Dia da Mata Atlântica: Muito Pouco a Comemorar

Em 27 de maio, é comemorado o Dia Nacional da Mata Atlântica. A data se refere a quando Padre Anchieta assinou a Carta de São Vicente, documento no qual descreveu, pela primeira vez, a biodiversidade da floresta.

O bioma cobria cerca de 15% do território brasileiro e podia ser encontrado em 17 estados. Contudo, foi um dos que mais sofreu com a ação humana.

Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, atualmente, restam apenas 12,4% da vegetação original, dos quais cerca de 80% estão localizados em propriedades privadas.

Na contramão do mundo, a pandemia não foi o bastante para conter o avanço da destruição da Mata Atlântica brasileira. Entre 2020 e 2021, anos de distanciamento social, a destruição na Mata Atlântica saltou 66% em 2020-2021, em comparação ao período anterior (2020-2019).

A Mata Atlântica, o bioma brasileiro mais devastado, está vivendo um momento que parecia que não iria se repetir em sua história: um grande crescimento do desmatamento.

É o maior aumento percentual registrado desde o início do monitoramento, em 1985 (até 2010 os dados eram divulgados e englobavam um período de cinco anos.

Segundo dados do MapBiomas, mais de 90% dos desmatamentos do bioma têm indícios de ilegalidade.

Vale ressaltar ainda que o monitoramento é focado em fragmentos maduros de mata, ricos em biodiversidade e biomassa. Portanto, desmatamentos nessas áreas acabam tendo um impacto ainda maior.

Os dados são de relatório da ONG SOS Mata Atlântica e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) lançado na noite desta terça-feira (24).

Os resultados são vistos como surpreendentes e preocupantes. Ao todo, 15 estados apresentam alta de desmatamento, somente 2 tiveram redução.

“Estamos andando para trás”, afirma Luis Fernando Guedes Pinto, diretor de conhecimento da SOS Mata Atlântica e coordenador do Atlas Mata Atlântica, o projeto que anualmente levanta as áreas desmatadas no bioma.

Apesar do crescimento generalizado, três estados concentram mais de 80% da destruição registrada. Minas Gerais, líder de desmate, levou ao chão 9.209 hectares de floresta. Em segundo lugar, a Bahia derrubou 4.968 hectares. O Paraná fecha a lista com 3.299 hectares derrubados. Todos eles tiveram aumentos de destruição superiores a 50% em relação ao período anterior. Em Minas, o salto chegou a 96%.

Até mesmo estados que se aproximavam de desmatamento zero (quando os dados não passam de 100 hectares no ano) apresentaram crescimento na destruição, caso de São Paulo, Sergipe e Rio de Janeiro. O estado fluminense, por exemplo, antes estava abaixo dos 100 hectares, mas agora teve um aumento de 95% na supressão de matas.

A única explicação para um aumento generalizado como esse, segundo Guedes Pinto, seria uma visão antiambiental que se espalhou pelo país.

“São praticamente quatro anos de uma cultura de antifloresta, de negacionismo da ciência e de desmonte da política ambiental. E uma expectativa de impunidade, de ataque à legislação ambiental no Congresso e de atos administrativos do governo federal”, afirma o especialista. “Até atacaram a Lei da Mata Atlântica. Não podemos esquecer do despacho do [Ricardo] Salles.”

Guedes Pinto se refere a um despacho assinado pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em 2020, que acabava por anistiar proprietários rurais que destruíram Mata Atlântica. Esse documento reconhecia como áreas consolidadas (sem necessidade de recuperação) as APPs (Áreas de Preservação Permanentes, como margens de rios) desmatadas e ocupadas até julho de 2008.

O despacho, posteriormente revogado por Salles, seguia um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União), feito após pressões da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil) e do agronegócio do sul do país.

“A Mata Atlântica tem uma lei especial, tem uma governança mais robusta e existe uma segurança jurídica nessas áreas. Não era esperado que a gente chegasse nessa condição. Os resultados mostram que esse contexto institucional nacional acaba contaminando as pessoas e elas tomam a decisão de desrespeitar a lei, de ir para a ilegalidade e abrir novas áreas, infelizmente”, afirma o coordenador do Atlas.

O bioma chegar a um ano eleitoral com essas taxas de desmate também é algo preocupante, considerando que, em anos de eleição, a derrubada ilegal costuma crescer na mata atlântica.

No período de 2020-2021 A área total de desmatamento nos 17 estados compostos pelo bioma foi de 21.642 hectares, o equivalente a 20 mil campos de futebol ou 2,5 hectares desmatados por hora. A expansão do desmatamento, segundo os pesquisadores, também provocou o equivalente à emissão de 10,3 milhões de toneladas de CO² na atmosfera.

Aumento da devastação na Mata Atlântica pode impactar diretamente 70% dos brasileiros, alerta o pesquisador. Resultados mais visíveis serão a falta de água, impacto na produção de alimentos e o aumento no risco de desastres ambientais, como as fortes chuvas que assolaram cidades da Bahia.

Fontes: Folha SP. Globo, Frente Ambientalista, Carta Capital, Pense Numa Notícia.