As orcas são comumente conhecidas como baleias assassinas, mas, na verdade, fazem parte da família dos golfinhos e nunca foram conhecidas por serem agressivas com os humanos.
Desde 2020, no entanto, o estranho novo comportamento de um grupo delas que vive nas águas ao redor da Península Ibérica, no sudoeste da Europa, tem alarmado marinheiros, cientistas e agora uma audiência global.
Os cetáceos parecem ter inventado um novo jogo arriscado: perseguir veleiros e empurrar os lemes, quebrando-os no processo.
Na semana passada, foi amplamente divulgado que uma orca havia batido em um barco no Mar do Norte. Alguns dias antes, uma orca “atacou” barcos de corrida perto do Estreito de Gibraltar.
Os cientistas preferem chamar esses confrontos de “interações”, já que a intenção das orcas pode ser lúdica em vez de hostil.
É um fenômeno sem precedentes, diz Alfredo López Fernández, pesquisador de orcas do Grupo de Trabalho de Orcas Atlânticas (GTOA, na sigla em inglês), que monitora as orcas ibéricas.
O especialista em orcas Renaud de Stephanis estuda as orcas ibéricas desde a década de 1990 e é coordenador e presidente da Conservação, Informação e Investigação de Cetáceos (CIRCE, na sigla em inglês), uma organização de conservação marinha.
O jogo parece estar se espalhando. Em 2022, foram 207 interações, mostraram dados do grupo de trabalho, ante 197 em 2021 e 52 em 2020.
Originalmente, elas aconteciam principalmente no Estreito de Gibraltar e arredores, ao longo das costas de Portugal, Espanha e Gibraltar, mas o campo se ampliou para incluir as costas do Marrocos e da França.
“As interações seguem as rotas migratórias das orcas”, diz López.
“Se elas quisessem destruir o barco, elas o quebrariam em 10 minutos.”
Apenas cerca de 35 orcas ibéricas foram identificadas, e estima-se que a população total seja inferior a 50. Dessas, sabe-se que 15 estão envolvidas nos encontros de barco — e é sempre o mesmo grupo, diz López.
O que começou este jogo? E o que pode ser feito para impedir isso?
No quarto verão desde o início do fenômeno, o mistério ainda não foi totalmente resolvido — mas os cientistas estão começando a chegar aos resultados. Aqui está o que sabemos até agora.
Mesmo antes de 2020, as comunidades de orcas dentro e ao redor do Estreito de Gibraltar desenvolveram uma estratégia de alimentação que envolve nadar até barcos de pesca de atum para pegar os peixes fisgados das linhas.
Ao longo dos anos, mais orcas se juntaram a elas.
Segundo López, os animais sempre se concentraram em veleiros, em vez de avançar em todos os tipos de barcos.
Na opinião dele, a intenção das orcas não é hostil. “Elas não estão mostrando uma atitude agressiva em tudo isso, mesmo que possam quebrar alguma coisa”, afirmou ele à BBC por e-mail.
“Sabemos que é um comportamento complexo, que não tem nada a ver com agressão (elas não querem comer ninguém, nem fazer mal aos humanos), nem querem vingança (as orcas não se ressentem)”, detalhou o especialista.
Isso leva à pergunta mais complicada: qual é exatamente a motivação dos animais?
O grupo de trabalho levantou duas hipóteses, segundo López.
Uma pode ser chamada de “hipótese da diversão ou da moda”. Como diz López, é a ideia de que as orcas “inventaram algo novo e o estão repetindo”.
Esse comportamento seria mais típico de orcas jovens, diz ele.
Em um relatório de 2021, o grupo de trabalho observa que orcas jovens foram ocasionalmente observadas se aproximando de navios, olhando, seguindo rastros e pulando nas ondas que eles causam.
A outra pode ser chamada de “hipótese do trauma”. Segundo esta explicação, “um ou mais indivíduos tiveram uma má experiência e tentam parar o barco para evitar que isso volte a acontecer”, diz.
Sobre o que pode ter sido essa experiência traumática, ele aponta que muitos barcos de pesca colocam as linhas na popa do barco, o que atrai orcas, que vêm inspecionar as linhas e pegar alguns peixes.
Foram registrados casos de orcas que se enredaram e se feriram com essas linhas. É possível que algo assim tenha acontecido com algumas baleias, ele acredita.
“Tudo isso nos faz pensar que as atividades humanas estão na origem desses comportamentos, mesmo que de forma indireta”, pontua o pesquisador.
O que podemos aprender com o novo hábito é “que elas são muito inteligentes e que estamos incomodando demais”.
O Grupo de Trabalho de Orcas Atlânticas recomenda que os navegantes evitem as orcas ao verificar regularmente mapas atualizados dos movimentos delas.
A principal recomendação de Renaud de Stephanis é também evitar as áreas onde as orcas estão, com a ajuda de mapas atualizados baseados no rastreamento desses animais por satélite — isso está começando a ajudar a reduzir as interações, diz ele.
Tentar escapar das orcas é inútil. De acordo com o relatório de 2021 do grupo de trabalho, as orcas costumam nadar a velocidades entre 8 e 11 nós, mas podem atingir velocidades de até 29 nós.
Para ter ideia, o barco navegado pela equipe holandesa JAJO estava a 12 nós quando as orcas atacaram, e de acordo com os tripulantes, os animais pareciam achar a velocidade “estimulante”.
Deixar a área rapidamente ajuda, segundo de Stephanis. Isso funciona não porque é possível ultrapassar uma orca, mas porque é menos provável que elas sigam o barco quando ele estiver fora da área predileta delas.
Fontes: BBC Future, G1.
Foto: Getty Images via BBC.