Em 2013, um relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) colocava o Brasil como líder em gastos com agrotóxicos no mundo. Outros estudos mostram que, de fato, o país vem tendo um consumo crescente desses produtos: entre 2000 e 2010, o uso de pesticidas no país aumentou 200%, enquanto no resto do planeta o aumento foi de 100%.
Essa análise é feita com base em números absolutos. Se forem considerados o total de área agrícola cultivada e o volume de produção, uma perspectiva distinta será revelada, mas ela explica apenas em parte as razões para o Brasil ser um grande consumidor de agrotóxicos.
Nesse sentido, os resultados dos estudos existentes são preocupantes. Uma nota técnica do Ipea de abril de 2020, indica que “o volume de vendas de agrotóxicos cresceu mais de 2,5 vezes (150%) entre 2006 e 2017 […] embora o crescimento da área plantada tenha sido de apenas 26% (de 62,6 milhões para 79 milhões de hectares)”. Considerados também os dados de área e de comercialização, o cálculo indica que o consumo de agrotóxicos cresceu de 3,2 kg/ha, em 2005, para 6,7 kg/ha, em 2014.
Ainda que razões climáticas permitam um maior número de safras no Brasil por ano e também impeçam um melhor controle natural de pragas, pois o inverno não apresenta temperaturas muito baixas, o que dificulta a comparação do consumo absoluto brasileiro com o de outros países, o enorme aumento de consumo por hectare traz grande preocupação quanto à saudabilidade dos produtos que chegam ao consumidor.
Outro elemento a considerar nessa análise: boletins do Ibama mostram que existe um número maior de agrotóxicos comercializados, sendo que, apenas em 2021, 562 novos compostos químicos foram registrados e liberados pela Anvisa, volume 14% maior que o do ano anterior.
Volto, então, à pergunta: o crescente uso dessas substâncias na produção agrícola significa que estamos consumindo cada vez mais agrotóxicos nos alimentos? A resposta é sim.
A cartilha Tem Veneno Nesse Pacote, lançada em 2021 pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), mostrou testes toxicológicos feitos em 27 alimentos ultraprocessados em 8 categorias. Em 6 delas havia resíduos de agrotóxicos. Entre os produtos analisados, 16 (59,3%) tinham pelo menos um tipo de agrotóxico, 14 (51,8%) resíduos de glufosinato ou glifosato —agrotóxico considerado capaz de causar câncer, conforme informado pela Iarc (Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer da Organização Mundial da Saúde). Para exemplificar, em um simples biscoito de água e sal foram encontrados resíduos de até 7 agrotóxicos.
Mas, mais importante, ao indagarmos sobre a saudabilidade dos alimentos, uma pesquisa feita pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) analisou 37 produtos quanto ao nível de agrotóxicos proibidos ou acima do limite, sendo que os cinco casos de maior destaque em 2020 foram: feijão-de-corda, em 76,6% das amostras; pimentão, em 63,7%; uva, em 17,6%; tomate, em 16,4%; e abacaxi, em 13,2%.
Entre os alimentos com 100% de conformidade em relação aos resíduos de agrotóxicos estão o arroz, o café, a maçã e a manga. Porém, é preciso cautela ao analisar se esses produtos são de fato seguros para o nosso consumo, visto que os limites de uso de agrotóxicos aceitos no Brasil são diferentes dos de outros países e muitos daqueles permitidos aqui são proibidos lá fora.
Para ilustrar, o Greenpeace lançou, em 2017, o relatório Segura Este Abacaxi, que revelou resultados de testes toxicológicos realizados em alguns alimentos, indicando que 60% das amostras continham resíduos de agrotóxicos e, das 23 substâncias encontradas nos testes, 10 são proibidas em pelo menos um desses locais: Estados Unidos, União Europeia, Canadá ou Austrália.
A ingestão contínua de alimentos com agrotóxicos representa um risco à saúde humana, assim como a inalação e o contato da pele com tais pesticidas, atingindo fortemente os trabalhadores agrícolas.
Estudos apontam que os diversos tipos de exposição da população às substâncias presentes nos agrotóxicos podem causar: câncer, mutações genéticas, malformações, distúrbios e problemas no sistema reprodutivo, aborto, problemas no sistema nervoso, efeitos sobre o sistema imunológico e desregulação hormonal. Além de terem um impacto negativo, por exemplo, sobre as abelhas, cuja população diminui significativamente ao longo dos anos.
A garantia de uma alimentação adequada é um direito humano, mas as políticas públicas brasileiras vão cada vez mais na direção oposta. O PL 6299/2002, conhecido como Pacote do Veneno, foi aprovado pela câmara dos deputados em fevereiro e aguarda apreciação pelo Senado. O projeto flexibiliza ainda mais o uso de agrotóxicos, prevê a liberação de outras substâncias com potencial cancerígeno e confere mais poder ao Ministério da Agricultura e Pecuária, desautorizando o Ibama e a Anvisa.
De outro lado, a sociedade civil organizada coloca pressão por meio de iniciativas em defesa da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara) que, entre outros pontos, visa a redução gradual do uso de agrotóxicos, estimula a transição agroecológica e orgânica e propõe a reavaliação periódica das substâncias de forma mais ágil e frequente. Dois exemplos de campanhas nessa direção são a Chega de Agrotóxicos e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
As empresas, por sua vez, têm a oportunidade de atuar de diferentes formas, começando de dentro: olhando para o seu próprio processo produtivo e informando o consumidor sobre os cuidados a tomar e o que evitar. Todos nós temos o direito de saber o que estamos consumindo, bem como os potenciais riscos à nossa saúde no médio e no longo prazo.
Empresas e marcas devem informar quais os ingredientes de seus alimentos e se possuem resíduos de agrotóxicos, além de conduzir testes toxicológicos em seus produtos para divulgação pública dos resultados. Essa transparência é hoje absolutamente essencial para a credibilidade das próprias companhias.
Fonte: Folha SP.