Cidade australiana vive seus últimos dias depois de amianto matar 10% da população

Wittenoom, que já foi um símbolo de prosperidade econômica, é hoje uma das maiores tragédias industriais da Austrália, tornada inabitável pelas ações irresponsáveis de mineradoras e negligenciada por um governo que não fez nada para limpá-la.

A cidade foi construída há muito tempo sob a crescente demanda por produtos de amianto, como revestimentos e isolamento, com a promessa de desenvolvimento econômico ofuscando novas preocupações com a saúde. Das 20 mil pessoas que viveram na cidade ou trabalharam na mina próxima, 2.000 morreram de doenças relacionadas ao amianto.

Wittenoom se tornou uma bomba-relógio cancerígena quando os resíduos de mineração conhecidos como rejeitos foram trazidos para a cidade para ser usados na pavimentação das ruas e em playgrounds e jardins para conter a poeira. Perto da mina, os rejeitos – mais de três milhões de toneladas – foram empilhados como montanhas, escorrendo pelos desfiladeiros.

Sessenta anos depois do fim da mineração, o governo do estado da Austrália Ocidental anuncia que o risco à saúde permanece inaceitavelmente alto.

Durante mais de uma década, houve tentativas de fechar Wittenoom para impedir a visita de turistas em busca de emoção. A cidade foi removida dos mapas oficiais e a água e a eletricidade foram desligadas. O governo tentou retirar os residentes indenizando-os. Quando isso falhou, aprovou um projeto de lei este ano para adquirir os demais imóveis à paraça.

No processo, o grupo de residentes que se recusava a sair se transformou em símbolo de autodeterminação obstinada, lutando pelo direito de apostar a própria vida.

Mas, no início de setembro, as duas pessoas que ficaram estavam quase prontas a desistir da luta.

Legado Tóxico

Maitland Parker, que cresceu nos arredores de Wittenoom durante seu auge, lembra-se de nuvens de poeira subindo de uma mina em atividade e de crianças indígenas como ele pegando carona na boleia dos caminhões que transportavam fibras de amianto. Seu irmão contou que mastigava os rejeitos como chiclete. Mas as pessoas só perceberam o que estavam respirando depois de décadas. “A gente não fazia ideia, realmente”, disse Parker.

Parker já foi diagnosticado com mesotelioma, câncer causado pela exposição ao amianto. Isso é parte da devastação de Wittenoom. Embora muita gente que trabalhou diretamente com o amianto não tenha sofrido de câncer, ele desenvolveu a doença, mesmo nunca tendo vivido na cidade nem trabalhado na mina.

O mesotelioma pode ser tratado, mas não curado, e a expectativa de vida depois do diagnóstico é normalmente de um a dois anos. Mas Parker, de 69 anos, continua forte depois de ter recebido seu diagnóstico em 2016. “Ainda estou vivo. Deveria estar morto.” Com o tempo que lhe sobra, assumiu a missão de descontaminar a cidade.

Depois que a mina fechou, não houve tentativas de reabilitar a terra. O povo banjima, que vive ao redor de Wittenoom há milhares de anos, ficou com o legado. Seus integrantes ainda vão para as cadeias de montanhas e os desfiladeiros perto da cidade. Dizem que não têm escolha; é sua obrigação cultural e espiritual. Mas, toda vez que escolhem, precisam decidir entre seu modo de vida e sua saúde. A Austrália Ocidental tem uma das maiores taxas de mesotelioma do mundo, e entre a população indígena do estado o número é ainda maior.

Fonte: Folha SP, New York Times.

Foto: Matthew Abbott/NYT.