Estudo põe em questão data da extinção da megafauna

Em janeiro deste ano, cinco paleontólogos brasileiros publicaram um estudo no qual defendem que mamíferos gigantes ainda circulavam pelo Brasil, na região onde fica o Ceará, por volta de 3,5 mil anos atrás. Se estiverem certos, será preciso reescrever a história da vida na América do Sul, porque até agora a maioria dos estudiosos dava como certo que a megafauna foi extinta cerca de 11,7 mil anos atrás.

O consenso entre os especialistas era de que a extinção coincidiu com o fim do Pleistoceno, época geológica também chamada de Era do Gelo, e foi causada seja por mudanças ambientais, seja pela ação dos seres humanos, que passaram a competir com os grandes mamíferos por território e recursos, e possivelmente caçavam alguns deles para se alimentar.

O estudo brasileiro saiu na revista especializada Journal of South Ame­rican Earth Sciences. O primeiro autor é o carioca Fábio Henrique Cortes Faria, um geógrafo que se especializou em paleontologia. O trabalho é fruto da pesquisa que ele vem desenvolvendo no pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na edição deste mês da piauí, ele contou a Bernardo Esteves que o objetivo do estudo nunca foi quebrar um paradigma sobre a data de extinção da megafauna. A ideia original era mais modesta: datar fósseis de grandes mamíferos que viveram no Brasil e, com isso, preencher a lacuna de conhecimento que existe sobre a idade desses bichos. “Temos tantos fósseis, mas muito poucas datações diretas”, disse Faria.

Em vez de promover novas escavações, Faria e seus colegas decidiram datar fósseis que já tinham sido coletados e pertencem a coleções científicas de várias instituições. Os pesquisadores selecionaram oito amostras e mandaram-nas para o Laboratório de Radiocarbono da Universidade Federal Fluminense, em Niterói – o único da América do Sul capaz de datar fósseis por carbono-14 com tecnologia de ponta.

De acordo com a professora Edna Facincani, além da descoberta dos mamíferos mais recentes entre os fósseis do Ceará, o material da UFMS resultou também na idade mais recente de preguiça gigante da América do Sul, o que propicia inserir o estado em uma das três regiões zoogeográficas que se destacam quanto à quantidade e diversidade de espécies desta fauna mamífera, a Região Intertropical Brasileira. As outras duas já conhecidas e estudadas há tempos são as regiões do Chaco no Paraguai e dos Pampas ao sul do país e no Uruguai.

“A Região Intertropical Brasileira era composta principalmente pelos estados do Nordeste, com exceção do Maranhão, alguns do Centro-Oeste e do Sudeste. Com o avanço das pesquisas podemos enquadrar esses nossos achados e outros que vêm sendo encontrados por pesquisadores no MS, nos rios Apa e Formoso, expandindo essa área não só para o estado, mas para o Paraguai também. Então sempre comento com a professora Edna que o estado pode vir a ser considerado até um importante corredor biogeográfico, tendo feito a ligação entre estas três importantes regiões”, comenta Fábio.

Os resultados pegaram os autores desprevenidos. As datas obtidas sugerem que os grandes mamíferos sobreviveram em Mato Grosso do Sul e no Ceará vários milênios após o fim da Era do Gelo. O resultado mais surpreendente foi a idade de dois representantes da megafauna cearense: a paleolhama (um parente extinto das lhamas que ainda vivem na Cordilheira dos Andes, só que de maior porte) e um primo da macrauquênia pertencente à espécie Xenorhinotherium bahiense, um bicho com a cara de uma anta de tromba curta, pescoço comprido e porte de um bisão. A datação por carbono-14 apontou que as duas espécies ainda vagavam pelo Ceará entre 3,4 mil e 4,2 mil anos atrás. Ou, como diriam os paleontólogos, anteontem.

Mas especialistas ouvidos pela Piauí questionaram a validade e o alcance dos resultados do estudo. Um velho clichê dos cientistas afirma que alegações extraordinárias requerem provas extraordinárias, e alguns colegas consideram que as provas apresentadas pelos brasileiros não chegam a tanto. Para esses pesquisadores, antes de reescrever a história da extinção da megafauna, é preciso que os resultados sejam ratificados por novos achados ou testes que confirmem a sobrevivência tardia dos grandes mamíferos.

Fontes: Revista Piauí, UFMS.

Fábio Faria/Acervo pessoal/Reprodução