Uma nova abordagem sensorial para detecção do câncer está sendo estudada por pesquisadores da Universidade Estadual de Michigan (MSU), nos Estados Unidos. Em nova pesquisa, os cientistas descobriram que o circuito neural olfativo de insetos, neste caso, de gafanhotos, pode ser um caminho para não só identificar células cancerígenas, mas também distingui-las entre diferentes linhagens.
A descoberta, publicada em maio no BioRxiv, revela que gafanhotos conseguem “cheirar” a diferença entre células cancerígenas e células saudáveis. Apesar de parecer incomum, este trabalho pode fornecer a base para dispositivos que usam neurônios sensoriais de insetos para permitir a detecção precoce de câncer, usando apenas a respiração do paciente.
Mesmo com a evolução da tecnologia, o olfato é uma ótima ferramenta para detecção de diversas substâncias. Um grande exemplo é a utilização de cães farejadores para encontrar drogas ou explosivos. Ainda que os cientistas trabalhem em tecnologia para imitar este sentido, nada pode se igualar com o olfato biológico.
“As pessoas trabalham em ‘nariz eletrônico’ há mais de 15 anos, mas ainda não estão perto de alcançar o que a biologia consegue fazer ininterruptamente”, disse Debajit Saha, professor de engenharia biomédica da MSU e pesquisador do Instituto de Ciências Quantitativas da Saúde e Engenharia (IQ), em comunicado.
Cheirando o câncer
Quando o câncer é detectado em seu primeiro estágio, os pacientes têm de 80% a 90% de chance de sobrevivência. Mas se não para detectado até o estágio 4, esses números caem para 10% a 20%.
As células cancerosas funcionam de maneira diferente das células saudáveis e criam compostos químicos diferentes à medida que trabalham e crescem. Se esses compostos chegarem aos pulmões ou vias aéreas de um paciente, os compostos podem ser detectados na respiração exalada.
Saha explica que, na teoria, é possível respirar em um aparelho e ter vários tipos de câncer diferenciados pela máquina, indicando até mesmo em qual estágio a doença está. Porém, essa técnica ainda não está perto de ser utilizada clinicamente.
Por esse motivo, o professor e sua equipe decidiram tentar uma nova abordagem e, ao invés de imitarem a biologia, os cientistas iniciaram seus trabalhos a partir daquilo que a natureza fornece para aprimorar as funções. “A equipe está essencialmente ‘hackeando’ o cérebro do inseto para usá-lo no diagnóstico de doenças”, disse Saha.
Por que gafanhotos?
Os gafanhotos serviram à comunidade científica como organismos modelo, como as moscas da fruta, por décadas. Os pesquisadores construíram uma compreensão significativa de seus sensores olfativos e circuitos neurais correspondentes. E, em comparação com as moscas da fruta, os gafanhotos são maiores e mais robustos.
Essa combinação de recursos permite que os pesquisadores da MSU conectem eletrodos com mais facilidade aos cérebros dos gafanhotos para registrarem as respostas dos insetos às amostras de gás produzidas por células saudáveis e células cancerígenas. Em seguida, eles usaram esses sinais para criar perfis químicos das diferentes células.
Saha e sua equipe vem aprimorando seus estudos com gafanhotos desde 2020, quando liderou pesquisas que detectaram explosivos com estes insetos na Universidade de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos.
Christopher Contag, diretor da IQ, ao ver esse trabalho, decidiu chamar Saha e os demais pesquisadores para trabalharem juntos. Um dos focos de pesquisa de Contag era entender por que células de câncer de boca tinham aparências distintas sob os microscópios e ferramentas ópticas de sua equipe. Seu laboratório encontrou diferentes metabólitos em diferentes linhagens celulares, ajudando a explicar as diferenças ópticas. Descobriu-se que alguns desses metabólitos eram voláteis, o que significa que poderiam ser transportados pelo ar e farejados.
Os sensores de gafanhotos da Saha forneceram a maneira perfeita para testar isso. As duas equipes colaboraram para investigar quão bem os gafanhotos poderiam diferenciar células saudáveis de células cancerígenas usando três linhagens celulares de câncer oral diferentes.
Os resultados demonstraram que os três tipos de cânceres orais humanos podem ser distinguidos um do outro e de uma linhagem de células orais não cancerosas, analisando as respostas neurais olfativas nos lobos das antenas dos insetos. “Esperávamos que as células cancerosas parecessem diferentes das células normais”, disse Contag em comunicado. “Mas quando os insetos puderam distinguir três tipos de câncer diferentes, isso foi incrível.”
A equipe está iniciando uma colaboração com Steven Chang, diretor do programa Henry Ford Head and Neck Cancer, para testar seu sistema de detecção com respiração humana. Depois dos bons resultados em cânceres de boca, os pesquisadores decidiram expandir e utilizar esse sistema em outros tipos de câncer que apresentem metabólitos voláteis na respiração.
“A detecção precoce é muito importante e devemos usar todas as ferramentas possíveis para chegar lá, sejam elas projetadas ou fornecidas a nós por milhões de anos de seleção natural”, disse Contag. “Se formos bem sucedidos, o câncer será uma doença tratável”, conclui.
Além dos gafanhotos, os cientistas também estão estudando a possibilidade de trazer o poder de detecção química das abelhas. A equipe da MSU já tem resultados promissores usando cérebros de abelhas para detectar biomarcadores voláteis de câncer de pulmão.
Futuramente, o objetivo da equipe é desenvolver um sensor fechado e portátil sem um inseto, apenas com os componentes biológicos necessários para detectar e analisar compostos voláteis cancerígenos, dispensando a necessidade de técnicas mais invasivas.
Fonte: Galileu.