Céu limpo, sol a pino: mais um dia maravilhoso de praia no litoral. O cenário pode parecer paradisíaco, com areia branquinha e ondas verdes, mas na paisagem há um perigo escondido à plena vista. O plástico, saído de vários itens consumidos pelas famílias em suas casas, esfarelou-se ao passar por bueiros e chegou à beira-mar em pedaços tão pequenos que não é possível distingui-los. Mas ele está ali, aos montes.
Para combater a poluição plástica dos oceanos, iniciativas se espalham pelo Brasil, seja para inibir o plástico descartável no delivery de comida, ou para aumentar a paraça de trabalho no setor da reciclagem. E, nas praias, projetos como o Ondas Limpas, da organização Sea Shepherd, promovem mutirões e educação ambiental para limpar a areia e o fundo do mar deste tipo de lixo que hoje se estende dos mais altos montes do mundo às profundezas submarinas.
Este ano, uma extensão deste projeto pegou a estrada para enfrentar um problema detectado pela Sea Shepherd por meio do contato com prefeituras e empresas: a falta de dados científicos. Equipados com um ônibus especial, com laboratório e painéis solares para eletricidade, uma equipe vem percorrendo a costa brasileira para chegar a um diagnóstico inédito sobre o tamanho e as características da poluição do litoral.
Ao todo, os pesquisadores irão vasculhar 300 praias em 16 mil quilômetros de Norte a Sul do país, coletando amostras a serem examinadas em laboratórios da USP e Unifesp. A expedição partiu do sul e no momento passa pelo litoral de São Paulo, onde recentemente, na Riviera de São Lourenço, em um único mutirão foram retirados 60 quilos de lixo de uma praia aparentemente não poluída.
“A praia parecia super limpa, achamos que não teria muita coisa e, quando vimos, tiramos 60 quilos de lixo. Foi chocante para todos. O lixo está ali, escondido, fundido na paisagem”, conta o voluntário Caio Rodriguez, atual capitão da expedição, que vai trocando de tripulação a cada três meses. A bordo vão motorista, chef de cozinha, dois biólogos(as), o capitão(ã) e um responsável pela comunicação.
O lado bom de um choque como o ocorrido na Riviera, segundo o capitão, é seu efeito educativo. “Ajuda a conscientizar as pessoas. Elas entendem que existe um problema muito grande que às vezes a gente não consegue ver, e começam a repensar o consumo. É uma parte importante [do combate à poluição] pensar no que consumimos e como descartamos o lixo que a gente produz”, afirma Caio, que muitas vezes se depara com embalagens de produtos que um dia já usou.
Entre os itens mais encontrados nos 66 quilos de lixo recolhidos até agora pela expedição estão o plástico, desde embalagens a micropedaços (2.370 itens), e as bitucas de cigarro (1.024).
Esses dois itens são grandes vilões da poluição no mar. O plástico, em sacolas, embalagens ou pellets – pequenas bolinhas usadas como matéria-prima pela indústria –, absorve substâncias que estão ao redor e fica com “cheiro de mar”, confundindo animais, que os comem. Os filtros do tabaco oferecem o mesmo perigo, além de liberarem na água as toxinas do cigarro. Hastes flexíveis, usadas em cotonetes, são outra “figurinha carimbada” da poluição marinha.
Em nível industrial, o Brasil conta com a iniciativa Programa Pellet Zero – OCS, da Plastvida, associação que reúne Braskem, Dow, Videolar-Innova e outros grandes players do mercado de plástico, num esforço de certificação para boas práticas no tratamento dos pellets, que, em navios, escorrem pelas frestas de contêineres, poluindo o mar e gerando grandes catástrofes, como recentemente no Sri Lanka, com o naufrágio de um navio-cargueiro.
Quanto menor o lixo, mais perigoso ele é. “O plástico que pesa menos é o que mais prejudica. Ele se mistura e resiste no ambiente, dura mais de 400 anos e é um item de pouco valor, não atrai catadores e recicladores”, observa Nathalie Gil, CEO da Sea Shepherd no Brasil.
— Nathalie Gil, CEO da Sea Shepherd Brasil
A ambientalista defende uma postura rígida em relação ao consumo do plástico e avalia que reciclar, apesar de ser bom, não é a solução ideal, pois aquele material ganha uma nova chance de acabar na praia. “Dizer que vai cortar o plástico virgem em 50% até 2025 pode soar como solução do problema, mas para quem vê as entranhas da questão, isso não resolve.”
Nossa ambição com esse estudo é mostrar o quão crítica a situação está, os tipos de plástico que estamos encontrando nas praias e o impacto de toxicidade na areia. Vamos poder dizer que em x% da costa encontramos bitucas, garrafas PET, e a densidade de microplástico nas praias brasileiras.
A expedição ainda tem um ano de viagem pela frente, e seguramente muito lixo para recolher, antes de apresentar seus dados. Mas, para garantir a eficiência do resultado, toda a pesquisa vem seguindo padrões científicos internacionais. As coletas seguem regularmente para os laboratórios das universidades, criando o arquivo que vai possibilitar conclusões mais adiante – e a continuação da pesquisa em novas expedições.
O projeto de pesquisa tem apoio da OdontoPrev, que forneceu o ônibus da expedição, e acompanha os trabalhos com atendimento odontológico a profissionais de cooperativas de reciclagem. Para a CEO da Sea Shepherd Brasil, iniciativas assim precisam se multiplicar.
A OdontoPrev informou que apoia 20 instituições dentro de sua política de ESG, e aposta no pioneirismo do projeto. “Acreditamos que para elaborarmos medidas e um plano de ação concreto, só podemos fazer isso a partir da geração de dados. Estes serão utilizados para exigirmos políticas públicas com argumentos fortes e convicção. A Expedição Ondas Limpas na Estrada visa trazer evidências científicas para que ações bem embasadas sejam tomadas”, analisa Renato Costa, CIO e CMO da empresa.
“Eu gostaria que isso fosse um símbolo de como as empresas podem contribuir para o tema ambiental, contribuindo para projetos que não tenham uma mensuração imediata – o meio ambiental precisa imediatamente disso. Não podemos esperar os governos, a iniciativa privada precisa tomar uma atitude, junto com os cidadãos”, afirma Gil.
Fonte: Um só Planeta.
Foto: Divulgação/Sea Shepherd.