Eugenio Cunha
Desde o final de abril, o Brasil assiste atônito às imagens das águas que dominam cidades e levam vidas no Rio Grande do Sul. O número de pessoas desalojadas pelas enchentes chegou a 540.188, e outras 77.202 estão em abrigos, segundo o Boletim divulgado pela Defesa Civil hoje (18). Com a atualização, os afetados pela tragédia climática chegaram a 2.304.422. Subiu para 155 o número de pessoas mortas e 94 pessoas ainda estão desaparecidas.
Expressões como catástrofe socioambiental, emergência climática, adaptabilidade e resiliência dominam os noticiários e passam a integrar o vocabulário de autoridades e da população brasileira, na busca por explicações e soluções aos eventos climáticos extremos.
É positivo o fato de que os governantes passaram por cima de suas divisões políticas e estão unidos agindo em favor da população. O governo do presidente Lula, governadores estaduais, e Forças Armadas e grande número de voluntários estão mobilizados. Mas é necessário ir além desses esforços. Por conta do aquecimento global, eventos como este se repetirão em outras partes do país.
Para além deste momento de emergência, é preciso pensar mais seriamente num plano nacional de prevenção de tragédias climáticas. O Brasil necessita de fato construir um sistema muito eficiente de proteção do meio ambiente, de proteção contra as mudanças climáticas e de prevenção do que fazer diante desses eventos climáticos.
Está acontecendo hoje no Rio Grande do Sul, mas aconteceu no ano passado a maior seca da história da Amazônia. Têm ocorrido enchentes na Bahia, Minas Gerais, São Paulo, com muita frequência. Essa é a hora de fortalecer muito a preparação do Estado para agir nesses momentos. A forte chuva no Sul não é algo isolado e, por conta do aquecimento global, irá se repetir ao longo dos anos.
Estamos vivendo uma nova realidade, a da crise climática, e ainda não sabemos exatamente como ela funciona e nem quanto ela custará aos cofres públicos. Tudo indica que eventos climáticos extremos aumentarão sua ocorrência e sua intensidade de forma exponencial, e precisamos de cidades adaptadas a isso, de hábitos e costumes adaptados a isso e de uma economia adaptada a isso. Se nosso modelo econômico restringe os gastos que são necessários com adaptação das cidades e com respostas a desastres, esse modelo não é compatível com a realidade que vivemos.
Para que futuros eventos climáticos extremos não causem o dano que as chuvas no Rio Grande do Sul causaram, o Brasil precisa de um grande plano de adaptação climática, que deve ser executado o mais rápido possível.
Esse plano de gestão de risco climático tem que ser dinâmico, porque o clima continuará mudando. É com essa ideia que se trabalha no governo, desde o ano passado. A emergência é tentar ao máximo mitigar as perdas e as dores dos gaúchos, mas é preciso ir além disso porque o clima continuará superando os cenários.
Contudo, nada impressiona os ruralistas. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado colocou em pauta uma proposta para reduzir a reserva legal na Amazônia com o relatório favorável do senador Marcio Bittar (União-AC).
Quando, em fevereiro de 2023, uma enchente castigou o litoral de São Paulo, atingindo São Sebastião, onde 65 pessoas perderam a vida, 64 no município, o Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas começou a preparar um plano de prevenção. Era o segundo mês do governo e com a ideia de que não é o bastante gerir o desastre, é preciso formular um plano de gestão do risco climático. E é isso que tem sido preparado desde então para 1.942 municípios considerados mais vulneráveis.
Mas é preciso mais. A Suécia começou anos atrás a preparar a remoção de uma cidade inteira, quando descobriu que em 40 anos ela estaria submersa. O Brasil precisa saber melhor quantificar os riscos para todas as suas áreas expostas.
O Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC) da ONU divulgou, recentemente, informação de que 2023 pode ter sido uma virada de chave. O que era evento extremo virou normal, e o que vai ser extremo ainda nem se sabe o que é.
A dificuldade do governo está no fato de que é preciso prever o imprevisível. É por isso que se fala em um plano que seja dinâmico, porque ele terá que ser alterado de acordo com as mudanças do clima. Há muito a fazer diante desses quase dois mil municípios brasileiros mais expostos. Cidades precisam de remoção, de obras em encostas, de dragagem, novos gabaritos de construção, equipamentos públicos, planos de adaptação e de gestão de risco.
O coordenador da frente de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, Igor Travassos, lembra que no Brasil a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa, que causa a mudança climática, é o desmatamento. Enfrentá-lo é fundamental. Mas, é preciso mais. É necessário ter uma cultura da prevenção, porque o Brasil já teve sinais bem eloquentes dos riscos de outros desastres como o que vemos no Rio Grande do Sul.
Em 2022, no Recife, houve 133 mortos e mais 130 mil desabrigados. Tivemos várias ocorrências em Petrópolis, nesse ano, além do que houve em 2020 e 2011. Em 2023, além das cheias no sul houve uma seca extrema no Norte — destaca.
A esmagadora maioria dos brasileiros concorda que as chuvas históricas que atingiram o estado do Rio Grande do Sul, na última semana, estão relacionadas, em maior ou menor grau, com as mudanças climáticas. Essa é a principal conclusão da pesquisa do Instituto Quaest divulgada na noite de 4ª feira (8/5/24), que entrevistou 2.045 pessoas em 120 municípios entre os dias 2 e 6 de maio.
No governo também se fala o mesmo. Mas não fará sentido um plano de combate ao risco climático, como o que vem sendo desenvolvido desde a tragédia de São Sebastião, se no Congresso continuar a marcha do absurdo, com a tramitação de vários projetos de lei e ou propostas de alteração da Constituição com potencial para ampliar a destruição ambiental. A desta semana é mais um projeto que tenta reduzir a reserva legal na Amazônia. Eles negam a ciência, eles negam os fatos, eles negam o direito à vida.