O anúncio sem detalhes de que o bilionário Elon Musk pretende usar sua rede de satélites Starlink para conectar 19 mil escolas em áreas rurais e monitorar a Amazônia foi recebido com ressalvas por especialistas que acompanham o enfrentamento do desmatamento no Brasil.
O Brasil já tem dados suficientes para direcionar sua fiscalização contra o desmate e a oferta de “conectividade” feita por Musk não tem impacto direto no rastreamento da devastação, segundo os analistas.
Atualmente, o desmatamento é monitorado por ao menos três sistemas com dinâmicas que se completam:
Sistema de alertas de desmatamento oficial do governo, o Deter-B, do Inpe, de monitoramento diário, e o sistema Prodes, de periodicidade anual.
Sistema SAD, do Imazon, que faz monitoramento de um período de 30 dias.
Sistema do MapBiomas, que faz monitoramento anual de cobertura e uso do solo.
“(Os equipamentos de Musk) são satélites de comunicação. (…) Não são satélites óticos, eles não conseguem enxergar coisas na superfície, no território, o que é usado para fazer monitoramento do desmatamento”, explica Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas e especialista em monitoramento ambiental.
“Não é por falta de achar desmatamento e de monitorar que a gente não tem fiscalização e controle do desmatamento. Pelo contrário, o que falta é essa parte da fiscalização e do controle”, afirma.
Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de mais 70 organizações da sociedade civil, diz que o Inpe é “uma referência de monitoramento de florestas tropicais no mundo” e também tem a “tecnologia mais avançada para fazer isso”.
“Monitoramento a gente tem e é de qualidade. O que a gente não tem é governo. Não adianta a gente ter a informação e não ter quem aja, tome ações em cima da informação”, afirma Astrini.
Na manhã desta sexta-feira (20), Musk foi questionado por alunos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) sobre como as operações da Starlink na Amazônia ajudariam no monitoramento e proteção da floresta.
“Sobre proteger a Amazônia, temos que usar os dados, porque a Amazônia é gigantesca. Se você tentar fazer um monte de fotos e vídeos para entender o que esta acontecendo, a quantidade de dados a ser transmitida será enorme, então, precisamos dessa conectividade para monitorar a Amazônia efetivamente”, disse Musk.
Em sua resposta, o bilionário fez referência ao apoio de conectividade e transmissão de dados que seus sistemas poderiam oferecer para quem está em solo atuando, estratégia diferente da usada por sistemas que flagram do espaço o desmate com sistemas óticos e geram alertas para órgãos fiscalizadores.
Com histórico de mais de 4 décadas de atuação na área ambiental, Gilberto Câmara afirma que o Brasil já tem um monitoramento que “é dito pelos americanos como a inveja do mundo”.
O especialista foi diretor do Inpe entre 2005 e 2012 e diretor do órgão das Nações Unidas que trabalha com observação da Terra (Group on Earth Observations, em inglês) de 2018 a 2021. Ele coordenou a implementação do sistema Deter. “Posso assegurar que não tem nenhum sistema que oferece hoje a qualidade do que o Brasil faz para o monitoramento de florestas tropicais. Nosso sistema é o único que tem as características necessárias”, afirma Câmara.
Para o ex-diretor do Inpe, o aumento do número de dados “não vai fazer muita diferença”.
“Conexão com internet para as comunidades tradicionais da Amazônia, com os indígenas, é ótimo. Mas o problema, no fundo, é a confiabilidade da informação que chega até você”, explica.
Segundo Câmara, um grande volume de dados – onde estão e quando ocorreram os crimes – já existe. Receber mais dados locais pode ser positivo, mas o que faltaria é a garantia de que as informações são confiáveis.
Monitoramento do Inpe
Desde 1988, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, recebe e processa os dados sobre perda de floresta. As imagens são obtidas via satélite e o nível de precisão é de 95%, segundo o próprio instituto.
Apesar da alta taxa de desmatamento detectada, com mais de 13 mil km² de desmatamento pela plataforma Prodes, o monitoramento não resulta em fiscalização: dados divulgados em fevereiro deste ano apontam que apenas 1,3% dos alertas resultaram em ações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
O Prodes levanta as taxas anuais de desmatamento. São usadas aproximadamente 220 imagens do satélite americano Landsat-5/TM, que tem de 20 a 30 metros de resolução espacial (ou seja, cada ponto da imagem corresponde a uma área de 400 a 900m²).
Já o Deter é usado desde 2004 para detectar o desmatamento em “tempo real” em áreas maiores do que 3 hectares (30 mil m²). O sistema serve de alerta para dar apoio a ações de fiscalização do Ibama e não deve ser entendido como taxa mensal de desmatamento.
Por fim, há a divulgação dos dados do TerraClass feita a cada dois anos. O objetivo deste monitoramento é saber qual foi o uso da terra após o desmatamento. O levantamento é feito em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Como é o monitoramento do Imazon?
O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que não é ligado ao governo, analisa dados de alerta de desmatamento através do sistema SAD, que selecionada uma imagem de satélite no início do mês e outra no fim dos 30 dias.
Segundo o instituto, os satélites usados são mais refinados que os dos sistemas do governo e são capazes de detectar áreas devastadas a partir de 1 hectare. No início do projeto, apenas regiões com mais de 10 hectares conseguiam ser examinadas.
Como é o monitoramento do Mapbiomas?
O Mapbiomas monta um mapa anual de cobertura e uso do solo, com classificação pixel a pixel de imagens dos satélites. O projeto é uma parceria entre universidades, instituições e o Google. O satélite usado é o Landsat, o mesmo do Prodes. Os dados são processados por algoritmos, por meio de uma plataforma do Google. Ele reúne informações de diferentes órgãos, como do Inpe, e os cruza com informações do IBGE, por exemplo.
A periodicidade é anual. O mapa forma um mosaico que cobre o país. Cada “peça” tem camadas colhidas nas últimas décadas. A partir disso, é possível analisar as mudanças no solo para cada bioma, estado e município.
Fonte: G1, Headtopics, Ponto de Pauta.