Uma aba de alumínio de uma lata de refrigerante ajudou cientistas a identificar um novo e preocupante processo geológico causado pela ação humana. Pesquisadores da Universidade de Glasgow, no Reino Unido, descobriram que resíduos da indústria siderúrgica, conhecidos como escória, estão se transformando em rocha sólida em apenas 35 anos na costa de Cúmbria, conforme publicado em abril no periódico Geology.
A descoberta desafia o conhecimento sobre os ciclos geológicos da Terra, que levam milhares ou até milhões de anos para formar rochas naturalmente. Pela primeira vez, os cientistas documentaram o que chamam de um novo “ciclo rápido de rocha antropoclástica”, que imita os processos naturais, mas com materiais criados pelo ser humano e em uma escala de tempo mais acelerada.
A pesquisa analisou uma faixa de 2 km de depósitos de escória (um subproduto da produção de aço) em Derwent Howe, uma área que abrigou fundições de ferro e aço nos séculos 19 e 20. Ao longo desse período, cerca de 27 milhões de m³ de escória foram acumulados na região. Com o tempo, os depósitos formaram penhascos que hoje sofrem erosão constante pelas ondas e marés.
Durante as análises de campo em 13 pontos ao longo da costa, os pesquisadores encontraram formações rochosas incomuns. Testes laboratoriais com microscopia eletrônica, difração de raios X e espectroscopia revelaram que o material da escória contém elementos como cálcio, ferro, magnésio e manganês, todos altamente reativos.
O contato desses elementos com a água do mar e o ar acelera a formação de cimentos naturais como calcita, goetita e brucita — os mesmos compostos que formam rochas sedimentares em ciclos geológicos normais, mas agora ocorrendo em escala de décadas.
“Por algumas centenas de anos, entendemos o ciclo das rochas como um processo natural que leva milhares a milhões de anos”, diz a autora principal do estudo, Amanda Owen, da Escola de Ciências Geográficas e da Terra da Universidade de Glasgow, em comunicado.”O que é notável aqui é que encontramos esses materiais feitos pelo homem sendo incorporados aos sistemas naturais e se tornando litificados – essencialmente transformando-se em rocha – ao longo de décadas.”
Segundo a pesquisadora, isso desafia a compreensão de como uma rocha se forma e sugere que o material de resíduos que produzimos enquanto humanidade terá um impacto irreversível no futuro.
Moeda e latinha de alumínio
A equipe conseguiu datar com precisão o processo de litificação graças a objetos modernos encontrados dentro das amostras analisadas. “Encontramos tanto uma moeda do rei George V de 1934 quanto uma aba de lata de alumínio com um design que percebemos que não poderia ter sido fabricado antes de 1989 embutidas no material. Isso nos dá um intervalo máximo de 35 anos para essa formação rochosa, dentro de uma única vida humana”, afirmou o coautor John MacDonald.
Já o pesquisador David Brown destacou que o fenômeno provavelmente não é exclusivo de Derwent Howe. “A escória contém todos os elementos necessários para se transformar em rocha quando exposta à água do mar e ao ar, então acho muito provável que o mesmo fenômeno esteja ocorrendo em qualquer depósito de escória semelhante ao longo de uma costa relativamente exposta à ação das ondas em qualquer lugar do mundo”, disse.
A pesquisa representa o primeiro exemplo completamente documentado e datado de um ciclo rápido de formação de rocha antropoclástica em terra firme. Um processo semelhante havia sido observado anteriormente na costa de Gorrondatxe, próximo a Bilbao, na Espanha, mas na ocasião os cientistas não conseguiram determinar o tempo de formação.
Em costas como Derwent Howe, o processo de litificação transformou uma praia de areia em uma plataforma rochosa rapidamente. “Essa rápida aparição de rocha pode afetar fundamentalmente os ecossistemas acima e abaixo da água, além de mudar a forma como as linhas costeiras respondem aos desafios do aumento do nível do mar e eventos climáticos extremos conforme nosso planeta aquece. Atualmente, nada disso é considerado nos nossos modelos de erosão e gestão territorial, que são fundamentais para nossa adaptação às mudanças climáticas”, explica Owen.
Fonte: Revista Galileu.
Foto: Universidade de Glasgow.
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