Segundo o relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crimes (UNODC), cerca de 284 milhões de pessoas de 15 a 64 anos usaram drogas em 2020. Na África e na América Latina, as pessoas com menos de 35 anos representam a maioria das pessoas em tratamento por transtornos relacionados ao uso de drogas. Globalmente, o relatório estima que 11,2 milhões de pessoas estavam usando drogas injetáveis, sendo que cerca de metade desse número vivia com hepatite C; 1,4 milhão com HIV e 1,2 milhão com ambas as doenças.
Além de transtornos de saúde mental e fatores genéticos, já foi provado cientificamente que o meio em que o indivíduo está inserido também é responsável por contribuir no desencadeamento da toxicodependência.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) relatou que o uso de substâncias nocivas e as mortes por overdose aumentaram muito durante a pandemia de covid-19, devido ao isolamento social, aumento da ansiedade, depressão e pensamentos suicidas.
No primeiro ano da pandemia nos Estados Unidos, o CDC diz que mais de 99 mil pessoas morreram de overdose de drogas. Isso representa um aumento de quase 30% em relação aos 77 mil que morreram nos 12 meses anteriores a 2020. Aproximadamente 75% das mortes estavam relacionadas ao abuso de opioides sintéticos, como fentanil. Também houve um aumento no uso de outras drogas mais pesadas, como heroína, metanfetaminas e cocaína.
Como se isso tudo não bastasse, cientistas descobriram como o aquecimento global está aumentando o abuso de drogas, principalmente na Índia.
Meio ambiente vs. vulnerabilidade emocional
Publicado em setembro desse ano, um estudo da Communications Medicine mostrou que as mudanças climáticas são associadas ao aumento de visitas a hospitais devido a distúrbios de álcool e substâncias. Vinte anos de dados coletados mostraram um aumento de 24,6% nas hospitalizações relacionadas ao transtorno alcoólico e um aumento de 38,8% por outras substâncias, incluindo opioides, cocaína, maconha e sedativos.
Segundo os pesquisadores, o planeta aqueceu uma média de 0,08 graus Celsius por década desde meados de 1800, embora parte significativa desse aquecimento seja de 1975 em diante. Os especialistas ainda especulam que os números apontados no estudo não refletem todo o escopo do problema, uma vez que nem todos que lutam contra o abuso de substâncias procuram ajuda médica.
Em “Mudanças Climáticas e Comportamentos de Uso de Substâncias: Uma Estrutura de Caminhos de Risco”, publicado em 2022 na Sage Journals, os autores do estudo determinaram que as mudanças climáticas podem aumentar a toxicodependência em todo o mundo por pelo menos cinco vias: estresse psicossocial decorrente da desestabilização dos sistemas de apoio social, ambiental, econômico e geopolítico; aumento das taxas de transtornos mentais; aumento da carga de saúde física; mudanças prejudiciais incrementais aos padrões de comportamento estabelecidos; e o excesso de preocupação com os perigos das mudanças climáticas descontroladas. Todas essas vias podem operar de forma independente para aumentar a vulnerabilidade ao uso de substâncias nocivas.
“A exposição a estressores relacionados ao clima, como tempestades, inundações, incêndios e secas; pode levar a um sofrimento físico e psicológico que, muitas vezes, persiste por meses após o evento”, disse Francis Vergunsta, coautor do estudo de 2022, em entrevista à revista Wired. “Os jovens enfrentam riscos desproporcionais devido a sua alta vulnerabilidade a problemas de saúde mental e transtornos por uso de substâncias”.
A Índia está definhando
Ou seja, o custo do aquecimento global já não é mais apenas social e econômico, mas também emocional, e está cada vez mais alto, sobretudo em idades extremas, que são os muito jovens ou idosos. Esses e os indivíduos com problemas de ordem psiquiátrica e emocional pré-existentes são os que correm maior risco de desenvolver toxicodependência pelos traumas causados pelo deslocamento e escassez oriundos das mudanças climáticas.
Segundo a Global Drug Policy Index, a Índia figura no ranking de um dos países com mais adictos do mundo, sendo que seu “vício” por crescimento econômico a qualquer custo está contribuindo para a toxicodependência de sua população. Na cidade de Gorakhpur, no estado de Uttar Pradesh, norte do país, a alta dependência de álcool entre os homens arrastou famílias para a miséria. Isso aconteceu também devido à disponibilidade do produto nas fronteiras e as consequências emocionais das condições climáticas extremas nessas regiões, onde as inundações são predominantes.
Os trabalhadores têm dificuldade em conseguir pelo menos 8 dias de trabalho por mês, graças aos danos nas colheitas. Sendo assim, muitos recorrem às drogas para tentar controlar a ansiedade e outras questões de ordem emocional. Alguns procuraram o tabaco de mascar, que custa US$ 0,12 o pacote, porque contém nicotina, um estimulante do sistema nervoso central. Os usuários alegam que isso melhora o humor, a concentração, alivia a raiva, tensão e o estresse.
Um problema generalizado
Esse fenômeno causado pelo aquecimento global de longe é algo que não se limita apenas à Índia, tampouco a países com salário predominantemente de baixo e médio rendimento. Em 2019 e 2020, a Austrália padeceu com vários incêndios florestais que queimaram 19 milhões de hectares de terras e mais de 3 mil casas, matando cerca de 56 mil animais de criação para a agricultura. Um artigo publicado no Journal of Environment Management, que avaliou a saúde mental de 746 australianos com idades entre 16 e 25 anos, encontrou maior abuso de substâncias em decorrência de ansiedade, estresse e preocupação oriundos das mudanças climáticas, mesmo entre aqueles que não foram expostos diretamente aos incêndios.
O estudo ainda descobriu uma relação entre ondas de calor, declínio da saúde mental e consumo de álcool entre os chineses com 50 anos ou mais. O calor extremo na China levou a um consumo mais frequente de álcool e a uma redução drástica em comportamentos positivos, como o exercício físico.
Ainda é desconhecida a extensão total do abuso de substâncias relacionadas ao clima em todo o mundo. O que preocupa os especialistas, no entanto, é que esse comportamento não muda depois que um evento climático ruim passa ou que a situação dessas pessoas melhora.
Marianthi-Anna Kioumourtzoglou, professora associada de ciências da saúde ambiental na Columbia Public Health, disse em um comunicado à imprensa que devem ser uma prioridade de saúde pública as intervenções à toxicodependência causada pelo clima. “A melhoria da infraestrutura social e das intervenções do sistema de saúde poderiam mitigar esses impactos”, observou ela.
Um relatório governamental de 2019 reconheceu que o alcance de programas nacionais para o tratamento de toxicodependência é amplamente inadequado. A Índia, por exemplo, não possui profissionais de saúde mental suficientes. Para os 883 milhões de pessoas que habitam as zonas rurais, o país tem apenas 1.224 hospitais subdistritais e 764 hospitais distritais. As estatísticas mais recentes da OMS mostram que, por milhão de pessoas, a Índia tem apenas três psiquiatras e menos de um psicólogo.
Para ser tratado e prevenido, o abuso de substâncias relacionadas ao clima precisa ser melhor reconhecido.
Fonte: Megacurioso.
Foto: GettyImages/Reprodução.