerar, é que muitas foram abertas para demonstrar domínio e posse, mesmo aquelas muito acidentadas, que não era para uso agrícola.
Historicamente, o produtor foi percebendo que naquelas áreas não valia a pena investir. Foi uma decisão econômica mesmo, então ele deixou o mato crescer”, explicou Andréia Pinto, em entrevista a ((o))Eco.
O problema, ressalta Andreia, é que as áreas em regeneração não são sistematicamente mapeadas. Nos monitoramentos oficiais de mudança do solo realizados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), dentro dos programas PRODES e DETER, a vegetação secundária não é diferenciada das florestas originais.
“As florestas secundárias estão invisíveis, e quando elas estão invisíveis, tudo pode acontecer, sem nenhum tipo de sanção”, diz a pesquisadora, ao ressaltar a importância de estudos como o agora lançado pelo AMZ 2030.
O que o trabalho do Imazon mostrou é que as porções em regeneração estão majoritariamente localizadas em locais de acesso facilitado: perto de rios e seus afluentes, o que fica muito claro no caso do Amazonas, ou paralelos a estradas, como em grande parte do Mato Grosso e Pará, por exemplo.
Quem é dono destas áreas
Em 2019, a vegetação secundária sem competição significativa para o uso do solo estava concentrada em quatro classes fundiárias: imóveis privados cadastradas no Sistema de Gestão Fundiária do INCA (21%), áreas públicas não destinadas (20%), áreas protegidas (19%) e assentamentos rurais (12%).
Os vazios fundiários – onde não há qualquer informação sobre domínio – abrangiam 12% do total mapeado, as áreas com Cadastro Ambiental Rural (CAR) representavam 10%, as Áreas de Proteção Ambiental (APA) somavam 2,5% e as terras quilombolas completavam as áreas em regeneração sob baixa pressão para conversão agrícola, com 0,6%.
Segundo o pesquisador Paulo Amaral, também do Imazon, os produtores rurais dos estados da Amazônia deveriam aproveitar essas áreas sem aptidão agrícola para se adequarem à legislação ambiental.
“Além de impedir prejuízos com multas ambientais, ter propriedades adequadas à legislação pode ajudá-los a conseguir financiamentos e a valorizar a produção”, disse Amaral, que também assina o estudo.
Atualmente, a estimativa é que produtores rurais no bioma amazônico precisam recuperar cerca de 8 milhões de hectares para cumprir as leis ambientais.
Além da adequação ambiental, os autores ressaltam que pequenos e grandes produtores têm a ganhar com a regeneração, seja produzindo em suas agroflorestas, no caso dos pequenos, ou vendendo créditos de carbono, quando são as grandes áreas em foco.
Governos estaduais e regeneração
No processo de recuperação da floresta degradada, os governos estaduais possuem papel essencial. São eles os responsáveis por firmar e acompanhar os projetos de recuperação ambiental apresentados pelos proprietários rurais que pretendem se regularizar. Mas muito desses mecanismos de gestão e ordenamento territorial ainda engatinha nos estados da Amazônia Legal.
Segundo Andreia Pinto, tanto este trabalho quanto os outros produzidos dentro do Programa Amazônia 2030 são apresentados periodicamente a secretários estaduais, municipais, academia e organizações não governamentais.
“A gente está nessa fase preliminar que aparentemente tem mais receptividade. Agora, quanto disso se materializa é que é o desafio. Ainda não podemos destacar ações concretas”, ressalta a pesquisadora.
“A mensagem principal do estudo é que a recuperação da floresta pode ser bem mais fácil e bem mais barata do que se pressupõe e se imagina, desde que você aproveite esse potencial da própria regeneração da floresta e avance com as iniciativas de adequação.
Há um pensamento geral que a adequação ambiental é algo oneroso, parece que é tudo ruim, negativo, e esses estudos recentes lançam luz sobre essa camada de floresta que volta, sem que demande recursos tão maiores”, diz Andreia.
A vegetação que se regenera naturalmente na Amazônia deixa o Brasil mais perto de cumprir um compromisso firmado com a ONU, o de restaurar no mínimo 12 milhões de hectares de matas nativas até 2030. É uma notícia que traz um alento e, ao mesmo tempo, um desafio: garantir vida longa para a floresta que volta a crescer agora.
Para proteger a Amazônia, que vem batendo recordes de desmatamento, é preciso monitorar as áreas onde a floresta ainda encontra paraças para se recuperar.
“Precisamos imediatamente incluir essas áreas em programas de monitoramento oficiais. O segundo desafio é incluir essas áreas em programas de regularização ambiental”, disse Paulo Amaral.
O pesquisador em restauração ecológica Jeronimo Sansevero reforça que o processo é longo, até a floresta ficar madura. Cabe a nós permitir que a natureza siga o seu curso, cresça, se desenvolva e permaneça viva.
“É possível a gente reverter esse quadro de degradação dos ambientes florestais que a gente tem. O que a gente tem que ter agora é cuidado, monitoramento e fiscalização desse enorme patrimônio que pertence ao Brasil”, alertou o pesquisador.
Fonte: ((O))Eco, G!, WRI.