Entenda o que é ‘greenwashing’ e como descobrir se uma empresa está tentando enganar você

“É mais do que propaganda enganosa”, indigna-se Marcos Felipe Falcão, professor do Departamento de Administração da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). “Porque não sou só eu, como consumidor, que está sendo lesado. São todos os habitantes da Terra. Mesmo sem querer, eu acabo financiando empresas que estão prejudicando o planeta”, continua buscando contextualizar o que torna a prática do greenwashing tão problemática.

Traduzido para o português às vezes como “maquiagem verde”, o greenwashing é uma série de estratégias adotadas por empresas para tentar construir uma imagem favorável para seus produtos e serviços alegando que fazem mais pelo meio ambiente do que realmente fazem – muitas vezes com o objetivo consciente de desviar a atenção dos consumidores de práticas nem sempre virtuosas.

Até onde se sabe, o termo estreou no jargão ambientalista em 1986, num ensaio do ativista norte-americano Jay Westervelt. No texto, ele criticava um hotel onde ficou durante uma viagem para Samoa que apelava à consciência ecológica dos hóspedes para que eles evitassem trocar suas toalhas com frequência sob a alegação de que isso levaria à economia de água. Além de resultados ambientais pífios no contexto de uma operação hoteleira de grande porte, os maiores beneficiados seriam os donos do hotel, que reduziriam seus custos. A hipocrisia estarreceu o ambientalista.

Consumidores estão mais exigentes

Passados quase 40 anos, a tentação de usar posturas ambientais fingidas como argumento de vendas está ficando cada vez maior. “Temos visto que os consumidores estão ficando cada vez mais exigentes [em relação às práticas socioambientais das empresas]”, opina o especialista em conteúdos do Instituto Akatu, Bruno Yamanaka. Um atrás do outro, diversos estudos corroboram a percepção de Bruno.

Um levantamento conduzido pela Nielsen Media Research em 2015 revelou que 66% dos consumidores em nível global topariam pagar mais por produtos ambientalmente amigáveis. Já uma pesquisa de 2017 da SPC Brasil mostrou que 71% dos entrevistados preferiam comprar de empresas comprometidas com ações socioambientais.

Junto com a consultoria GlobeScan, o próprio Akatu vem coletando informações sobre o peso das questões socioambientais para os consumidores brasileiros por meio da pesquisa Vida Saudável e Sustentável. De acordo com a edição de 2021, mais de 86% dos brasileiros querem reduzir seu impacto ambiental pessoal – mais do que a média global, de 73% – e 60% estão dispostos a pagar mais por produtos de marcas que trabalham para melhorar a sociedade e o meio ambiente.

Problema vem aumentando

Segundo o relatório “Mentira Verde”, publicado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) cerca de três anos atrás, um levantamento avaliou 509 produtos dos segmentos de higiene e cosméticos, limpeza e utilidades domésticas, vendidos em supermercados do Rio e São Paulo, cujos rótulos tinham pelo menos uma alegação socioambiental. Praticamente metade deles (48%) praticavam alguma forma de greenwashing – na categoria utilidades domésticas, o problema era mais prevalente, sendo encontrado em três de cada quatro produtos pesquisados.

O problema é mundial. No começo do ano passado a Comissão Europeia conduziu uma varredura em websites de empresas de diversos ramos para analisar alegações ambientais desses negócios. Em 42% dos casos, as informações foram consideradas, exageradas, falsas ou enganosas.

Falta orientação dos governos

Um dos problemas é que ainda falta uma orientação mais clara do que as empresas podem e do que elas não podem fazer. “Embora o Código de Defesa do Consumidor proíba a propaganda enganosa, ele é genérico. Precisamos de uma legislação específica sobre [alegações ambientais]. Essa é uma discussão longa e estamos muito atrasados nesse debate”, diz o professor Marcos Falcão, acrescentando que mais de um projeto de lei nesse sentido já foi apresentado no Congresso, mas, até agora, nenhum deles avançou.

Mesmo fora do Brasil, o entendimento sobre a questão ainda é incipiente. Não faz nem um ano que a Autoridade de Competição e Mercados (CMA, na sigla original) do Reino Unido publicou seu “Guidance on Environmental Claims on Goods and Services” (“Guia Sobre Alegações Ambientais para Bens e Serviços”, em tradução livre), codificando uma série de princípios que, se não eliminam, reduzem “a probabilidade de que as empresas enganem seus consumidores”.

Por meio da rede One Planet, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou um grupo de trabalho que vem focando em definir diretrizes de comunicação com os consumidores para produtos e serviços sustentáveis.

Lista ajuda a identificar o greenwashing

Uma das maiores dificuldades de lidar com greenwashing quando se está de frente para uma gôndola de supermercado é a natureza labiríntica do problema.

Entre 2007 e 2010, a consultoria canadense TerraChoice (posteriormente absorvida pela UL Solutions) elaborou uma lista dos “Sete Pecados do Greenwashing”, criando uma tipologia das principais práticas de greenwashing. A lista se tornou uma espécie de referência informal para quem se interessa pelo assunto e ajuda a identificar melhor práticas problemáticas:

1 – Custo camuflado: quando se sugere que um produto seja “verde” com base num conjunto restrito de atributos, sem levar em conta outras questões igualmente ou até mais relevantes.

Exemplo: Fabricantes de papel ressaltam que seu produto vem de florestas plantadas, mas não mencionam sobre o uso de químicos agressivos no processo de branqueamento.

2 – Falta de prova: é cometido quando uma empresa não oferece provas facilmente acessíveis para dar suporte às suas alegações ambientais.

Exemplo: Vários produtos alegam ter material reciclado em sua composição sem fornecer evidências.

3 – Imprecisão: acontece quando uma declaração ambiental é mal definida ou vaga a ponto que seu real significado não ficar claro para os consumidores.

Exemplo: Produtos que alegam serem “naturais” ou “verdes” sem explicar o que querem dizer com isso.

4 – Irrelevância: é a falta cometida por empresas que fazem alegações ambientais que não têm qualquer importância por já serem práticas obrigatórias ou comuns.

Exemplo: Desodorantes ou aerossóis que se declaram “livres de CFCs” mesmo com o uso de CFCs sendo proibido há vários anos.

5 – Culto a falsos rótulos: surge quando o rótulo de um produto inclui palavras ou imagens que dão a impressão de que ele conta com certificações que não possui de fato.

Exemplos: Empresas que declaram não fazer testes com animais e incluem imagens parecidas com os selos de certificadoras.

Se acabasse aí já seria bastante coisa. Mas essa, segundo o aluno de mestrado Sebastião Netto, é só a ponta do proverbial iceberg. Segundo ele, a forma mais comum é a maquiagem dos produtos e serviços por meio de campanhas publicitárias ou rótulos que contenham alegações ou tenham sido executados carregados de imagens e simbologias associadas à causa ambiental

Fique atento e tenha um pé atrás

Manter a atenção e ter sempre um pé atrás com alegações pouco precisas e/ou suspeitas parece ser a dica mais importante para não acabar comprando gato por lebre. Uma dose de ceticismo é a principal recomendação.

“Claro que o ideal seria ter toda a informação relevante à disposição, mas é importante o consumidor ter um papel ativo e refletir sobre o que está comprando”, diz Bruno Yamanaka, aconselhando desconfiar especialmente do uso de linguagem pouco clara e de bordões.

“Pode parecer difícil, mas quando a gente adquire o hábito, começa a ficar mais atento”. “Tem uma série de selos que têm credibilidade e respaldo, como os selos de produção orgânica e de eficiência energética”, afirma Rafael, do Idec.

Fonte: Um só Planeta.

Foto: Getty Images.